Quando a filha da Livia Aragão, 44, recebeu a Barbie que marcou a infância da mãe, ela a abraçou e disse que cuidaria e guardaria para sempre a boneca. A mãe se emocionou. “É como se eu estivesse revivendo a minha infância quando vejo ela brincando.”
A estreia do filme “Barbie”, estrelado por Margot Robbie e Ryan Gosling, tem inspirado uma certa nostalgia entre os amantes da boneca e uma reflexão sobre o brinquedo que se tornou símbolo de padronização dos corpos.
Lívia, por exemplo, afirma que brinca junto com a filha, mas costuma filtrar o discurso que está por trás da Barbie. “Educo para que a minha filha não ache bacana o lado fútil dela”, diz. A mãe recorda que a questão do corpo da boneca não era uma questão debatida em sua época.
A menina ganhou a boneca aos cinco anos, porque a mãe não queria que a garota machucasse a Barbie de franjinha se ganhasse o brinquedo muito nova. Lívia guardou a relíquia sem saber se algum dia teria uma filha e muito menos se a pequena iria gostar de brincar com ela que virou a preferida da criança.
Para Leandro Capelo Filho, 33, que herdou o Hospital das Bonecas do pai, a Barbie nunca saiu de moda entre a garotada. No mês da estreia do filme, ele diz que a demanda de conserto da Barbie dobrou, tanto entre crianças quanto colecionadores.
Quando chegam, as crianças são recebidas por atendentes chamadas de enfermeiras e passam por uma triagem.
Entre as demandas, o “hospital” que tem duas unidades em São Paulo recebe bonecas com problemas nos braços e pernas ou aquelas que estão com a pintura gasta e precisam de uma repaginada. Tem ainda aquelas que precisam de um trato no cabelo que, por algum motivo, ficou desgastado.
Lá, ele nota que as crianças acabam levando os brinquedos com os quais desenvolveram algum laço afetivo.
Entre os casos que marcaram, ele lembra que já teve criança cuja boneca havia sido o último presente que a mãe deu antes de morrer e outra que precisava que o reparo fosse feito o mais rápido possível porque não conseguia dormir longe da Barbie. “Não se perdeu o carinho com a boneca”, diz Leandro.
Além disso, também não foi perdida vontade de brincar com o brinquedo. Nos últimos anos, a boneca passou por mudanças, e a versão que antes era quase que limitada à versão loira, branca, magra e de olhos azuis ganhou versões que abraçam a diversidade, como bonecas em cadeiras de rodas, próteses, aparelho auditivo e síndrome de Down.
A mudança nas versões da boneca sexagenária também refletiu nos lucros da empresa. A Mattel, que chegou a enfrentar queda nas vendas, voltou a crescer.
Para a pedagoga e doutora em Ciências da Comunicação pela USP Maria Ângela Barbato Carneiro, a constante presença da Barbie na televisão e na mídia também deve resultar em uma maior venda da boneca. “Existe um apelo por ter [o brinquedo], mas, muitas vezes, não por vivenciar a brincadeira. É uma questão de status”, analisa.
Em relação ao reflexo que a boneca produz no desenvolvimento de crianças, Carneiro afirma que é comum que crianças desejem modelos similares a elas. “Já vi criança negra com boneca branca, que tinham mexido no cabelo de forma que lembrasse o cabelo negro”, diz ela. Outra menina, conta, preferiu não brincar com nenhuma boneca porque as disponíveis só tinham cabelo liso, diferente do dela.
Carneiro alerta ainda para o risco de tomar o corpo da boneca como padrão. “Pais precisam ficar atentos com isso. Hoje, há um contexto globalizado. No Japão, a Barbie é do mesmo tipo que na Alemanha ou no Brasil, sendo que as características desses povos são diferentes”, diz.
ISABELLA MENON / Folhapress