Biden diz a líderes na ONU que há coisas mais importantes do que o poder

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Em seu discurso de despedida à Assembleia-Geral da ONU, o presidente Joe Biden disse que colocou a defesa da democracia no centro de seu mandato, fez uma defesa de seu legado internacional e afirmou, sob aplausos, que há coisas mais importantes do que permanecer no poder.

Em uma abordagem inusual, o americano tratou no discurso da sua decisão de sair da disputa pela Casa Branca. “Eu queria fazer muito mais, mas por mais que eu ame meu trabalho, amo mais o meu país”, disse.

“Líderes, vamos esquecer que algumas coisas são mais importantes do que permanecer no poder. O mais importante é o seu povo. Nunca se esqueça que nós estamos aqui para o povo. Não o contrário”.

Diante da escalada da tensão no Oriente Médio, com os ataques de Israel ao Líbano, o americano disse que uma guerra ampla na região não é do interesse de ninguém e fez um apelo por uma solução diplomática. “Estamos trabalhando duramente para alcançar isso”, disse.

Ele ainda condenou os ataques de 7 de outubro pelo Hamas, mas ao mesmo tempo apontou que “civis inocentes em Gaza também estão vivendo um inferno”. Biden cobrou que as partes fechem um acordo de cessar-fogo para acabar com a guerra. “Esta é a hora”, disse.

Já no trecho final do discurso, que durou 24 minutos (quase 10 a mais do que o permitido), Biden citou a crise política na Venezuela. “O mundo sabe a verdade”, afirmou sobre a eleição contestada em que o regime de Nicolás Maduro disse ter saído vencedor. Para a Casa Branca, a oposição venceu.

O tom da fala foi de balanço —não apenas de seu mandato como presidente, mas desde seu início de sua carreira política. Biden relembrou, por exemplo, sua oposição ao apartheid na África do Sul quando era senador e a queda do muro de Berlim. O americano de 81 anos até brincou com a idade, dizendo que sabe que, apesar de ter vivido tudo isso, aparenta “ter só 40 anos”.

O americano discursou na manhã desta terça-feira (24), logo após o presidente Lula. Embora não seja mais o candidato democrata à Casa Branca, substituído na chapa por sua vice, Kamala Harris, a disputa contra Donald Trump esteve nas entrelinhas.

Em uma indireta ao adversário, Biden defendeu que cooperação global é o melhor caminho, em vez de uma postura isolacionista. “Nossa tarefa é garantir que as forças que nos unem são mais fortes do que as que nos dividem”, disse o democrata.

“Toda geração enfrenta seus desafios. Vi isso quando era um homem jovem, e vejo hoje. Mas somos mais fortes do que pensamos, somos mais fortes juntos do que sozinhos”, disse de modo enfático, citando em seguida o sul-africano Nelson Mandela: “tudo parece impossível até ser feito”.

A instabilidade global nos últimos anos vem sendo um dos alvos de ataque de Trump. O republicano atribui os conflitos ao que vê como uma fraqueza de Biden, exemplificadas pela suspensão de sanções ao Irã e à Venezuela e pela saída desastrosa das tropas americanas do Afeganistão.

Em campanha, o empresário diz com frequência que resolvia problemas com outros países durante seu governo simplesmente ameaçando suspender o repasse de recursos americanos. Seu retorno à Casa Branca é visto com temor por aliados dos EUA, principalmente entre europeus, que contam com Washington para fazer frente à Rússia.

Biden reconheceu nesta terça os problemas da saída do Afeganistão, mas, ainda assim, defendeu sua decisão. “Quatro presidentes antes de mim tentaram. Eu não seria o quinto”, disse.

O americano contou a história de seu mandato como uma espécie de “os Estados Unidos voltaram” após os turbulentos anos Trump, apontando o que vê como resultados concretos de sua liderança: a união do mundo em defesa da Ucrânia após a invasão pela Rússia, a negociação de um acordo de cessar-fogo para Gaza e a gestão da competição entre Washington e Pequim.

Biden relembrou que trouxe de volta os EUA para o Acordo de Paris, do qual Trump havia se retirado, e sua atuação no âmbito da OMS (Organização Mundial da Saúde) no combate à pandemia e, agora, à mpox.

A mensagem foi de que esses desafios persistem, se somam a problemas como a crise climática e as implicações de novas novas tecnologias como a inteligência artificial, e só podem ser resolvidos por meio de cooperação. “Estamos em um ponto de inflexão da história. As decisões que tomamos hoje vão repercutir por décadas”, alertou.

O americano fez um alerta sobre o impacto sem precedentes da IA, para o bem e para o mal. Ele elencou alguns esforços de regulação dentro e fora dos EUA. “Mas vamos ser honestos, esta é a ponta do iceberg do que precisamos fazer diante dessa nova tecnologia”, disse.

Como fez no ano passado, Biden repetiu seu apoio a uma reforma de organismos multilaterais, como a própria ONU, e citou especificamente seu apoio a uma expansão do Conselho de Segurança.

Após o discurso, o presidente americano vai se reunir com o secretário-geral da organização, António Guterres. À tarde, ele promove um encontro da coalizão global sobre ameaças oferecidas por drogas sintéticas, uma iniciativa lançada em junho do ano passado que reúne hoje 158 países e 15 entidades internacionais.

No mesmo dia, o democrata participa de um evento em que fará um discurso sobre crise climática. Na quarta, ele tem um encontro bilateral com o presidente do Vietnã, To Lam, e participa de uma reunião sobre a reconstrução da Ucrânia. À noite, ele participa de uma recepção para líderes estrangeiros no Met, o Museu Metropolitano de Arte de Nova York.

FERNANDA PERRIN / Folhapress

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