SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A tributação efetiva do lucro das grandes empresas brasileiras de capital aberto é de 18,1%, quase metade da alíquota de 34% prevista na lei. Isso significa que, no papel, o Brasil possui uma das mais elevadas cargas tributárias corporativas do mundo. O imposto pago de fato, no entanto, está abaixo da média global de 23,5%.
O número coloca em xeque um dos principais argumentos utilizados para justificar a isenção de Imposto de Renda na distribuição de lucros e dividendos por essas empresas a seus acionistas: a afirmação de que esse benefício seria compensado por um imposto corporativo mais elevado do que em outros países.
As conclusões fazem parte do estudo “Alíquotas Efetivas e Incidência do Imposto de Renda Corporativo”, elaborado pelo Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e pelo Made/USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo), com apoio da organização social Samambaia.org, mantenedora da República.org.
A diferença entre a alíquota prevista em lei e o percentual efetivamente pago é explicada pela existência de benefícios fiscais e práticas de planejamento tributário que reduzem a carga dessas companhias, além da evasão fiscal e de decisões judiciais que afetam o pagamento de tributos.
Os autores destacam também que a diferença entre carga nominal e imposto recolhido cresceu ao longo do período analisado (2012 a 2022) e que essa diferença é maior em alguns setores do que em outros, criando um grupo de empresas mais privilegiadas.
Um dos objetivos do trabalho é servir de referência para as discussões sobre a reforma do Imposto de Renda, que está sendo elaborada pela secretaria extraordinária do Ministério da Fazenda que trata do tema. A ideia do governo é reduzir a alíquota de 34% dos tributos sobre o lucro corporativo (IRPJ/CSLL) e cobrar o IR na distribuição de lucros e dividendos.
Uma parte dessas mudanças já está em discussão no Congresso: a proposta que reduz o impacto de benefícios estaduais sobre a arrecadação federal, um dos pilares do pacote de medidas para zerar o déficit nas contas do governo no próximo ano.
Para os autores do trabalho, os economistas Manoel Pires (FGV), Pedro Romero Marques (Made/USP) e José Bergamin (Made/USP), seria positiva uma reforma que aproximasse a alíquota nominal da efetiva, permitindo que todas as empresas tenham uma tributação menor, e não somente aquelas beneficiadas pelas distorções do sistema atual.
Outro ponto é a revisão de brechas e benefícios, o que reduziria a complexidade, os custos associados às exceções e a pressão para ampliação de regimes especiais com carga tributária reduzida, como o lucro presumido e o Simples Nacional.
Eles defendem ainda o fim da isenção na distribuição de lucros. Afirmam que o argumento de que as corporações são sobretaxadas no Brasil de modo a compensar a inexistência do imposto sobre dividendos não encontra respaldo nos resultados obtidos.
“Se é verdade que o Brasil consolidou a tributação de lucro e dividendos nas empresas, você deveria esperar uma carga efetiva muito maior em relação aos outros países que separam essa tributação. E a gente encontra exatamente o contrário. Na verdade, a gente não está tributando lucro e dividendos em lugar nenhum”, afirma Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre.
Entre os países da OCDE, por exemplo, a soma das alíquotas do imposto sobre o lucro das empresas e dos dividendos supera 40%, na média.
Pedro Romero Marques, coordenador de Pesquisa do Made/USP, defende uma reforma do IR que inclua uma revisão de gastos tributários e outros tipos de benefícios fiscais, mas que também observe a capacidade de pagamento das empresas e a necessidade de arrecadação do Estado.
“Temos espaço para reduzir a alíquota nominal, aproximá-la daquilo observado em termos efetivos, garantindo que vai continuar arrecadando da mesma forma. E abrindo espaço também para considerar uma tributação na pessoa física de lucros e dividendos. Isso é fundamental, porque, nesse caso, a gente também está falando de redução de desigualdade na renda”, afirma Marques.
DISTORÇÕES SETORIAIS
Os autores afirmam que, quando a tributação de 34% com isenção de dividendos foi instituída, a carga sofrida pelas empresas brasileiras estava próxima da de outros países. Nas últimas décadas, no entanto, houve um movimento de redução de alíquotas em várias economias.
No Brasil, esse ajuste foi feito por meio dessas distorções do sistema. Esse é um processo que ainda está em curso, segundo os dados analisados, que levam em conta metodologia semelhante à utilizada pelo economista Aswath Damodaran, da NYU (Universidade de Nova York).
No caso brasileiro, foram utilizados dados dos balanços das 336 empresas que estiveram registradas na Bolsa de Valores no período de 2012 a 2022, o que inclui indústrias, varejistas e companhias do setor de serviços –excluindo apenas instituições financeiras.
Na comparação internacional, a tributação efetiva das empresas analisadas estaria abaixo do verificado nos EUA (21,2%) e nas amostras para Europa (25,7%) e países emergentes (26,4%) do estudo da NYU, que considera a média de 2016 a 2021.
A tributação média no Brasil está próxima também dos 18% verificados de 2019 a 2021, quando o governo Donald Trump (2017-2020), nos EUA, reduziu a carga sobre as empresas.
Esse benefício, no entanto, não é o mesmo para todos. Setorialmente, a alíquota média das empresas listadas na Bolsa varia de 14,29% a 21,6% de acordo com o setor.
A indústria de máquinas e equipamentos, as concessionárias de transporte e os setores de tecnologia aparecem entre aqueles relativamente menos favorecidos, com uma tributação em torno de 20%.
Entre os mais favorecidos, com tributação próxima de 15%, estão os chamados consumo cíclico e não cíclico, segundo a classificação da B3, que incluem empresas do agronegócio, do varejo, da construção e de alimentos e bebidas.
Um sistema cheio de distorções, segundo o estudo, pode dificultar o desempenho econômico das empresas que não se beneficiam dessas exceções e afastar companhias que poderiam operar no país.
“Arranjos dessa natureza podem resultar em uma série de lobbies que fracionam o sistema tributário para atender grupos específicos de empresas com menor produtividade”, afirmam os autores.
Todas as companhias analisadas são tributadas pelo lucro real, regime aplicado àquelas com faturamento anual superior a R$ 78 milhões. Empresas com resultado inferior a esse patamar estão em outros regimes que têm carga ainda menor, como Simples e lucro presumido, e que são tributadas com base no faturamento.
Foram calculadas seis medidas de carga efetiva (ETR – Efective Tax Rate), a partir de quatro fórmulas, combinando fatores como diferimento e utilizando amostras com todas as empresas ou apenas com aquelas que apresentaram lucro em determinado período -método também utilizado em estudos internacionais.
Um trabalho divulgado na última segunda-feira (23) pelo Observatório de Política Fiscal da União Europeia aponta uma tributação efetiva das empresas brasileiras próxima de 20% de 2012 a 2020, valor próximo do obtido em três desses cálculos realizados pelo estudo.
EDUARDO CUCOLO / Folhapress