BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Na véspera da votação, o BC (Banco Central) disparou às lideranças da Câmara nota técnica pedindo aos deputados federais que rejeitem o trecho do projeto de desoneração da folha de pagamentos que prevê a incorporação de valores esquecidos em contas bancárias pelos brasileiros para reforçar o caixa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A medida foi incluída na votação no Senado do projeto, que prorroga a desoneração da folha de pagamento para empresas de 17 setores e municípios de até 156 mil habitantes. O SVR (Sistema de Valores a Receber), do BC, indica a existência de R$ 8,5 bilhões esquecidos por pessoas físicas e empresas.
A votação foi adiada para esta quarta-feira (11), prazo final dado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para a aprovação do projeto que sela o acordo fechado pelo Executivo e o Senado em torno das medidas de compensação da perda de arrecadação com a renúncia fiscal da desoneração neste ano e reoneração gradual a partir de 2025. Sem as medidas de compensação aprovadas, a desoneração da folha prevista para este ano deixa de valer.
A inclusão da medida no projeto foi feita, a pedido do governo Lula, pelo relator no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), para aumentar as receitas e garantir o cumprimento da meta fiscal deste ano de déficit zero.
Na nota técnica, a qual a reportagem teve acesso, o BC expõe o seu desconforto ao relatar que, da forma como está escrito o dispositivo, há risco de entendimento de que estaria obrigado a promover o registro dessas receitas como “superávit primário” no cálculo das contas públicas.
Segundo o BC, esse entendimento está em desacordo com sua metodologia estatística, com as orientações do TCU (Tribunal de Contas da União) e o entendimento recente do STF sobre a matéria.
“A leitura técnica preliminar em princípio consistiria imposição legal a obrigar o BCB a registrar superávit primário quando da incorporação dos valores dos depósitos esquecidos à Conta Única em flagrante desacordo com a metodologia estatística. Opinamos pela rejeição integral”, diz a nota técnica da autarquia.
O movimento do BC, comandado por Roberto Campos Neto tratado como inimigo pelo presidente Lula, criou um impasse para a votação, que deveria ter ocorrido na terça (10) devido ao prazo final dado pelo STF.
Uma mudança no texto implicaria o retorno do projeto para uma votação no Senado. A única alteração que não exigiria a volta para os senadores seria uma emenda de redação, que, em tese, não altera o mérito da proposta.
Assessores da Câmara, no entanto, não descartam que os deputados usem um dispositivo “criativo” para fazer a mudança sem que o projeto precise retornar ao Senado.
Além do resgate do dinheiro esquecido em bancos e outras instituições de pagamento, o projeto determina o repasse de valores abandonados em contas judiciais, desde precatórios nunca sacados até recursos dados em garantias. Só a Justiça do Trabalho já identificou pelo menos R$ 3,9 bilhões aptos a serem repassados aos cofres da União, mas o potencial real da medida pode ser maior.
O governo vinha mantendo conversas com o BC sobre o registro nas contas públicas das medidas de resgate de depósitos previstas no projeto de desoneração.
A jornalistas, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) ressaltou que a contabilidade do resultado primário é feita pela autoridade monetária. “Então, nós vamos ter que fazer a compensação na forma estabelecida pelo Banco Central”, afirmou.
“O que entra na conta e o que não entra na conta tem que ser avaliado depois da aprovação [no Congresso] para que a compensação seja feita na forma que o Supremo Tribunal Federal decidiu”, acrescentou.
O texto também agiliza a transferência de depósitos judiciais retidos de forma indevida pela Caixa Econômica Federal. Dos R$ 14,2 bilhões inicialmente mapeados, a instituição repassou R$ 6,8 bilhões ao Tesouro ou seja, ainda restam R$ 7,4 bilhões. Esses recursos, porém, são de ações que envolvem órgãos da União e, por isso, impactam o resultado primário.
A inclusão das iniciativas no projeto da desoneração tem alimentado maior otimismo da equipe econômica para a reta final do ano, pois significa um reforço importante de recursos com os quais não se contava.
Entre economistas, a percepção é que o ingresso dessas verbas vai ajudar o governo, mas não significa melhora na trajetória fiscal, pois são receitas extraordinárias que não se repetirão no futuro. Além disso, há a controvérsia sobre sua contabilização na meta fiscal.
Um dos grupos beneficiados com a desoneração é o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha de S.Paulo. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.
ADRIANA FERNANDES, VICTORIA AZEVEDO E NATHALIA GARCIA / Folhapress