Bicicleta usada por palhaço da cracolândia segue em depósito um ano após apreensão

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As quintas-feiras na cracolândia, no centro de São Paulo são marcadas por um show de talentos com a presença de palhaços, jurados e psicólogos, um alívio na rotina dolorosa dos dependentes químicos. Um ano atrás, no entanto, a festa com propósito de redução de danos sofreu um golpe: a apreensão de uma bicicleta equipada com caixa de som.

O objeto, apreendido durante uma ação da Polícia Civil no dia 1° de setembro de 2022, nunca foi devolvido. A justificativa dada para o confisco foi perturbação do trabalho ou sossego alheio.

Junto a um microfone, a caixa de som servia, àquela altura, para dar voz a quem dificilmente consegue a expor. Entretanto, a realização do evento na rua Helvétia, antigo reduto do fluxo de usuários de drogas, incomodou moradores, que passaram a denunciar a cantoria para os órgãos públicos.

“A bicicleta era o nosso instrumento para realizar a atividade. Sem a bicicleta não tinha como acontecer. Foi uma estratégia de tentar silenciar a nossa voz e o nosso trabalho por parte da Operação Caronte”, diz o psiquiatra e palhaço Flavio Falcone, um dos idealizadores do projeto Teto, Trampo e Tratamento, que atua na cracolândia.

“Essa atividade é um tipo de show de talentos, em que os jurados são eles mesmos. Eles ganham um cachê de R$ 10 para fazer essa função. Isso é uma estratégia de redução de danos, inclusive, porque nessas duas horas e meia de atividade eles não consomem crack. A gente também oferece água, outra medida de redução de danos”, disse o médico.

Falcone afirmou ter tentado de todas as maneiras o resgate do veículo, que pertence à Cia. Mungunzá de Teatro, mas sem sucesso.

“A bicicleta é a condição primordial para o trabalho acontecer. Na semana seguinte, a gente teve que comprar uma nova caixa e construir um novo equipamento, agora em um carrinho de supermercado”, diz. Segundo Falcone, ao todo foram gastos cerca de R$ 3.000 no novo aparelho.

Enquanto isso, o processo anda a passos lentos, e foi cogitada até a possibilidade de destruir o veículo. Em março, a promotora Fernanda Riviera Czimmermann se manifestou contra a medida, tendo em vista a possibilidade de que seja restituída aos proprietários legítimos.

A Justiça tem cobrado a Polícia Civil sobre a conclusão das diligências, uma vez que o prazo expirou.

Em nota, a Polícia Civil afirma que o inquérito da investigação de perturbação do trabalho ou do sossego alheio e recusa à autoridade foi relatado à Justiça em fevereiro, sendo reclassificado pelo Ministério Público como crime ambiental. Novas diligências foram solicitadas e estão em andamento.

O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), por sua vez, disse que nesta fase do inquérito policial os autos tramitam sob sigilo.

A Operação Caronte foi realizada até a dezembro do ano passado, antes da troca de governo. A ação foi marcada pela dispersão dos usuários de drogas da praça Princesa Isabel e mais de uma centena de traficantes presos, além da apreensão de cachimbos e do fichamento de dependentes químicos por uso de drogas em via pública.

APREENSÃO EM 2022

Na manhã daquela quinta-feira a Polícia Civil anunciou que prenderia uma liderança do tráfico de drogas no fluxo da rua Helvétia, o que levou a reportagem da Folha de S.Paulo até o local.

Os policiais chegaram ao local por volta das 14h30. Diferentemente de ações anteriores até então, um grande tumulto aconteceu, com disparo de bombas e balas de borracha.

Após a correria, foi possível notar que uma pessoa havia sido baleada —a psicóloga Ludmila Frateschi, 43, uma das integrantes das atividades coordenadas por Flavio Falcone, atingida no braço.

Em nota, a Polícia Civil afirmou que um exame de corpo de delito foi realizado e classificou que Frateschi havia sofrido lesão de natureza leve. Ela decidiu não entrar com representação criminal.

Falcone, Frateschi, uma palhaça, um fotógrafo e outros integrantes do evento foram encaminhados para a delegacia, onde permaneceram por cerca de quatro horas. O inquérito que os investiga está atrelado ao da bicicleta apreendida, ainda sem uma definição.

A história do veículo com caixa de som teve início em 2021, quando foi adquirido pela companhia de teatro ao custo de aproximadamente R$ 30 mil, valor financiado via Fundo Internacional de Ajuda para Organizações de Cultura e Educação, do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, do Goethe-Institut e de outros parceiros, explicou o artista Marcos Felipe, da Mungunzá.

A intenção era ter uma ferramenta de comunicação mais direta com a população do território da Luz e da Santa Ifigênia, além de divulgar ações socioculturais do Teatro de Contêiner, localizado na rua dos Gusmões.

“A ausência da bicicleta tem afetado significativamente nossas ações socioculturais no centro de São Paulo. Ela era utilizada, por exemplo, para organizar a fila nas entregas de refeições ou para pequenos eventos artísticos, tipos slams”, acrescentou Felipe.

PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress

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