BNDES vai ao Congresso para retomar crédito a exportações de serviços de engenharia

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo se prepara para discutir no Congresso a retomada dos financiamentos à exportação de serviços de engenharia. As novas regras para esse tipo de crédito estão sendo discutidas por técnicos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do TCU (Tribunal de Contas da União).

Esse tipo de crédito está suspenso desde 2016, quando as construtoras que receberam os recursos do banco passaram a ser investigadas por corrupção na Lava Jato e em outras operações do gênero. Entre as obras que geraram controvérsias estão o porto de Mariel, em Cuba, e o metrô de Caracas, na Venezuela, que, então, tinham participação da Odebrecht.

A volta da modalidade faz parte do pacote para fomentar as exportações e atende uma orientação do vice-presidente Geraldo Alckmin à frente do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).

A meta é elaborar um PL (projeto de lei) que traga para a legislação brasileira normas adotadas em países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Informalmente, alguns chamam o texto de PL das Exportações, outros, de PL do BNDES. No Congresso, o texto vai concorrer com outros projetos, que buscam exatamente o contrário, restringir esse financiamento no Brasil.

“O financiamento a exportações de serviços ocorre nas economias mais desenvolvidas do mundo, e a nossa proposta é retomá-lo seguindo as melhores normas do padrão internacional”, afirma José Luis Gordon, diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES.

Uma versão inicial do texto já está em análise na pasta, e também vai passar pelo Ministério da Fazenda.

O PL inclui parâmetros para o BNDES criar uma nova subsidiária, um braço no estilo Exim, banco dedicado ao comércio exterior. Ainda está em estudo incluir novas regras sobre garantias.

Em nota, o TCU informou que está contribuindo com a visão de controle dessas operações, apontando riscos e oportunidades para um novo marco normativo. Uma das iniciativas propostas é a realização de um workshop com a presença de especialistas brasileiros e estrangeiros para discutir o tema.

No foco das discussões está a adoção de critérios para definir o escopo e os valores dos projetos, o que baliza o montante do financiamento –uma lacuna identificada pelo TCU no passado.

Neste primeiro semestre, o BNDES retomou os desembolsos, que tinham caído a 0,98% do PIB (Produto Interno Bruto), o menor patamar da série histórica desse indicador, iniciada em 1995. A meta é voltar a 2% até o final do mandato.

Gordon diz que o banco praticamente tinha se retirado do segmento. A título de comparação, conta que, em 2010, o BNDES emprestou US$ 11 bilhões (R$ 52 bilhões) para esse segmento. O valor caiu no ano passado para a US$ 168 milhões (R$ 793,7 milhões).

O valor liberado de janeiro a junho já é maior que o de todo o ano passado, US$ 670 milhões (R$ 3 bilhões). Em paralelo, o BNDES ofereceu uma linha voltada a embarque, no valor de R$ 2 bilhões, com 60% de redução no spread do banco.

“Em 48 dias, os R$ 2 bilhões foram contratados, houve uma demanda adicional de outro R$ 1,7 bilhão, mas já sem a redução do spread, e os bancos parceiros avisaram que havia interessados por mais. Isso mostra que a demanda é gigante”, afirma Gordon.

Segundo ele, nos principais países que estão no mercado internacional, o setor público responde por 8%. Na Coreia, chega a 20%. No Brasil, essa participação caiu para 0,3%.

“As empresas brasileiras perdem competitividade com isso”, diz.

“Apoio público com crédito à exportação é uma atividade fundamental, e existem 90 países com instituições públicas, como o BNDES, que atuam com exportação. De novo, estou falando de EUA, Índia, Suécia, países da OCDE.”

Os benefícios do apoio à exportação são reconhecidos pelos especialistas. Mas existe o consenso de que será preciso fazer um debate para alinhar os critérios para a volta das operações com exportações de serviços de engenharia por causa dos problemas no passado recente.

EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENGENHARIA ALIMENTAM DEBATES

O BNDES atuou com diferentes setores na exportação de serviços, como o de TI. Mas o mais relevante sempre foi financiamento à exportação de serviços de engenharia. Ele foi criado em 1998, mas cerca de 88% dos US$ 10,5 bilhões foram desembolsos de 2007 a 2015.

O BNDES financia a empresa no Brasil, bem como insumos, máquinas e equipamentos que leva para o exterior, e o pagamento é feito pelo governo onde a empresa brasileira presta o serviço. Em caso de calote, o banco conta com o FGE (Fundo de Garantia à Exportação), instrumento criado em 1997 e vinculado ao Ministério da Fazenda.

Após as denúncias contra as construtoras na Lava Jato, o próprio banco se tornou alvo de suspeitas.

Em setembro de 2019, o TCU publicou um relatório com a avaliação de 67 operações de financiamentos a exportações de serviços de engenharia em rodovias. Apontou inconsistências nos relatórios do BNDES e indícios de que teria sido liberado US$ 1 bilhão (R$ 4,7 bilhões) acima do necessário.

Em janeiro de 2020, no entanto, a gestão de Gustavo Montezano, no governo de Jair Bolsonaro (PL), afirmou que auditorias haviam aberto a chamada “caixa preta do BNDES” e não encontrado nada ilegal.

Para além da discussão de corrupção, pesquisadores da área negócios e de economia questionam os critérios de seleção dos países. Muitos acreditam que houve preferências políticas em detrimento de uma seleção técnica. O argumento ganhou força porque países mais controversos não quitaram os financiamentos.

Venezuela, Cuba e Moçambique ainda permanecem inadimplentes no valor total de US$ 1 bilhão.

O tema voltou ao debate quando o presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) passou a insistir publicamente que o BNDES financie empresas brasileiras para serem fornecedoras de produtos na obra do gasoduto de Vaca Muerta, na Argentina.

“A Argentina está à beira de se tornar um país que não vai quitar uma dívida já renegociada com o FMI [Fundo Monetário Internacional]”, afirma Samuel Pessôa, pesquisador do FGV Ibre.

“Alguém tem dúvidas de que esse país não consegue pagar um financiamento?”

Pessôa destaca que a primeira leva de iniciativas do BNDES está alinhada com a de outras instituições, mas que aguarda a implantação de todas as propostas.

“Crédito à exportação, à inovação tecnológica e a pequenas e médias empresas está ok, dentro do que recomendam as experiências internacionais para bancos de fomento”, afirma.

“Mas o grande problema é que a gente não pode ignorar que o grupo político que ganhou a eleição ficou 13 anos no poder, seu ciclo terminou com uma crise, mas ele não fez uma reflexão sobre isso. Assim, erros antigos podem ser cometidos.”

O economista e pesquisador Sergio Lazzarini, que publicou três livros sobre a relação entre Estados e empresas, diz que existem diferentes modelos de bancos de fomentos. Aqueles que emprestam muito pouco, mas são atuantes na oferta de projetos. Os que focam em empreendedorismo, pequenas e médias empresas, e os que buscam agir como organismo de fomento de grandes projetos e grandes empresas.

“É inegável a admiração do governo atual por essa última modalidade”, diz Lazzarini.

“A grande preocupação quando se tem essa entrada mais ativa é não competir com o setor privado, porque não podemos outra vez dar dinheiro para grandes projetos aqui ou no exterior. Isso desvia recursos que poderiam ser melhor aproveitados em outras áreas.”

Fernando Teixeira, professor do curso de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), trabalhou 35 anos no BNDES. Ele afirma que excessos foram cometidos e não podem ser repetidos. Mas está no grupo que defende seu papel no desenvolvimento e afirma que o maior desafio é recuperar a imagem da instituição para além da bipolaridade política e ideológica que passou a contaminar discussão.

“O debate sobre o papel do BNDES sempre existiu, e no passado havia um certo equilíbrio. O banco sempre foi visto como uma parte da elite dentro do setor público, com uma equipe crível, de profissionais corretos que atuavam no mercado de capitais”, afirma.

“Na segunda metade da década passada, ele foi jogado num lamaçal, sem que nunca tivessem provado nada. O equilíbrio foi rompido, e o clima ruim está aí até hoje. Isso precisa ser superado.”

ALEXA SALOMÃO / Folhapress

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