Baco Exu do Blues examina desejo e hipersexualização de corpos negros em disco

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Baco Exu do Blues está numa casa de praia em São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, com um grupo de amigos. É réveillon quando um casal de pessoas brancas os encontra. A mulher, em especial, parece sugada pela figura do rapper baiano. A partir dali, eles vivem uma espécie de bacanal que envolve sadomasoquismo e todo tipo de prazer.

Essa trama, presente no curta-metragem que acompanha o novo EP de Baco, “Fetiche”, acontece toda na imaginação daquela mulher. “O filme é sobre o pensamento dessa garota”, diz o rapper. “Mesmo dando todas as pistas, a Camila [Cornelsen, diretora] conseguiu fazer de um jeito que as pessoas ainda duvidem que de fato seja sobre hipersexualização.”

Tanto o filme quanto o EP de sete faixas, lançados nesta quinta-feira (27), exploram o desejo a partir de uma pesquisa da origem da palavra que dá título aos trabalhos, “fetiche”. Como afirma Baco, é um termo atrelado a um processo de animalização e depois de hipersexualização de corpos negros.

“Nas estátuas de religiões africanas, os negros são retratados com o falo muito grande -o que era uma representação de fertilidade”, ele diz. “Os colonizadores, vendo essas estátuas, começaram a chamar de feitiço, feitiçaria, algo para rebaixar aquelas religiões. Em uma troca de colono para colono, a palavra foi mudada e se tornou ‘fetiche’.”

É uma pesquisa atravessa séculos de racismo, um processo de desumanização que embute a corpos negros -segundo esse pensamento colonial, mais próximos do macaco que do homem branco- atributos exclusivamente físicos, em detrimento do intelecto. É o que gera, nas palavras de Baco, a “estratégia King Kong”, em que o homem negro é retratado como “um macaco gigante que vai destruir a sociedade branca e roubar suas mulheres”.

“É um negócio enraizado na nossa cultura”, diz Baco. “A galera fala sobre sexualização como se fosse um desejo completo, mas não é. Durante anos, as pessoas brancas, galãs e divas, foram retratados como pessoas cheias de personalidade, enquanto negros, homens e mulheres, são resumidos ao corpo. Não é um desejo completo.”

Ele próprio um símbolo sexual da geração atual, Baco fez o novo projeto como uma defesa contra essa hipersexualização baseada apenas nos corpos. A capa do EP traz uma mulher branca deitada de costas, submissa, com a palavra “fetiche” e o rosto do rapper tatuados.

“Com toda a humildade do mundo, me tornei um cara bem-sucedido na minha área, sou de boa, não trato ninguém mal, não sou o maior crânio do mundo, mas também não sou burro”, diz. “Quero ser visto por todas as minhas qualidades. Quero estar nesse campo do desejo, mas ser desejado por completo.”

Essa defesa não surge de forma explícita. Em “Fetiche”, Baco continua cantando sobre sexo, paixões, relacionamentos e desejo, mas expande os horizontes de sua caneta. Em suas palavras, para provar que, “mesmo dentro desse assunto, eu consigo ser muito mais que o assunto”.

“Seria muito mais fácil fazer uma faixa chamada King Kong dizendo tudo que eu estava te falando, mas seria exatamente o que as pessoas esperam”, ele diz.

Musicalmente, “Fetiche” está mais próximo do R&B do que do rap de seus primeiros álbuns, guiado por linhas de baixos viajadas e melodias atmosféricas. Ainda assim, é construído com uma abordagem da cultura hip-hop, com samples de música brasileira -caso de “Sodade Meu Bem, Sodade”, na gravação de Nana Caymmi na faixa “Sodade”– e um cardápio variado de ritmos.

A poesia sobre sexo e romance, ele diz, é parte de sua escrita. Algo que já se anunciava em “Te Amo Disgraça”, faixa de “Esú”, seu primeiro álbum, de 2017, quando Baco era apenas um rapper de Salvador em ascensão, em busca de reconhecimento nacional, e cuspia rimas contundentes e raivosas de maneira mais frequente do que agora.

É um lugar limitante do qual ele precisou sair. “Tem uma galera que ainda tem esse fetiche meio doentio por pessoas negras revoltadas, irritadas e violentas. Se você é negro e só consegue se sentir representado por alguém nesse lugar, você precisa de terapia. Se for uma pessoa branca, pior ainda. Não tem nada pior do que um branco dizer ‘tenho saudades daquele Baco violento, que gritava pra caralho’.”

Isso não significa que o rapper não tenha seus momentos de ódio e raiva em sua arte. Ele adianta que seu próximo projeto, um álbum completo, terá um retorno desse “Baco violento” em algumas partes, e o tom será ainda mais mais pessoal. Quanto a “Bacanal”, disco que ele gravou há cinco anos e que acabou engavetado, os fãs terão de esperar um pouco mais para ouvir.

FETICHE

Onde Nas plataformas digitais

Autoria Baco Exu do Blues

Produção Dactes, Marcelo, JZL, Marcos

Gravadora Sony/999

LUCAS BRÊDA / Folhapress

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