SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O número de passageiros que embarcaram em voos internacionais partindo ou chegando no Brasil superou neste ano o patamar pré-pandemia e alcançou um novo recorde para o século. De janeiro a outubro, o país contabilizou cerca de 19,79 milhões de viajantes nesse perfil, um aumento de 17% na comparação com o mesmo período de 2023.
O levantamento foi feito pela Folha com base em informações da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e considera rotas com ao menos 400 passageiros pagos anuais, incluindo partidas e chegadas, em voos regulares. Viajantes em voos que fazem escala no Brasil sem imigrar não foram incluídos.
Especialistas afirmam que a alta reflete uma trajetória de recuperação após o baque sofrido pelo setor na pandemia. Segundo eles, porém, o segmento internacional está aquém do seu potencial.
Na visão do economista José Roberto Afonso, o país tem um mercado ainda muito concentrado na América Latina, com rotas volumosas direcionadas, sobretudo, aos países vizinhos.
Neste ano, o número de passageiros em voos para o Chile teve o maior crescimento absoluto entre os países analisados. Entre os dez destinos que mais cresceram, aparecem também Argentina, Peru, Colômbia e Uruguai.
“É um mercado pequeno e ainda muito preso à América Latina, nos vizinhos. É uma aviação internacional com um forte componente regional”, afirma Afonso.
Ao considerar a variação percentual, destinos como África do Sul e República Dominicana se destacam. Desde 2023, a companhia aérea dominicana Arajet passou a operar voos entre o Brasil e o país caribenho inicialmente para a capital, Santo Domingo. Neste ano, a empresa iniciou a operação de um trajeto entre São Paulo e Punta Cana. Também em 2023, a South African Airways lançou voos conectando a África do Sul e o Brasil.
No geral, as viagens com partida ou destino aos Estados Unidos concentram a maior parte dos passageiros internacionais (mais de 3,4 milhões neste ano). Em 2024, o país norte-americano foi o terceiro com maior ganho absoluto de viajantes em trajetos para o Brasil na comparação com 2023. Foram 274,1 mil passageiros a mais.
“Certamente tem muito mais a ver com brasileiro indo para lá do que americano vindo passar férias no Brasil. O país precisa fazer um esforço monumental para melhorar a sua capacidade de atração de turistas”, diz Afonso.
Juan Sarmiento, diretor de economia e estatística da Alta (Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo), diz que, na América Latina , o setor aéreo vem registrando um crescimento mais forte do que em regiões como Europa e América do Norte. Segundo ele, os mercados europeu e norte-americano são mais maduros e, por isso, o crescimento não é tão significativo.
De acordo com dados da entidade, o número de viagens per capita na América Latina é de 0,64 viagens por ano. No Brasil, o número cai para 0,47 viagens per capita. Nos EUA e na Europa, o índice é superior a 2,5.
A espanhola Iberia diz que neste ano os voos da empresa entre Espanha e Brasil vão somar 470 mil assentos disponibilizados em 2024, um aumento de 51% na comparação com o ano anterior e de 12% em relação ao período pré-pandemia. De acordo com a companhia, as rotas para cidades brasileiras tiveram protagonismo em 2024 e são destinos estratégicos.
À reportagem, o diretor de operações da Iberia, Ramiro Sequeira, diz que brasileiros estão viajando bastante à Espanha, a passeio e também com a intenção de morar no país. “Estamos a apostar forte no mercado brasileiro.”
Na visão de Carlos Antunes, diretor para as Américas da portuguesa TAP, a variação cambial e a recente desvalorização do real são fatores a serem levados em consideração na política de precificação da companhia.
“Na nossa opinião, o passageiro brasileiro não deixa de viajar pela desvalorização cambial. Mas, sim, é um viajante que precisa de estabilidade para saber com o que pode contar e planejar a sua viagem. A oscilação do câmbio, quando perde valor, costuma postergar decisões de compra”, afirma.
Nos últimos meses, a TAP lançou rotas ligando Portugal a Florianópolis e a Manaus.
Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, afirma que o mercado ainda sofre as consequências dos atrasos na entrega de aeronaves, que vêm afetando as cadeias de produção do setor aéreo nos últimos anos. Segundo ele, essa é uma barreira para um aumento significativo do número de rotas com destino ao Brasil.
Neste último ano, apesar do crescimento no volume de passageiros em voos internacionais, a quantidade de países conectados com o Brasil por via aérea permaneceu o mesmo de 2023. São, ao todo, 31 países. Em 2015 e em 2016, eram 40.
Para Adalberto Febeliano, especialista em aviação civil, o Brasil precisa investir em produtos turísticos melhores, incluindo hotéis e programas turísticos, e melhorar a segurança pública. “Fazendo uma analogia, nós temos uma matéria-prima de qualidade incrível que não se transforma num turismo de alto valor agregado.”
NICHOLAS PRETTO E PAULO RICARDO MARTINS / Folhapress