SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu odeio usar camisa”, diz Guilherme Boulos (PSOL) ao se preparar para um programa de TV, em uma cena do documentário “Radical”, que mostra bastidores de sua campanha à Prefeitura de São Paulo, há quatro anos.
Em outro momento, ele brinca ao falar de seu carro “raiz”. “Radical é chegar de Celtinha no debate.”
Nas duas eleições majoritárias que disputou, em 2018 para presidente e 2020 para prefeito, o líder sem-teto fazia o marketing reverso de pechas usadas contra ele por adversários: radical, extremista, invasor.
Como o próprio título do filme, produzido por sua campanha, mostra, a ideia era simples: assumir os rótulos de forma bem-humorada e até com certo deboche, buscando virar a mesa sobre o interlocutor.
Na atual campanha, em que o psolista surge em pesquisa na liderança empatado com Ricardo Nunes (MDB), a estratégia não será abandonada por completo, mas deve sofrer ajustes.
Boulos, agora um deputado federal que, além de camisa, usa terno e gravata, dará novo tratamento à forma como rebate os rótulos lançados contra ele.
“As campanhas de 2020 e 2024 são diferentes. A primeira eleição foi de construção da candidatura. Na de agora, o Guilherme já desponta como um dos favoritos, então será uma campanha mais ampla e com maior diversidade de conteúdos”, diz Josué Rocha, coordenador da campanha do parlamentar.
Segundo ele, as mensagens serão mais direcionadas para segmentos específicos. “Isso pode incluir a linguagem com humor em alguns casos, especialmente para o público mais jovem. O que é certo é que teremos uma linha forte de combate às fake news, à caricatura do candidato como alguém que vai invadir a casa das pessoas”, afirma.
Em 2018, ao ser questionado pela BBC se era um radical, Boulos não fugiu do termo. “Se defender a igualdade social é ser radical, eu sou. Se defender a democratização do Estado é ser radical, eu sou. Se defender liberdades individuais sem concessões, direitos civis e democráticos é ser radical, eu sou”, respondeu.
Dois anos depois, numa campanha em que chegou ao segundo turno pela Prefeitura de São Paulo, voltou a usar o estratagema. “Sou radical na priorização do transporte público, coletivo e ativo (a pé, de bicicleta ou patins)”, escreveu no antigo Twitter.
Pecha mais usada por adversários, a de invasor, recebeu tratamento semelhante até recentemente.
No ano passado, suas redes sociais exibiram uma espécie de esquete com o mote “Boulos invadiu a minha casa”. O ex-coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) chegava com um bolo em mãos numa casa de periferia, para discutir os problemas da cidade.
No Carnaval deste ano, em outro exemplo, fez uma postagem recomendando aos foliões de blocos de rua “ocupar” banheiros químicos.
Em entrevista a um podcast em setembro de 2023, Boulos disse que a ideia de usar os memes para rebater acusações surgiu de forma gradual.
“Em 2018, eu tive mais dificuldade de lidar com isso, porque eu levei a sério. Eu puxei para mim, eu fiquei com raiva. Eu percebi que não adiantava você ficar na chave racional para lidar com meme. É aquela coisa do apelido de escola, se você reagir, já era. Então você tem que saber também fazer ironia de si próprio”, afirmou.
Nos primeiros meses deste ano eleitoral, o autodeboche e as referências aos termos pejorativos já escassearam.
De azarão e outsider em eleições passadas, quando se permitia mais ousadias para chamar a atenção, o psolista passou a disputar a liderança agora.
Uma diferença da atual campanha é contar com um marqueteiro profissional e com trajetória em outras eleições. Lula Guimarães, que já trabalhou para Eduardo Campos, Marina Silva, João Doria e Geraldo Alckmin, entre outros candidatos, foi contratado por Boulos, não sem gerar resistências em alas do PSOL.
Em campanhas anteriores, a comunicação tinha um aspecto mais espontâneo e militante, tocada por uma equipe mais identificada com a causa representada pelo político.
Desta vez, uma linha de atuação central de Guimarães será buscar responder à “caricatura” que se faz de Boulos, mostrando que ele, longe de ser um invasor, é também um parlamentar atuante e alguém que tem se preparado para gerir a maior cidade do país, inclusive conhecendo experiências internacionais.
Uma das primeiras ações do marqueteiro foi criar uma ação batizada de “Salve São Paulo”, que inclui um site para recolher sugestões de moradores para a cidade e ouvir suas queixas.
“É evidente que o bom humor sempre ajuda, mas mostrar uma pessoa amadurecida e pronta para governar, neste momento, é melhor. Na eleição passada, Boulos não era alvo preferencial dos adversários. Agora tem uma artilharia mais pesada contra ele”, diz o deputado estadual Antonio Donato (PT-SP), também membro da coordenação de campanha do pré-candidato.
Temas mais sérios deverão ganhar espaço na campanha, segundo Donato, como as acusações de corrupção em obras feitas pela gestão Nunes em caráter emergencial, sem licitação.
“É importante mostrar um Boulos que dialoga com setores que nós da esquerda já impactamos em campanhas passadas e que queremos impactar novamente”, diz Donato.
FÁBIO ZANINI / Folhapress