WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Paulo Rezzutti sofria quando relia seu livro “Domitila: A História Não Contada”. É uma dor comum aos escritores, certo. Mas, no caso de Rezzutti, havia o agravo de que ele tinha encontrado novos documentos desde a publicação original de 2013. Entre os achados, estava um chumaço de pelos -quiçá pubianos- de dom Pedro 1°.
“Eu lia e me dava raiva!”, conta. Não só por causa das novas evidências cavoucadas na Biblioteca Nacional. Rezzutti também tinha amadurecido algumas de suas ideias sobre Domitila, a marquesa de Santos, famosa amante do imperador.
Daí o lançamento, agora, de uma nova edição do livro pela editora LeYa Brasil. O processo de reformular e ampliar o texto -ao ponto de ter sido quase reescrito-foi catártico. “Economizei anos de terapia”, brinca o biógrafo da família imperial.
A primeira versão de “Domitila” já tinha sido celebrada pelo retrato desse fascinante personagem do Primeiro Reinado, feito com base em fontes primárias e redigido em um estilo bastante acessível. Foi finalista do Jabuti.
Mas, nesta edição ampliada, Rezzutti faz uma intervenção historiográfica ainda mais clara sobre a marquesa de Santos. Dá mais peso à trajetória política de uma mulher que foi muito mais do que só uma amante atrelada ao nome de um homem.
Domitila conheceu dom Pedro em 1822 e se mudou para a corte no Rio. Viveram um caso que conhecemos em detalhes graças à sua correspondência -que Rezzutti, aliás, reuniu no livro “Titília e o Demonão”, de 2011. Titília era o apelido dela. Demonão, o dele, que também assinava as tórridas missivas como Fogo Foguinho.
Dom Pedro às vezes desenhava um pênis ejaculando nas cartas. Mandava também fios de cabelo. Circulava há tempos, inclusive, o rumor de que não eram da cabeça e, sim, mais de baixo. Uma das novidades desta edição ampliada é a fotografia que Rezzutti tomou de um desses chumaços de pelos, que encontrou na Biblioteca Nacional.
Não há provas de que sejam pubianos, mas parecem mesmo mais enrolados e grossos do que seriam se tivessem vindo da cabeça de um Bragança.
Por mais saborosa que seja, essa descoberta não é a mais importante do livro. Pelo contrário. “Domitila” acerta em ir além do curto período que a marquesa e o imperador passaram juntos. Domitila viveu quase 70 anos, até 1867, e seu relacionamento durou apenas sete anos. “Quis saber por que as pessoas falavam só de 10% da vida da marquesa de Santos e onde estavam os outros 90%”, diz Rezzutti.
A mesma indagação, diga-se de passagem, fez com que se interessasse por Leopoldina, a primeira mulher de dom Pedro. Se Domitila sempre aparece como amante, Leopoldina está relegada ao papel de mulher traída e sofrida. “Essas histórias foram escritas dentro da mentalidade patriarcal”, diz. “Tanto Domitila quanto Leopoldina foram reduzidas por uma historiografia que foi hostil a elas.”
Os 90% de Domitila aparecem, em especial, quando Rezzutti retrata os anos posteriores ao rompimento com o Demonão -uma das coisas que ele ampliou nesta edição. O livro desmente a ideia de que, de volta a São Paulo, Domitila perdeu relevância. Rezzutti apresenta, por exemplo, documentos que provam que ela até tentava influenciar dom Pedro 2°, filho de seu antigo amante, mesmo longe da corte.
Rezzutti traz, também, novas correspondências. Em algumas das cartas, o leitor encontra uma Domitila já mais madura, escrevendo ao genro para acusá-lo de dilapidar o patrimônio de uma de suas filhas. É onde aparece uma das frases mais marcantes dela: “Estou bem convencida que o senhor é daqueles homens que não olham para suas dívidas e nem para o futuro. Eu sendo mulher lembro-me do futuro”, diz.
A questão do gênero impacta o livro e a história contada por Rezzutti. A marquesa de Santos soube desafiar as convenções de seu tempo e, como ela mesma disse, nunca deixou de pensar no porvir. “Mesmo quando foi expulsa da corte, negociou até o fim, e enfiou o dedo no nariz do imperador do Brasil”, diz Rezzutti.
“Você pode nem gostar dela, pode não concordar com o fato de ter sido uma amante, mas é inegável que era uma pessoa admirável”, afirma. “Ela se construiu jogando o jogo dos homens, sem baixar a cabeça para dom Pedro. Acho isso forte.”
Não é fácil para um historiador do primeiro império reconstruir a voz e a mente de uma mulher. Os arquivos guardam os documentos dos homens e deixam os delas desaparecerem. Mesmo da apaixonada correspondência entre Titília e o Demonão, diga-se de passagem, só sobraram as palavras de d. Pedro, com poucas exceções. Isso porque Domitila guardava as cartas recebidas, e d. Pedro, provavelmente não.
A nova edição traz bastantes detalhes sobre as filhas de Domitila com d. Pedro, explorando seu legado. Há também a história até então desconhecida de uma neta da marquesa que se casou com o descendente de uma escravizada liberta da família -uma história inesperada, diz, no mundo escravocrata que essas pessoas habitavam.
Rezzutti conta que notou, no processo de ampliação do livro, que tinha agora mais empatia com seus personagens. Evitava os julgamentos fáceis, afirma, como o da mulher que ele um dia viu se recusar a entrar no Solar da Marquesa de Santos, em São Paulo, por ter sido a casa de uma amante. “Você pode gostar ou não dela”, repete, “mas Domitila é uma figura central para entender a dinâmica social desse período.”
DOMITILA: A HISTÓRIA NÃO CONTADA
Preço R$ 75 (480 págs.)
Autoria Paulo Rezzutti
Editora LeYa Brasil
DIOGO BERCITO / Folhapress