Redação
Bancos brasileiros lançaram uma ofensiva para tentar barrar o avanço de uma proposta que limita os juros no rotativo do cartão de crédito, modalidade mais cara de empréstimo no país e alvo de reiteradas críticas do governo Lula (PT). A medida está em um projeto de lei que vai receber o conteúdo do Desenrola, promessa da campanha petista e um dos principais programas do governo na área econômica.
Apesar da pressão de entidades como a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) contra a limitação, o relator do projeto, deputado Alencar Santana (PT-SP), afirma à reportagem que o dispositivo estará em seu texto. A proposta deve começar a ser debatida na Câmara dos Deputados em agosto.
A taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas físicas no rotativo do cartão de crédito em maio ficou em 455,1% ao ano, o maior patamar em mais de seis anos de acordo com dados do Banco Central.
O rotativo é acionado quando o cliente não paga o valor integral da fatura na data de vencimento. Em maio, a inadimplência de pessoas físicas no rotativo atingiu 54%, o maior patamar da série história do BC iniciada em março de 2011.
Os dados do BC mostram que, apesar do patamar dos juros e da alta inadimplência, a concessão de crédito nesse tipo de modalidade continua próximo às máximas históricas com quase R$ 30 bilhões ao mês.
“Esse é um tema que merece uma resposta do parlamento. Não dá para continuar com esse abuso, esses juros exorbitantes”, diz Santana. “Fazer o Desenrola Brasil, garantindo dinheiro do governo para as famílias limparem os seus nomes, pagarem as suas dívidas e continuar com juros de cartão de crédito dessa maneira é tapar o sol com a peneira”, completa.
Vice-líder do governo, o parlamentar é relator de um projeto de lei de autoria do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), líder da legenda na Câmara e aliado de primeira hora do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
O projeto de Elmar foi protocolado em outubro de 2022, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais e com teor parecido ao Desenrola Brasil, uma das bandeiras do petista na corrida eleitoral. O projeto institui o Programa Nacional de Renegociação das Dívidas das Famílias (ReFamília), destinado a famílias com renda de até R$ 5.000, com previsão de crédito de até R$ 20 mil por família.
O texto de Elmar determina também que o CMN (Conselho Monetário Nacional) irá estabelecer limite para a cobrança desses juros pelos cartões de crédito.
“As taxas de juros remuneratórios cobradas na modalidade mencionada no caput não poderão ser superiores a limites já estipulados para modalidades de crédito com perfil de risco semelhante, a exemplo do que já ocorre com as taxas cobradas sobre o valor utilizado do cheque especial”, diz um dos pontos da matéria.
O relator garantiu que esse ponto será mantido no texto, mas ainda não tem uma definição de como isso será tratado do ponto de vista técnico.
São estudadas opções como a estipulação de um percentual máximo cobrado pelas instituições financeiras ou a determinação de um prazo para que o governo federal tome medidas concretas e estabeleça critérios que limitem os juros.
Nas últimas semanas, Santana se reuniu com representantes da Febraban e da Abracs, além de membros do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de São Paulo para tratar do tema.
A Febraban afirma que tem como prioridade a redução do custo de crédito no país e que é necessário “compreender e atacar” as causas dos juros altos, “sem adoção de medidas artificiais que não levam em consideração a estrutura de custos do setor e as especificidades de cada produto e afrontam a racionalidade econômica”.
Em nota, afirma que ao lado de outras entidades do setor discute com o Ministério da Fazenda para construir uma solução. Além disso, diz ter otimismo para se alcançar uma convergência “que, ao mesmo tempo, beneficie os consumidores e garanta a viabilidade do produto”.
Vice-presidente executivo da Abecs, Ricardo de Barros Vieira diz que a entidade é contra um eventual tabelamento dos juros e que essa medida poderá desequilibrar o sistema.
“O tabelamento pode gerar diversas consequências que não são favoráveis. Como reduzir a oferta de crédito para as pessoas e reduzir o volume de vendas. Uma vez que você tem menos oferta de crédito para os portadores, eles podem comprar menos. Pode ter impacto no comércio e no crescimento do PIB [Produto Interno Bruto]”, afirma.
Ele diz que assim como a Febraban e outras entidades, a Abecs tem dialogado e alertado a Fazenda, o BC e o Congresso Nacional sobre os riscos dessa medida.
“Estamos, por dever de ofício, explicando a dinâmica do nosso mercado. Não é ameaça. Estamos explicando como ele funciona e quais são os eventuais riscos e quais são as alternativas que a gente entende melhores seja para indústria, seja para o país”, diz Vieira.
“Se isso é articular, eu estou articulando. Esperamos que consigamos sensibilizar as autoridades para encontrar mecanismos que permitam a gente trabalhar por uma taxa menor, mantendo todo o sistema em equilíbrio”, continua.
Procurado, o Ministério da Fazenda não se pronunciou. Nos bastidores, a pasta tem afirmado que estuda muito o tema mas que chegar a uma solução não é uma tarefa fácil.
A proposta será fundida com o texto do Desenrola enquanto o patamar do juro do rotativo vem sendo debatido também pelo governo. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) chegou a dar declarações sobre a necessidade de dar celeridade ao tratamento da questão, afirmando ser uma preocupação do presidente Lula.
Em abril, foi anunciado que o governo e o setor financeiro iriam formar um grupo de trabalho com o BC para aprofundar esse debate.
“Pedi celeridade, porque é uma preocupação do presidente Lula, e eles pediram para envolver o Banco Central em virtude da regulação do produto, que passa também pelo Banco Central. E nós vamos fazer isso”, disse o ministro após ter se reunido com as entidades em 17 de abril.
Naquele mesmo dia, Haddad disse à imprensa que a origem de parte da inadimplência dos cadastros de maus pagadores era o cartão de crédito. “Não só, mas é também por cartão de crédito. E as pessoas não conseguem sair do rotativo. Nós precisamos encontrar um caminho, um caminho negociado, como nós fizemos com a redução do consignado dos aposentados.”
O próprio presidente Lula já fez críticas sobre essa cobrança. Ainda na pré-campanha eleitoral, no ano passado, o petista chegou a dizer que essas cobranças eram um “roubo”.
“Se tem uma coisa que é gasto é […] a taxa de juros que a gente paga neste país para sobreviver, sobretudo as pessoas que devem no cartão de crédito. Isso é gasto. Na verdade, não é gasto. É roubo. Uma pessoa que paga 100%, 200%, 300% de juros no cartão de crédito Na verdade não é taxa de juros. É taxa de expropriação do salário das pessoas, sobretudo da classe média baixa que usa muito o cartão de crédito”, afirmou Lula em maio de 2022.
VICTORIA AZEVEDO