SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O escritor americano Ben Lerner estava exausto do mesmo discurso recorrente nos cadernos literários dos Estados Unidos: a cada nova década, alguém anunciava com certo cinismo a morte da poesia.
Para ele, essa conversa não só era infrutífera como também perdia o aspecto mais interessante: o fato de que o suposto “ódio” à poesia revela, na verdade, um desejo frustrado -uma expectativa de que ela nos ofereça algo impossível, fora do alcance da linguagem.
Em entrevista à reportagem, Lerner fala sobre as ideias que estruturam o ensaio que nasceu dessas reflexões, “O Ódio pela Poesia”, lançado no Brasil pela editora Fósforo.
Longe de ser uma provocação gratuita, o título revela uma tensão produtiva. “As pessoas que dizem odiar poesia, na verdade, mantêm com ela uma relação dialética. Elas a recusam, mas ao mesmo tempo esperam dela algo a mais”, diz.
Essa ambiguidade, segundo Lerner, está no coração da poesia moderna: ela promete o que não pode cumprir. John Keats, por exemplo, escreveu um poema em que o tempo é suspenso -algo literalmente impossível. E mesmo um poema considerado ruim, segundo ele, como o desastroso “O Desastre no Tay Bridge”, de William McGonagall, pode servir de ponto de partida para que o leitor formule sua própria ideia do que seria um bom poema.
A poesia, portanto, serviria como campo de teste para nossas demandas mais profundas -estéticas, éticas e até políticas.
“A linguagem serve para testar o quanto da nossa experiência pode ser compartilhada”, afirma Lerner. É justamente por isso que a poesia continua sendo uma forma relevante de expressão, segundo o autor, já que ela lida com aquilo que escapa à lógica do mercado, da produtividade, da clareza utilitária.
Nesse sentido, “O Ódio pela Poesia” também se conecta aos três romances do autor -“Estação Atocha” (Rádio Londres, 2018), “10:04” (Rocco, 2018) e “Topeka School” (Rocco, 2020)- que exploram os limites da arte, da linguagem e da subjetividade em uma cultura saturada de discursos instrumentais.
Se a poesia falha em dar ao leitor o que promete, talvez seja exatamente aí que resida seu valor. Lerner cita Samuel Beckett: “Tente de novo. Fracasse de novo. Fracasse melhor.” Para ele, a poesia é uma forma de falhar, mas de um modo generoso e aberto à imaginação.
Questionado sobre o contexto brasileiro, o autor enxerga possibilidades próprias de fracasso criativo e resistência. Em um país marcado por tantas desigualdades, a poesia pode ser tanto um gesto de recusa ao “status quo” quanto uma forma de projetar o que ainda não existe.
No Brasil, além de “O Ódio pela Poesia” e de seus três romances traduzidos, também é possível ter contato com o trabalho de Lerner nas coletâneas poéticas “Ângulo de Guinada” (e-galáxia, 2015), “Percurso Livre Médio” (Jabuticaba, 2020) e, mais recentemente, “As Luzes” (Círculo de Poemas, 2025).
Ao contrário de um lamento sobre o fim de um gênero literário, “O Ódio pela Poesia” é, segundo o próprio autor, uma defesa apaixonada.
Lerner entende que o valor da poesia está justamente em sua impossibilidade -e, na contramão dos obituaristas da poesia, ele aposta na força de seu fracasso como condição para imaginar outros mundos.
O ÓDIO PELA POESIA
Preço R$ 67,90 (80 págs.), R$ 47,50 (ebook)
Autoria Ben Lerner
Editora Fósforo
Tradução Leonardo Froés
CAROLINA FARIA / Folhapress
