Big techs têm retrocesso em ferramentas para monitorar redes na eleição

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O cenário para pesquisa das narrativas que circulam nas redes sociais para as eleições brasileiras de 2024, a partir de ferramentas disponibilizadas pelas próprias plataformas, tem retrocessos e ausência de avanço em comparação ao último pleito.

De um lado, mudanças na Meta (dona do Facebook e Instagram) tornaram o acesso mais restrito —o mesmo havia ocorrido no X (antigo Twitter), de Elon Musk , agora bloqueado no Brasil após decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes. De outro, plataformas que vêm ganhando espaço nos últimos anos, como TikTok e Kwai, seguem sem oferecer ferramentas para monitoramento ou coleta de seus dados.

YouTube e Telegram, por sua vez, são apontados como os dois casos sem piora ou melhora de relevo neste quesito.

Este cenário geral, que impacta estudos sobre desinformação e conteúdos danosos na redes, envolve tanto ferramentas de uso mais especializado como as interfaces que permitem coleta de dados em massa por quem usa programação (APIs) quanto plataformas de monitoramento acessíveis a um público mais amplo.

Apesar de parte desses movimentos ser global, em alguns casos há diferenciação entre países.

Uma das mudanças principais se deu no mês passado, quando a ferramenta da Meta chamada CrowdTangle deixou de estar acessível. Por ela, era possível identificar conteúdos virais no Facebook e Instagram, além de monitorar páginas específicas como perfis de políticos.

A ferramenta apresentada como substituta, a Biblioteca de Conteúdo da Meta e sua respectiva API, é elegível para um rol mais restrito de atores e que não inclui jornalistas –podem solicitar acesso pessoas de instituições acadêmicas ou sem fins lucrativos, além de checadores de fatos independentes parceiros da Meta.

Além disso, há críticas à burocracia envolvida na solicitação, conforme apontam pesquisadores consultados pela reportagem. A autorização é feita por projeto e não por organização ou grupo de pesquisa. Além disso, a documentação tem que ser feita toda em inglês, sendo submetida a um Consórcio Interuniversitário da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.

Procurada pela Folha para comentar tais pontos, a Meta se restringiu a enviar um link com informações sobre suas ferramentas.

Clarice Tavares, coordenadora de pesquisa no InternetLab, ressalta entender que há preocupações sobre privacidade dos usuários e manipulação de dados, mas vê com receio as restrições que vêm sendo feitas.

“Esse anúncio da Meta é uma gota d’água nesse grande cenário de plataformas cada vez mais fechadas. É um problema bem sério para pesquisa.”

Polyana Barboza, que é professora da FGV Comunicação Rio e coordenadora de dados do Dapp Lab, avalia que é preciso discutir regulamentação a respeito do acesso a dados, visto que as mudanças impostas pelas empresas acabam tendo repercussão na análise do debate público digital.

Ela criticava especialmente as mudanças repentinas no X, suspenso desde sexta-feira (30) depois de descumprir ordens judiciais. Nesta segunda-feira (2), a derrubada da plataforma vai ser discutida pela primeira turma do STF em sessão virtual.

Entre a série de alterações empreendidas desde que Musk assumiu o X estava o fim do acesso gratuito à interface de coleta de dados da rede. Na leitura de pesquisadores, os pacotes oferecidos apresentavam condições impraticáveis, com custo alto e limites baixos de conteúdo para baixar.

O X também encerrou o acesso gratuito à sua ferramenta de monitoramento, o TweetDeck.

Já em relação ao TikTok, apenas pesquisadores dos EUA e da Europa têm acesso a uma API para coleta. A empresa não oferece algum tipo de monitor. O Kwai também não possui nem API nem ferramenta para monitoramento.

Questionados pela Folha, o X, o TikTok e o Kwai não responderam.

Sérgio Ludtke, editor-chefe do Projeto Comprova, coalização de checagem da qual a Folha faz parte, vê o cenário para as eleições deste ano como mais desafiador no quesito do monitoramento. Ele destaca que ferramentas das próprias empresas tendem a dar maior confiabilidade sobre o grau de viralização dos conteúdos.

O acesso a dados das redes por pesquisadores era tratado no chamado PL das Fake News, que acabou enterrado na Câmara dos Deputados neste ano, com debate sendo levado, na prática, à estaca zero.

Com o anúncio do fim do CrowdTangle feito com 5 meses de antecedência, em um ano marcado pelo alto número de eleições, a Meta chegou a ser alvo de apelos da academia e sociedade civil internacional para postergar a medida ao menos até 2025.

Viktor Chagas, que é professor de comunicação da Universidade Federal Fluminense, está entre os pesquisadores brasileiros que já têm acesso à nova plataforma da Meta e explica que, além de perder o histórico de dados comparáveis, a transição envolve bastante energia.

“Se você tem, por exemplo, uma cadeia já toda organizada com scripts de programação feitos para pegar esses dados, você tem que adaptar tudo isso”, diz.

Já o pesquisador Marcelo Alves, que é professor do Departamento de Comunicação da PUC do Rio, disse que ainda faria a submissão para acesso e vê de modo negativo que a Meta não tenha criado centros de certificações nacionais e diz que até onde tem conhecimento, poucos pesquisadores no Brasil já têm acesso à nova ferramenta.

Apesar de não oferecer ferramenta que permita pesquisa para quem não sabe programar, o YouTube segue disponibilizando sua interface para programadores. Segundo os entrevistados, a empresa não fez alterações significativas.

“Não houve melhoria assim como não houve uma piora desastrosa como a das outras plataformas”, afirma Guilherme Felitti, sócio da consultoria Novelo Data, mas que adiciona que há pontos que poderiam ser melhorados.

Procurado, o YouTube afirmou que está sempre buscando expandir a colaboração com a comunidade acadêmica, mas sem deixar de garantir proteção contra maus atores. Sobre ferramenta de monitoramento, disse que as APIs são, em geral, “a interface para possibilitar coletas de dados em conformidade com termos e políticas das plataformas” e que tem apoiado diversos projetos de pesquisas que incluem conteúdo no YouTube.

RENATA GALF / Folhapress

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