Berna Reale leva jaula com marmitas a São Paulo para questionar sistema prisional

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Era o início da manhã de sexta-feira quando a praça da República, no centro de São Paulo, ganhou um novo personagem: uma jaula de metal enfeitada de algemas e com cinco marmitas cheias de plástico bolha dentro. A peça era o cenário para a performance “Domésticos”, da artista paraense Berna Reale, de 58 anos, que reflete sobre o cárcere brasileiro e sua precariedade nessa performance inédita.

Na obra, que faz parte da 12ª Mostra 3M de Arte, Reale puxa a jaula pelo centro trajada de domadora de animais. Segundo a artista, o movimento é uma alusão às pessoas encarceradas desprovidas de direitos. “A maioria das pessoas na prisão são tratadas como animais irracionais, então o título foi para fazer uma relação com isso”, diz ela.

Reale também chegou pouco depois das 8h à praça, vestindo roupas pretas, botas de cano longo, luvas que vão até perto dos ombros e chicote. Quando o sinal abre para os pedestres, com os olhos atentos de transeuntes curiosos, ela inicia o percurso, todo gravado para a produção de um filme.

A escolha de São Paulo se deu porque o estado possui 197 mil pessoas encarceradas, a maior quantidade entre todas as federações, que somam 600 mil, segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais, a Senappen. “Eu sou muito envolvida com essa questão. Trabalhei no presídio durante muitos anos. É um assunto que a sociedade simplesmente joga para debaixo do tapete”, diz a artista.

O objetivo era fazer um percurso de cerca de quatro quilômetros, passando com a jaula por prédios históricos e pontos turísticos, como o Theatro Municipal de São Paulo, até voltar à praça da República. As dificuldades do trajeto, porém, encurtaram o trecho.

“Com o cansaço, o peso vai dobrando. As ruas têm vários buracos, e aí o carro emperrava muito. O sol e o trajeto em si vai aumentando o cansaço. As pessoas também querendo as quentinhas. É triste ver essa realidade, pessoas perguntando se para pegar a quentinha tinham que estar presas”, diz a artista.

Além de artista, Reale foi perita criminal e se aposentou do cargo no último janeiro, após 14 anos. “Quando você trabalhar como perita, vê a violência sem filtro. E não me vejo falando de outra coisa que não seja a questão do coletivo. Tudo que afeta só uma pessoa não me interessa. Me interessa o que afeta o coletivo, o que a sociedade está sofrendo de uma maneira geral”, diz ela.

Durante o trajeto, comerciantes e funcionários de lojas indagavam o que era aquela performance. “A gente pode muito pouco como artista, mas, se você conseguir causar um ruído, se uma dessas pessoas que passaram hoje refletirem que tem gente que vive praticamente em jaulas, que essa política punitiva não vai resolver o problema da violência, eu já estou feliz”, afirma Reale.

ÍTALO LEITE / Folhapress

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