Banco do Brasil compra créditos de carbono de empreendimento suspeito de grilagem e fraude

MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – O Banco do Brasil comprou 23,3 mil créditos de carbono, por meio de um contrato de R$ 1,2 milhão, de um empreendimento suspeito de grilagem e fraudes no Amapá e no Pará.

A compra foi feita em maio de 2023 e serviu para compensações de emissões de CO2 da instituição pública, relacionadas, por exemplo, a geração de lixo e combustão por carros.

Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão de um desmatamento que foi evitado. Esses créditos são gerados por empreendimentos e vendidos a empresas que precisam compensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa.

O Banco do Brasil pagou, como consta no contrato, R$ 51,30 por cada um dos 23.391 créditos de carbono gerados pelo projeto Jari Amapá, desenvolvido na Amazônia oriental. O projeto tem como proponentes a Jari Celulose e a Biofílica Ambipar, uma empresa especializada no mercado voluntário de créditos de carbono.

A Jari e a Ambipar também são parceiras em um empreendimento vizinho, o Jari Pará, que fornece créditos a diferentes clientes.

Em nota, o Banco do Brasil afirmou que os dois projetos não se confundem e que os créditos -gerados no Amapá- estão registrados e válidos na plataforma Verra, com todas as exigências de compliance e verificações, além de atenderem os “requisitos do edital de licitação” do banco.

A Jari Celulose disse que detém o título de propriedade do imóvel em questão no Amapá, “visto que é o proprietário da área antes mesmo da criação do território federal do Amapá (1943) e do estado do Amapá (1988)”. A Biofílica Ambipar afirmou que é uma prestadora de serviços do grupo Jari e que faz avaliação das propriedades antes e durante os projetos, seguindo requisitos legais.

O MP (Ministério Público) do Pará e o MP do Amapá investigam suspeitas de grilagem e fraudes nos registros de imóvel atribuído à Jari Celulose e atrelado à geração de créditos de carbono.

No Amapá, onde está o projeto que originou os créditos usados pelo Banco do Brasil, uma ação da PGE (Procuradoria-Geral do Estado) reivindicou, em 2021, a anulação de matrícula de um imóvel rural de 201,3 mil hectares, na região de Laranjal do Jari (AP), divisa com o Pará, colocado em nome da Jari Celulose.

Há uma “absoluta nulidade” e “violação de diversas normas legais”, conforme a ação, com alteração de marcos geográficos de um “pseudotítulo” emitido pelo estado do Pará. Ao excluir uma área sobreposta e fazer nova averbação em cartório, numa tentativa de assegurar a propriedade da área, houve “total má-fé da empresa”, cita a ação.

A terra é pública e o proprietário é o estado do Amapá, afirmou a petição endereçada à Corregedoria-Geral do TJ (Tribunal de Justiça) do Amapá.

Além disso, o caso é investigado pelo MP do estado. Um inquérito civil investiga “danos ambientais decorrentes da exploração do imóvel denominado Santo Antônio da Cachoeira, irregularmente registrado pela Jari Celulose”, informou o MP à Folha de S.Paulo.

A suspeita investigada é que, no momento de averbação do imóvel, a empresa suprimiu uma área que foi desmatada, para evitar fiscalização e sanções.

Segundo o MP, o imóvel investigado foi registrado sob a matrícula nº 1887, no livro 2 do cartório de registro de imóveis de Laranjal do Jari.

Os documentos do projeto Jari Amapá, de geração de créditos de carbono, apontam imóvel com o mesmo nome -Santo Antônio da Cachoeira- e mesma matrícula -1887- como um dos geradores dos créditos. Esses documentos são públicos e estão disponíveis no site da Verra, empresa internacional responsável pela certificação do projeto.

Em outra investigação, feita pela Promotoria de Justiça Agrária de Santarém (PA), também é citado um imóvel chamado Santo Antônio da Cachoeira, que passou por desmembramentos e que é atribuído como propriedade do grupo Jari. Em 2021, o MP do Pará moveu ação civil pública na Justiça pedindo anulação dos títulos e cancelamento dos registros do imóvel.

Segundo o MP, houve grilagem de terras públicas, irregularidades nas cadeias de domínio do imóvel ao longo das décadas e fraudes em registros mais recentes do terreno, registrado em cartórios de Almerim (PA) e Monte Alegre (PA).

“Verifica-se que há sistemáticas evidências de fraudes praticadas ao longo dos anos, com notórios prejuízos ao patrimônio público”, cita a ação. A Promotoria apontou a existência de duas matrículas sobre um mesmo imóvel. “A Jari praticou fraudes ao sistema registral para se beneficiar de abertura de matrículas em cartórios diferentes.”

As terras são públicas, afirmou o MP, que pediu que o grupo Jari pague indenização por dano moral coletivo causado aos paraenses em razão de “fraudes perpetradas relativas aos registros públicos, tendo em vista os graves prejuízos econômicos, sociais e ambientais que tal prática ocasiona”.

O TJ do Pará chegou a bloquear os registros do imóvel, mas revogou a decisão em seguida. O processo está suspenso desde novembro de 2023.

A Verra suspendeu o projeto Jari Pará. Segundo a Jari Celulose, isso não se deu por irregularidades, mas para apresentação de “explicações” sobre o “andamento dos temas jurídicos” em áreas da empresa. A Verra não respondeu aos questionamentos da reportagem.

“O BB não possui créditos do projeto Jari Pará”, afirmou o banco. “A fazenda Santo Antônio da Cachoeira – Amapá não se confunde com a propriedade homônima localizada no Pará”, disse. A instituição pública disse ter definido a compensação de 100% de suas emissões diretas de CO2.

A Jari Celulose, por sua vez, afirmou que a Justiça do Pará e o estado do Pará não reconhecem a área apontada na ação como pública. No caso da porção no Amapá, o grupo disse ter “título de reconhecimento de domínio outorgado pelo próprio estado do Amapá, desde o início dos anos 2000”.

Empresa do grupo Jari foi investigada ainda por suposta participação em esquema de madeira ilegal. Em 2019, o FSC, empresa que atua com certificação no mercado de madeira, excluiu a Jari do grupo de empresas certificadas.

O FSC divulgou que a exclusão da certificação ocorreu porque, após investigação interna, concluiu-se que a Jari teve participação em extração ilegal de madeira e não reconheceu a existência de comunidades tradicionais na área de manejo.

“A FSC tomou a decisão de excluir o grupo Jari do grupo de empresas certificadas enquanto a investigação da Polícia Federal e Ministério Público Federal não fosse concluída”, afirmou a empresa. “Com a conclusão do relatório de investigação da PF, ficou comprovado que a empresa não esteve envolvida nem cometeu crime algum.”

Comunidades tradicionais em áreas do projeto de crédito de carbono recebem repartição de benefícios por meio de investimentos em infraestrutura, como torres de eletricidade, telefone e internet, afirmou a Jari Celulose, que diz não divulgar quem são os clientes de cada projeto em razão de cláusulas de confidencialidade.

VINICIUS SASSINE / Folhapress

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