SÃO PAULO, SP E SOROCABA, SP (FOLHAPRESS) – O bônus por produtividade pago a servidores do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) entre 2019 e 2022, durante a gestão Bolsonaro, resultou em um número maior de negativas de benefícios da Previdência, ampliando a fila de recursos.
Além disso, os servidores que tiveram maior bonificação estavam entre os que deixaram de cumprir as metas regulares de trabalho e houve funcionários que receberam remuneração de R$ 50 mil apenas em bônus, acima do teto constitucional, hoje em R$ 41.650.
As falhas fizeram com que houvesse queda na qualidade de análises de processos e baixa eficácia em relação aos objetivos propostos pelo programa, aponta auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União). O governo gastou R$ 292,5 milhões com o pagamento de bônus aos servidores nos quatro anos.
Segundo a CGU, apenas servidores do INSS foram analisados neste momento, mas existe trabalho em realização que envolve o pagamento de bônus aos peritos médicos.
O programa de bonificação voltou a ser oferecido a servidores administrativos e peritos médicos pela gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As regras, no entanto, mudaram, o que está desagradando a categoria. Para fazer parte da iniciativa, é preciso cumprir uma meta de 30% de trabalho a mais.
O bônus por produtividade do governo Bolsonaro foi implantado em março de 2019, inicialmente com um programa de revisão de benefícios com suspeita de irregularidades. Eram pagos R$ 57,50 aos servidores administrativos e R$ 61,72 aos peritos médicos. A partir de julho do mesmo ano, o programa seguiu como uma forma de diminuir a fila de pedidos do INSS, que chegou a 2 milhões, com pandemia e greves.
A gestão atual paga bônus de R$ 68 para os servidores e R$ 75 para os peritos. Os custos da medida, que tem validade de nove meses, podendo ser renovada por mais três, estão previstos em R$ 129,9 milhões somente em 2023. A meta de governo é diminuir a fila -hoje em 1,8 milhão de pedidos- até dezembro.
Segundo o relatório da controladoria, o número de indeferimentos de benefícios na fila inicial de pedidos analisados no programa de bonificação -portanto fora do expediente normal do servidor- foi de 77%, ou seja, 7 em cada 10 benefícios foram negados. Na fila ordinária, foi menor, de 58,1%.
Os resultados indicam que os processos analisados com pagamento de bônus tinham maior possibilidade de serem indeferidos. Além disso, os indeferimentos geralmente não eram confirmados pela supervisão técnica, não por considerarem que poderia haver falha, mas porque muitas dessas negativas não eram supervisionadas.
Para a CGU, além da queda na qualidade, o alto número de negativas amplia outras filas, a de recursos e a de revisão. “Ressalta-se que o indeferimento incorreto, além de prejudicar o segurado, tende a gerar retrabalho no âmbito do INSS devido aos pedidos de revisão, bem como em função de recurso e de judicialização”, diz o relatório.
NÚMERO DE NEGATIVAS DE APOSENTADORIAS É MAIOR SOB BONIFICAÇÃO
Decisões* – Quantidade – Concessão – Indeferimento
Com bônus – 6795 – 1.565 (23,0%) – 5.230 (77,0%)
Análise ordinária – 17739 – 7.432 (41,9%) – 10.307 (58,1%)
Total – 24534 – 8997 – 15537
*O total de benefícios analisados corresponde a amostra analisada pela CGU em quatro meses diferente durante o programa de bonificação do governo Bolsonaro. Fontes: CGU (Controladori a-Geral da União)
Para a advogada Tonia Galetti, do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), a resposta negativa a um benefício não é de todo ruim, o problema é a fragilidade nas análises, que, com queda de qualidade, pode resultar em negativa ou concessão errada.
“A negativa em si não é nem boa nem ruim, é a entrega da análise. É melhor ter um resultado do que não ter nenhum. O problema das negativas é que muitas são equivocadas e isso é que é ruim, porque não revela a realidade fática e documental das pessoas. E acaba gerando um problema.”
O problema, segundo Tonia, é o benefício sair da fila de espera inicial e ira para a fila de recursos, onde a resposta ao segurado demora ainda mais. Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) mostrou, em março, que o Conselho de Recursos da Previdência Social levará 16 anos para julgar todos os processos pendentes se seguir no mesmo ritmo de análises. Com isso, o órgão está realizando um mutirão.
“Acaba gerando um maior custo para o próprio INSS e para o Estado brasileiro, e, consequentemente, para a sociedade. Porque vai virar um processo, vai gerar atrasados, vai gerar juros, correção, gastos com o Judiciário, pagamento de conselheiros na Câmara de Recursos. E tudo isso vai aumentando o gasto da sociedade com benefícios que poderiam ter sido concedidos se tivessem sido analisados corretamente”, afirma Tonia.
Segundo a controladoria, para que o objetivo do programa de bonificação fosse conquistado, seria necessária melhoria na análise dos requerimentos iniciais. “Os objetivos relacionados ao pagamento do bônus implicam em priorizar as tarefas relacionadas a análises de potenciais fraudes ou irregularidades e à análise inicial de requerimentos, definindo formas de priorização dessas atividades, o que não se identificou que tenha ocorrido”, diz o órgão.
FILA DE RECURSOS CONTRA O INSS CRESCEU
A CGU também analisou os processos que entraram na fila de recursos, que é quando o segurado recorre da resposta negativa do INSS. Os resultados mostraram que o maior número de processos sob análise era de servidores que receberam as maiores médias de pagamento dentro do programa.
“O estímulo proporcionado pelo Bmob/Terf pode fazer com que as análises sejam mais céleres, porém menos precisas”, diz a controladoria. “A partir da análise bonificada, há tendência de aumento nas taxas de indeferimentos dos requerimentos iniciais de benefícios, em conjunto com uma redução na frequência de exigências”, afirma outro trecho do relatório.
Além disso, os servidores com a maior remuneração do bônus estavam entre os que não atingiram a meta mensal de pontos estipulada para a função. O resultado mostrou que funcionários bonificados “não cumpriram a capacidade operacional individual ordinária em meses específicos”. Ou seja, deixaram de realizar o trabalho habitual para fazer as horas extras e receber o bônus federal.
Para chegar ao montante de R$ 50 mil em bônus, um único servidor realizou 869 análises. Lembrando que a remuneração de um analista do seguro social pode variar R$ 8.357,07 a R$ 11.958,67, dependendo da classe que o servidor pertence, se A, B, C ou especial.
“A criação de um bônus relacionado à produtividade pode gerar impactos na qualidade das análises realizadas no âmbito do programa especial, com aumento do risco de pareceres com inconsistências (deferimentos e/ou indeferimentos indevidos), e possíveis deficiências no acompanhamento da execução, entre outras”, diz o relatório.
Procurado, o INSS afirmou que, por se tratar de relatório sobre o governo anterior, não iria se manifestar. Em entrevista ao jornal Extra, o atual presidente do instituto, Alessandro Stefanutto, afirmou que o programa de bonificação atual foi pensado para sanar as falhas já apontadas.
“O relatório apresentado pela CGU faz uma análise do governo anterior. Portanto, o INSS não vai comentar a ação em si”, diz o órgão.
BÔNUS NÃO RESOLVE PROBLEMAS, DIZEM SERVIDORES
A política de bonificação, que começou a ser implantada no governo de Michel Temer (MDB), é sindicato pelos sindicatos de servidores. Viviane Peres, diretora da Fenasps (Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social), afirma que é necessária uma mudança na estrutura do INSS, com contratação de servidores e investimentos em agências.
“A crítica que a federação faz sobre essa política de bonificações é que não resolve os problemas que são estruturais do INSS. São medidas aí paliativas. A solução dos problemas estruturais é investimento nas unidades do INSS, nas agências de Previdência Social, no atendimento presencial para a população e a realização de concurso público”, diz.
Em nota, o SINSSP (Sindicato dos Trabalhadores do Seguro Social e Previdência Social no Estado de São Paulo) afirma que as falhas apontadas no relatório da CGU já haviam sido identificadas pela entidade. “Sabemos que foram muitos pareceres prejudicados durante a vigência do bônus, causando aumento nos pedidos de recurso, revisão e processos judiciais. E isto, também colaborou para o aumento de processos na fila de hoje.”
O sindicato afirma que a antiga bonificação surgiu rápido e sem tempo para a capacitação de servidores, mas, agora, o novo programa tem mais material disponível para aprendizado, internet mais rápida e controle melhor das distribuição de tarefas. No entanto, critica a meta estabelecida para fazer parte do programa.
“O atual modelo cobra um pedágio de 30% das metas para assim, o servidor começar a receber, penalizando o servidor que prefere aderir ao programa.”
Vivian ressalta o concurso do INSS, que contratou mil servidores e deve chamar mais 250 neste ano, além de novo concurso previsto pela Previdência. Sobre o programa atual de bonificação, afirma que as metas comprometem a qualidade das análises.
“A meta que o servidor tem que cumprir, que é fazer o excedente de 30% para, depois, acesso ao bônus, intensifica mais o trabalho. O servidor tem que produzir muito mais, o que pode possibilitar o impacto na qualidade desse dessas análises.”
CRISTIANE GERCINA E LUCAS MONTEIRO / Folhapress