RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Relatório médico de Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco (PSOL), mostra que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o responsável por indicá-lo para atendimento na ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação) em 2009, quando o ex-policial militar foi alvo de um atentado.
O documento integra os autos da investigação da Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre a morte da vereadora e seu motorista Anderson Gomes.
Em depoimento dado em 2019, Lessa confirmou que foi indicado por Bolsonaro para o atendimento, mas disse que obteve o apoio por meio de um outro policial, cujo nome não soube indicar.
O prontuário é um documento da época do atendimento que confirma as declarações do ex-PM em entrevista à revista Veja, em 2022, na qual apontou Bolsonaro como meio para obtenção do atendimento. Na ocasião, ele afirmou que não tinha proximidade com o ex-presidente e que nem sequer agradeceu pelo encaminhamento.
A reportagem ligou e enviou mensagens para Fábio Wajngarten, assessor do ex-presidente, mas não obteve retorno.
Lessa foi atendido na ABBR após sofrer um atentado a bomba, em outubro de 2009. Ele perdeu parte da perna esquerda e iniciou tratamento em dezembro do mesmo ano. Na ocasião, Bolsonaro era deputado federal.
A explosão foi apontada como indício da participação de Lessa como segurança do bicheiro Rogério Andrade, vítima de atentado semelhante no ano seguinte. O ex-PM, porém, nega que tivesse relação com o contraventor à época.
Lessa foi preso em março de 2019 sob acusação de matar Marielle. Ele foi detido onde vivia, no Condomínio Vivendas da Barra, onde Bolsonaro também tem residência e viveu desde ao menos 2008 até 2018, quando foi eleito presidente.
A possível relação entre os dois passou a ser alvo de interesse da polícia em outubro de 2019, após a apreensão da planilha de controle de entrada e saída de visitantes do condomínio.
A tabela mostrava que o ex-PM Élcio Queiroz, outro réu confesso na participação do homicídio, foi autorizado a entrar no local no dia do crime por uma pessoa da casa de Bolsonaro. Segundo as investigações, ele e Lessa partiram dali para matar Marielle.
Em depoimento, um porteiro do condomínio afirmou que a liberação foi feita pelo próprio ex-presidente.
Investigação posterior mostrou que o porteiro errou ao indicar a casa de Bolsonaro como a responsável pela liberação da entrada de Élcio. Em novo depoimento, ele disse que se equivocou por nervosismo ao falar aos policiais sobre o suposto envolvimento do ex-presidente.
O inquérito mostra que a possível relação entre Lessa e Bolsonaro continuou sendo investigada mesmo após o esclarecimento da confusão.
Em dezembro de 2019, o delegado Daniel Rosa, que havia assumido o caso em março daquele ano, chegou a pedir busca e apreensão na ABBR para obter os documentos originais a entidade havia enviado cópias dos prontuários. A medida acabou não sendo decretada.
A médica responsável pelo atendimento também foi ouvida. Ela afirmou que não se lembrava de Lessa, mas disse que a menção ao então deputado no documento se deveu a uma informação dada pelo ex-PM em seu primeiro atendimento.
Ela afirmou à polícia que Lessa não concluiu o tratamento na ABBR. O ex-PM também disse o mesmo em depoimento e na entrevista à revista Veja.
“Bolsonaro era patrono da ABBR. Quando soube o que aconteceu, interferiu. Ele gosta de ajudar a polícia porque é quem o botou no poder. Podia ser qualquer outro policial”, disse ele à revista.
Uma das linhas de investigação da polícia no caso Marielle na época era a possível participação de Carlos Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente, no homicídio. O motivo seria uma briga entre o vereador e um assessor da vereadora nos corredores da Câmara. A hipótese foi descartada após diligências.
Testemunhas afirmaram que, apesar de a discussão ter sido ríspida, Carlos e Marielle não se desentenderam diretamente.
Em março deste ano, a Polícia Federal prendeu o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Domingos Brazão e o deputado Chiquinho Brazão (sem partido), sob acusação de serem os mandantes do crime. Eles são réus em ação penal no STF (Supremo Tribunal Federal).
Lessa e Queiroz firmaram acordo de delação premiada e confessaram a participação no homicídio.
ITALO NOGUEIRA E BRUNA FANTTI / Folhapress