BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – “Desculpa, bebê: vai dar ruim! Aposta não é investimento”. O alerta nas redes sociais até parece feito por um influencer da geração Z, mas veio do Banco Central. Com expressões informais e destilando humor ácido, a autoridade monetária trocou sua típica austeridade por uma linguagem mais acessível e conseguiu furar bolhas com sua versão “BC sincero”.
O vídeo sobre bets -o quarto da série lançada em setembro- trouxe 4.000 novos seguidores para a conta do BC no Instagram. Uma semana depois da publicação, o vídeo já somava 782 mil visualizações, mais de 27 mil curtidas e 14 mil compartilhamentos nessa plataforma. Do total de contas alcançadas, 75% não seguiam a página da instituição.
“A ideia é que o ‘BC Sincero’ seja ácido, não necessariamente jovem, mas jovial, que ele seja absolutamente informal, mas que tenha alguma coisa legal para falar sobre o trabalho do banco”, diz Gustavo Igreja, chefe da divisão de Comunicação e Produção Audiovisual do departamento de Comunicação do BC.
Segundo ele, a “zoeira” é aliada ao propósito de trazer alguma informação, alerta ou orientação sobre temas que fazem parte do dia a dia dos brasileiros. Superendividamento, reclamações contra bancos e saneamento do meio circulante foram os outros assuntos tratados nos primeiros episódios da série.
O “BC Sincero” reflete a linha editorial descontraída que norteia a criação de conteúdo da autoridade monetária para as redes. Como estratégia para alavancar o engajamento das publicações de forma orgânica, a equipe de mídias sociais tenta pegar carona nas principais trends (tendências) da internet.
Foi dessa forma que o BC “lacrou” nas redes no mês passado, ao publicar um meme que mescla a imagem de um golfinho, um unicórnio e as cores do arco-íris. Como trilha sonora, o post traz a música “Symphony”, da cantora sueca Zara Larsson, que voltou ao topo das paradas depois de ter viralizado no TikTok e no Instagram.
A imagem “fofa” acompanhada do hit foi usada por internautas para compartilhar situações peculiares ou frases autodepreciativas. No caso do BC, a mensagem dizia que “apostar não é investir”.
Visto mais de 6,6 milhões de vezes, o post rendeu quase 24.000 novos seguidores ao perfil da autoridade monetária desde que foi publicado. O resultado foi considerado um “golaço” pela equipe por ter furado a bolha dos economistas e atingido um público mais jovem.
Hoje, os seguidores da autarquia no Instagram são, em maioria, homens e se enquadram na faixa etária entre 25 e 34 anos.
Apesar de contar com a validação e o apoio da alta administração do BC, esse modelo de comunicação ainda não é unanimidade entre os servidores e ex-funcionários da instituição.
Igreja recorda que, em 2019, foi um “pandemônio” dentro do BC quando publicou pela primeira vez um post com linguagem mais popular nas redes sociais. Na ocasião, a autoridade monetária surfou no sucesso da série televisiva “Game of Thrones” para transmitir uma mensagem sobre fiscalização de instituições financeiras.
André Costa, chefe adjunto do departamento de Comunicação, ressalta que o BC sempre foi taxado de “caixa-preta”, mas que a resistência vem diminuindo com o passar do tempo a partir de uma mudança da cultura organizacional da instituição ao longo dos anos.
“A gente conseguiu implementar métricas e tem metas de redes sociais. A diretoria entende que é um super instrumento para falar com vários públicos, mas especialmente com a população. […] Eles [diretores] estão hoje com a mente muito mais aberta”, diz.
O processo de convencimento da alta cúpula envolveu um “roadshow” durante a gestão de Ilan Goldfajn, que liderou o BC entre 2016 e 2019, com uma série de reuniões com funcionários de todas as áreas do BC.
Além de explicar o funcionamento das mídias sociais, a equipe de comunicação procurou demonstrar que o BC não conseguiria captar a atenção dos internautas com a narrativa austera usada pela autoridade monetária em seus comunicados.
“A linguagem tinha que ser tecnicamente correta, mas não tecnicista. Simples, mas não simplória. A gente começou a trabalhar nisso naquela época”, diz Igreja.
Segundo ele, a série “BC Sincero” só virou realidade anos mais tarde porque os servidores entenderam a necessidade de não ser preciosista quanto ao rigor técnico na hora de produzir um conteúdo que busca traduzir temas complexos para uma linguagem popular.
“A gente teve que, literalmente, vender aquilo [nova linguagem] para o banco inteiro. […] Uma cultura de Banco Central leva anos para mudar. A gente vem, ano a ano, tentando melhorar, criar coisas novas. Poucas vezes a gente teve algum conteúdo que deu problema”, afirma o chefe da produção audiovisual.
Em junho, uma publicação do BC nas redes sociais, que pegava embalo no sucesso do filme “Divertida Mente 2”, foi interpretada pelos internautas como uma provocação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No post, a autoridade monetária introduziu uma nova emoção: a “vontade de gastar sem poder”. Na legenda, escreveu que “manter as emoções sob controle ao fazer compras é essencial para evitar gastos impulsivos.”
O meme gerou repercussão por ter sido divulgado em um momento de cobrança ao governo por corte de gastos.
Camila Muniz, assessora sênior da divisão de Jornalismo e Mídias Sociais do departamento de Comunicação do BC, diz que a equipe ficou surpresa com a interpretação dada pelos internautas e negou que o intuito fosse dar qualquer indireta.
“A gente lidou com muita tranquilidade. A gente estava muito convicto do conteúdo que tinha feito e da coerência [da mensagem] com a nossa linha editorial”, afirma.
A equipe ressalta que a comunicação da instituição está em constante evolução nas redes sociais, o que passa pela remodelação de alguns produtos quando chegam à exaustão.
Até o fim do ano, o BC busca contabilizar 2,5 milhões de seguidores no conjunto de todas as redes sociais. Faltam menos de 100 mil para a equipe atingir o objetivo. Já a meta de alcance, que era de 350 milhões de pessoas, foi batida em setembro. Para o futuro, o plano é aumentar o monitoramento nas redes.
NATHALIA GARCIA / Folhapress