SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após meses de calor extremo aquecendo os oceanos, pesquisadores detectaram danos aos corais da costa brasileira.
Na região dos litorais sul de Pernambuco e norte de Alagoas, foi constatado o branqueamento em massa, enquanto no sul da Bahia uma pequena parcela das colônias foi afetada até agora.
O fenômeno, que pode levar à morte dos corais, acontece quando os oceanos passam várias semanas com temperaturas acima da média. O branqueamento é uma das consequências das mudanças climáticas provocadas pelas atividades humanas, já que a maior parte do excedente de calor associado ao aquecimento global é armazenado no mar.
Na Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais (APACC), região entre os municípios de Tamandaré (PE) e Maceió (AL), diversas colônias foram afetadas, segundo Beatrice Ferreira, professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Ela explica que o branqueamento em massa é definido quando cerca de 50% das espécies ou colônias em uma área extensa são atingidas pelo estresse térmico.
“Os alertas começaram em março. Entrou em alerta 1 e realmente começou o branqueamento pelas espécies mais sensíveis”, explica, se referindo à escala de alerta usada pela Noaa (agência atmosférica e oceânica americana) em seu monitoramento via satélite. A partir do nível 1, a agência considera provável que haja branqueamento significativo na região.
Em 2023, devido aos recordes de calor registrados nos mares ao redor do planeta, a Noaa atualizou sua escala, que até então tinha como máximo o alerta nível 2 (caracterizado por branqueamento severo e provável mortalidade significativa). Agora, a metodologia chega até o alerta nível 5, em que há risco de mortalidade quase completa dos recifes de corais.
“Não são absolutamente todas as espécies e não são absolutamente todas as colônias, mas o que já se registra por aqui [na Costa dos Corais] e eu acho que em boa parte da costa nordeste, que já está em alerta 1 ou 2 há algum tempo é um branqueamento em massa”, afirma Ferreira.
A pesquisadora estuda a região há 30 anos por meio do Programa Ecológico de Longa Duração Tamandaré, financiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
A espécie mais atingida na Costa dos Corais, a princípio, foi o coral-de-fogo Millepora alcicornis.
“Deduzindo a partir do nosso e de outros relatos de trabalhos em curso na APACC, estamos chegando a possivelmente mais de 80% das colônias desta espécie afetadas nas áreas mais rasas”, diz a cientista. “Agora, a maioria das espécies e colônias em áreas rasas foram afetadas”.
No dia 5 de março, a Noaa emitiu comunicado alertando que o planeta estava prestes a ter o quarto evento global de branqueamento em massa. Dias depois, o governo australiano anunciou que a Grande Barreira de Corais já está sendo atingida de forma massiva.
Segundo as autoridades do país, 75% da Grande Barreira já branqueou e a Sociedade Australiana de Conservação Marinha afirma que, na região sul, corais branqueados foram vistos a uma profundidade de até 18 metros.
O último evento global de branqueamento em massa aconteceu entre 2014 a 2017, quando a Grande Barreira perdeu quase um terço de seus corais. Resultados preliminares sugerem que cerca de 15% dos recifes do mundo tiveram taxas altas de mortalidade.
Eventos mundiais de branqueamento anteriores ocorreram em 2010 e 1998, anos que, assim como 2024, foram marcados pela ocorrência do El Niño.
O calor acima da média faz com que os corais fiquem brancos porque a cor deles vem de microalgas coloridas (também chamadas de zooxantelas) que vivem nos seus tecidos. Águas quentes demais por tempo demais fazem com que essas algas produzam uma substância tóxica ao coral, que as expulsa, deixando exposto o seu esqueleto calcário.
Um coral branqueado não está morto mas está fraco e sujeito a doenças. Isso porque as zooxantelas, numa relação simbiótica, fornecem açúcares essenciais para alimentação do coral, produzidos através da fotossíntese.
Assim, quanto mais rápido o mar voltar à sua temperatura usual, mais cedo aquela colônia pode recuperar as microalgas e voltar a ter essa fonte de energia. Por outro lado, quando as ondas de calor são muito fortes e prolongadas, as chances de mortalidade crescem.
O Brasil tem os únicos recifes de corais do Atlântico Sul, concentrados principalmente na região Nordeste.
O Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, no sul da Bahia, até agora não registrou um acúmulo de calor tão grande quanto o restante da costa nordestina, segundo os índices da Noaa. Mesmo assim, algumas espécies chegaram a branquear.
“Até o final de março, em Abrolhos, havia poucas colônias de corais-de-fogo do gênero Millepora afetadas, bem como algumas de Mussismillia harttii”, conta Rodrigo Leão de Moura, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que pesquisa na região há mais de duas décadas.
“A prevalência estava bem baixa, abaixo de 5%, e as colônias estavam apenas parcialmente branqueadas. No norte do Espírito Santo, a situação estava ainda mais tranquila, e não fizemos nenhum registro de branqueamento”, pondera.
Apesar da boa notícia, ele afirma que a situação ainda pode se agravar caso o calor continue se acumulando nas próximas semanas. Além disso, explica que a repetição de episódios de anomalia térmica vai minando a saúde dos corais.
“A gente tem essa ideia de que o branqueamento é episódico. De fato ele é, e uma parcela grande das colônias até 2020, a taxa de retorno [das espécies em Abrolhos] tendia a ser mais de 90%, então a mortalidade era baixa volta depois de um evento desses. Só que, no longo prazo, a mortalidade vai se acelerando. Não é só porque o coral voltou a ficar castanho esverdeado que ele está saudável”, diz Moura.
O pesquisador acrescenta que, ao longo das décadas, o que se vê é que mais corais morrem do que nascem, o que está levando a uma diminuição na cobertura coralínea.
Em Abrolhos, foram registrados seis eventos de branqueamento em massa: 1993, 1998, 2003, 2010, 2016 a 2017 e 2019.
A professora da UFPE explica que, na costa brasileira, ocorreram eventos de branqueamento simultaneamente em grandes extensões, mas com intensidades variáveis em 1998, 2010, 2016 e 2019 a 2020.
Além do aumento nas temperaturas globais, o carbono jogado na atmosfera pelas atividades humanas e absorvido pelos mares também provoca a acidificação dos oceanos o que prejudica a formação dos esqueletos calcários dos corais e das conchas de moluscos e crustáceos.
Os cientistas destacam, ainda, que a saúde dos corais brasileiros também é impactada pela baixa qualidade da água do mar, devido à poluição e à concessão inadequada de licenças para obras de infraestrutura, como dragagens, e instalações industriais.
“Nas comunidades locais, há melhoras [na conscientização sobre a preservação dos corais]. Mas não conseguimos vencer os problemas crônicos de esgoto, de erosão costeira, de mau uso de solo. Conseguimos avançar com a criação de áreas protegidas, com melhores práticas de turismo e de pesca, mas não o suficiente”, avalia Ferreira.
Em termos de biodiversidade, os recifes de coral podem ser comparados às florestas tropicais: apesar de ocuparem só 1% da superfície da Terra, esses ecossistemas abrigam um quarto de toda a vida marinha.
Nesta quarta-feira (10), o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) lançou edital de até R$ 60 milhões para projetos de proteção a recifes de corais no Brasil.
O banco vai priorizar iniciativas de melhoramento da qualidade das águas, combate a espécies exóticas e à pesca predatória, ordenamento turístico e mapeamento, manutenção, monitoramento e proteção dos corais.
JÉSSICA MAES E DIANA YUKARI / Folhapress