SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O BNDES criou uma nova linha de crédito focada no reflorestamento de matas nativas e agroflorestais. Ao todo, neste ano, oferece R$ 1 bilhão em recursos próprios e do Fundo Clima para essa modalidade. Não há restrição de bioma. O dinheiro pode ser aplicado na recomposição de áreas na Amazônia Legal ou na chamada mata branca, que compõe a caatinga.
Segundo o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, a instituição identificou forte demanda no segmento.
“Recebemos consultas e pedidos, que vamos atender com o rigor de sempre, mas em condições mais favoráveis, para apoiar essa área tão estratégica para a descarbonização e o enfrentamento da crise climática. Plantar árvores em larga escala é fundamental para sequestrar carbono”, diz Mercadante.
O Florestas Crédito, como foi batizado o novo produto, faz parte de um combo. Também integram o pacote de projetos para reconstituir matas e fomentar captura de carbono os já lançados Arco da Restauração na Amazônia (que busca reconstituir áreas desmatadas); Floresta Viva (feito em parceria com empresas) e Concessão Florestal (que trabalha com a licitação de parques para a exploração sustentável de florestas do Poder público).
“Hoje, a grande discussão climática no mundo é como reduzir emissões. Nós estamos trabalhando também a agenda de captura carbono, que é isso que florestas fazem em alta escala”, explica a diretora Socioambiental do BNDES, Tereza Campello.
“Dentro disso, essa agenda de florestas se tornou estratégica para o BNDES. Faz parte de uma visão de futuro, como foi a agenda de fabricar aeronaves, nos anos de 1970, e a agenda de fomento de energias eólica e solar, anos anos 2000 novidades que precisavam de um indutor para a criação de um ambiente de negócios.”
Segundo Campello, boa parte dos setores de negócio sofre dicotomias. Uns podem gerar empregos, mas são ruins para o clima. Outros são bons para o clima, mas não têm grande efeito econômico. O setor de floresta, ao contrário, é múltiplo tem potencial econômico e climático, com efeitos sobre a biodiversidade e o emprego. Por isso, o BNDES está se posicionando para atuar em toda a cadeia, do restauro, incluindo sementes e viveiros, ao resíduo, passando por serviços e produtos florestais, como móveis.
“Estudamos todo os elos e queremos apresentar soluções a cada segmento, para por de pé a ambição de ver o Brasil entre os principais atores mundiais na área de restauro florestal.”
Conseguir dinheiro para plantar florestas, especialmente voltadas aos negócios com captura de carbono, não é uma empreitada fácil. Afora que o segmento ainda está se estruturando, a maioria das empresas é jovem e pequena, sem histórico.
Mesmo fundos acostumados ao risco, que movimentam grandes cifras, são seletivos na liberação de recursos, explicou à Folha o americano Peter Fernandez, cofundador da Mombak, startup que já é considerada exemplo de sucesso nessa nova seara.
Com três fazendas no estado do Pará, o projeto da empresa já é o maior do mundo. A Mombak levantou cerca de US$ 120 milhões entre os mais sofisticados investidores do mundo, como a AXA, companhia global de seguros sediada na França, e o CPP (Fundo de Pensão do Canadá). Também conseguiu com o Banco Mundial a emissão de um título de US$ 225 milhões e outros R$ 160 milhões dentro do Arco do Reflorestamento do BNDES.
Na outra ponta, já fechou acordo para fornecer créditos de remoção de carbono à gigante de tecnologia Microsoft e a McLaren, escuderia de Fórmula 1.
“Mas foi super difícil”, afirma Fernandez.
“Há três, anos quando a gente criou a empresa e foi a mercado levantar dinheiro para fazer reflorestamento que é o jeito mais barato de fazer remoção de carbono, quase ninguém entendia o que era isso ou tinha visto uma empresa fazendo sucesso nesse ramo, e numa operação com escala. A maioria dos esforços na área eram de ONGs e universidades.”
No que se refere a oferta de crédito, é mais complicado ainda, segundo o empresário
“Quem empresta dinheiro espera que ele seja devolvido. Só no último ano, vieram as oportunidades com o BNDES e o Banco Mundial, e mesmo assim, eles são organismos governamentais, que estão entrando para girar a roda e demonstrar que esse tipo de negócio faz sentido, para que os Itaús e Santanders da vida se sintam confortáveis para também ingressarem nesse negócio.”
Apear do foco financeiro e empresarial. As iniciativas têm um importante caráter ambiental, na avaliação do climatologista Carlos Nobre.
Reconhecido mundialmente por suas contribuições técnicas sobre mudanças climáticas e proteção da amazônia, Nobre acompanha de perto as ações do BNDES. Como membro do conselho de administração do banco, auxiliou, inclusive, na criação de ações como o Arco da Restauração.
Já faz alguns anos, Nobre alerta para a necessidade de o país implementar um programa de restauração e reconstituição de matas. Tem defendido que é necessário estancar o desmatamento e reflorestar cerca de 1 milhão de Km2 (quilômetros quadrados) em todo o sul da Amazônia, até 2040, como medida essencial para evitar o chamado ponto de não retorno, que aponta para o possível colapso de cerca de 50% da amazônia até 2050.
“O Brasil precisa ser o maior reflorestador do mundo, zerando o desmatamento e expandido a restauração, e a área de sustentabilidade do BNDES tem um trabalho que busca justamente manter e proteger as floresta, com amplo impacto sobre a biodiversidade”, afirma o cientista.
*
NOVA LINHA
O que o BNDES Florestas Crédito oferece:
– Recursos R$ 1 bi, sendo R$ 456 milhões do Fundo Clima e R$ 544 milhões de recursos próprios, pelas linhas tradicionais do banco, como o BNDES Finem Meio Ambiente.
– Taxa de juros No caso do Fundo Clima, 1% ao ano mais encargos e spread, no limite de 2,5% ao ano; o BNDES Finem Meio Ambiente trabalha com TLP (hoje IPCA + 6,28% ao ano), acrescida de 0,9% ao ano e risco do cliente, que é avaliado caso a caso
– Prazo Máximo 300 meses com 96 meses de carência, o que será negociado caso a caso.
– Teto das operações R$ 100 milhões, com participação do BNDES de até 100% dos itens financiáveis.
– Precificação de risco Segue o regulamento padrão do BNDES.
COMBO AMBIENTAL
Além do Florestas Crédito, o conjunto de medidas do banco para fomentar reflorestamento já incluem:
– Arco de Restauração na Amazônia Iniciativa que tem o objetivo é injetar R$ 200 bilhões para restaurar cerca de 24 milhões de hectares, do hoje é o chamado arco do desmatamento, região que vai do Maranhão e sul do Pará em direção a oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre. Serão reconstituídos 6 milhões de hectares até 2030 e outros 18 milhões até 2050. A projeção é que serão removidas 1,65 bilhão de toneladas de carbono da atmosfera em 30 anos;
– Floresta Viva Visa fomentar a restauração ecológica, incluindo financiamento de sistema agroflorestais e apoio à estrutura técnica da cadeia produtiva de restauração. O BNDES tem a meta de investir R$ 693 milhões ao longo de 7 anos, com 50% de recursos do Fundo Socioambiental do banco e outros 50% de parceiros. Já foram assinados projetos com empresas como Petrobras, Eneva e Energisa, e há protocolos de intenção firmados com Heineken e Nestlé, entre outros;
– Concessão Florestal BNDES Modalidade de gestão que permite a licitação, para o setor privado, do direito de explorar florestas públicas de modo sustentável, permitindo, por exemplo, a extração de madeira por rodízio de área ou outras modalidades que levem em consideração a necessidade de, paralelamente, recompor a mata que sofreu extração
ALEXA SALOMÃO / Folhapress