Bebês começam a ‘aprender’ idioma antes de virem ao mundo

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Quem nasce no Brasil costuma ouvir suas primeiras “aulas de português” ainda na barriga da mãe, começando a se habituar com o ritmo característico da nossa língua nos meses finais de gestação. Essa conclusão não vale, é claro, só para a língua portuguesa, mas para todos os idiomas maternos do mundo, indica um estudo realizado por pesquisadores europeus.

A equipe liderada por Benedetta Mariani, da Universidade de Pádua (norte da Itália), mostrou que uma afinidade mais elevada pelo idioma da família da criança começa a se construir ainda no útero ao fazer uma série de experimentos –obviamente, não invasivos- com bebês recém-nascidos. A atividade cerebral dos pequenos apresenta diferenças significativas quando eles ouvem a língua materna e quando são expostos a idiomas estrangeiros.

Os detalhes da descoberta acabam de sair no periódico especializado Science Advances. Mariani e seus colegas da França e da Holanda estavam interessados em entender um pouco melhor uma das capacidades mais impressionantes da cognição humana: a facilidade com que a maioria das pessoas aprende todos os elementos essenciais de um idioma, por mais complicado que ele seja, nos primeiros anos de vida.

Essa facilidade, às vezes considerada um “instinto da linguagem”, obviamente não se restringe à língua que o futuro bebê ouve durante a gestação (para ser mais exato, a partir de um momento entre a 24ª e a 28ª semana de gravidez, período em que o feto começa a distinguir sons do exterior).

Bebês que são adotados por pais de outros países, por exemplo, aprendem com igual tranquilidade o jeito de falar de sua nova família. E o mesmo costuma valer para filhos de imigrantes, que tendem a se tornar bilíngues sem sotaque com muita rapidez, desde que cheguem ainda pequenos ao novo país.

Estudos anteriores já tinham demonstrado, porém, que recém-nascidos costumam preferir a voz de sua mãe, quando comparada à de outras mulheres, e também vozes que falem o idioma de sua mãe, em vez de idiomas estrangeiros. Por outro lado, o ambiente dentro do útero parece atuar como um filtro que barra certas frequências sonoras (já que há uma barreira líquida entre o feto e o mundo exterior).

Isso significa que, nessa fase, os bebês não conseguem captar os sons exatos de consoantes e vogais, por exemplo, mas sim a chamada prosódia -o “sobe e desce” de entonação na fala, o jeito característico de “cantar” sílabas e frases quando conversamos.

Nos experimentos, Mariani e seus colegas tiveram como “voluntários” recém-nascidos que tinham o francês como língua materna. Participaram do estudo 49 bebês (19 deles do sexo feminino) com entre 1 e 5 dias de vida. No protocolo experimental, os bebês ficavam num espaço silencioso por três minutos; depois, ouviam uma voz calma contando a célebre história infantil “Cachinhos Dourados e os Três Ursos” durante sete minutos; por fim, vinha mais um silêncio de três minutos.

O pulo do gato do esquema experimental é que o conto de fadas era ouvido pelas crianças em três idiomas diferentes (francês, espanhol e inglês, em ordem aleatória). O espanhol foi incluído na lista por sua relativa semelhança estrutural com o francês, enquanto o inglês é a língua mais distante do trio. Enquanto ouviam, os bebês passam por um exame de eletroencefalografia, uma medição da atividade cerebral que é feita por meio de uma touca com eletrodos.

Ao analisar a atividade do cérebro dos recém-nascidos, os pesquisadores identificaram, grosso modo, uma reação muito mais coordenada ao francês do que às duas outras línguas -como se os neurônios dos bebês reagissem dizendo “ah, já ouvi isso antes!” e extraíssem informações do idioma reconhecido com mais eficiência.

Uma possibilidade é que esse tipo de processo aconteça, em alguma medida, em outros tipos de aprendizagem auditiva, como a música, embora isso ainda precise ser investigado com mais detalhes.

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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