Brasil decepciona por não investir em IA e carros elétricos, diz Ian Bremmer

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para Ian Bremmer, o Brasil é mais “estável e entediante” do que pode parecer: aqui as instituições funcionam, os contratos são cumpridos e seus analistas podem criticar o governo sem medo.

No entanto, o país o decepciona por não investir de forma consistente em tecnologias de ponta, como inteligência artificial e carros elétricos.

“Simplesmente não há uma sensibilidade sobre como adotar essas novas tecnologias, que são críticas. Estamos no começo de uma nova globalização por meio da IA [Inteligência Artificial], e o Brasil não está perto de linha de frente nisso”, disse ele à reportagem.

Bremmer é presidente da consultoria Eurasia Group e veio a São Paulo para participar de uma conferência do grupo sobre o futuro da América Latina. A seguir, mais trechos da conversa.

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PERGUNTA – Como vê as perspectivas para o Brasil na economia e na política?

IAN BREMMER – Uma das razões pelas quais sempre estivemos muito interessados em investir no Brasil é por conta de sua estabilidade política. Há aplicação da lei, há separação de poderes, os contratos são respeitados, há liberdade de expressão. Nossos analistas provavelmente não serão presos por dizer algo que o governo não goste.

O Brasil é mais resiliente, estável e mesmo mais entediante do que muitos dos países do mundo agora. E é uma coisa boa. Mesmo que um evento como o 8 de Janeiro tenha ocorrido, não houve perigo de uma revolução. Se Bolsonaro decidisse que não ia transferir o poder, não importava. Ele seria forçado a sair.

A última eleição foi livre e justa. Lula representa uma orientação política e ideológica muito diferente. Ele não confia realmente no setor privado, e o setor privado não gosta dele.

P – E o que vê como principais problemas?

IB – O que mais decepciona no Brasil é a falta de tecnologia real. Veja a Índia: teve baixo desempenho [na área] por muitas décadas, mas agora vive uma transformação digital. Há investimentos em semicondutores, carros elétricos e baterias. Há o reconhecimento de que o mundo está mudando e a Índia também. É por isso que as big techs estão indo lá, fazendo parcerias e investindo. O Brasil não está neste ponto ainda.

Me preocupa que simplesmente não há uma sensibilidade sobre como adotar essas novas tecnologias, que são críticas. Estamos no começo de uma nova globalização por meio da IA [Inteligência Artificial], e o Brasil não está perto de linha de frente nisso.

P – O Brasil pode aproveitar o movimento de near-shoring, de empresas ocidentais buscarem trazer sua produção para países mais próximos?

IB – Tivemos um movimento de 50 anos de levar o trabalho para onde era barato. A política não importava. Um mercado global, vamos apenas produzir deste jeito. Isso permitiu o crescimento de uma classe média global, e o Brasil foi parte disso.

No entanto, isso tudo era na verdade sobre a China, que se tornou a fábrica do mundo. Quando se fala de near-shoring, o que estamos dizendo na verdade é que a China não é mais a fábrica do mundo. S em eles, quem vai pegar algumas das fábricas?

Uma das questões é que o mercado chinês está ficando mais caro. O trabalho no México hoje é mais barato do que na China. Teve o problema entre EUA e China, o problema de Xi Jinping. Então, de repente, você tem muitas razões pelas quais as pessoas pensam em mudar as cadeias de produção para lugares que façam mais sentido em 2023, em vez do que fazia nos anos 1990.

Há também a questão de que você já não precisa de tanto trabalho, por causa dos robôs e da automação, de aprendizado de máquina e de big data. Então pode colocar as pessoas onde quiser, e provavelmente mais perto de onde estão os mercados. Você pode produzir na China para o mercado chinês, e no Brasil para o mercado brasileiro ou sul-americano.

O Brasil é um lugar muito mais fácil para produzir do que a Argentina, a Venezuela ou muitos outros países da região. A relação entre Brasil e EUA, seja com Bolsonaro ou Lula ou Trump ou Biden, é razoavelmente aquecida, confiável e estável. O mesmo vale para a União Europeia, especialmente se o acordo com o Mercosul for fechado.

Os EUA tem desafios com a China, e tem tentado dizer a suas empresas e aliados que deveriam reduzir riscos, e isso significa reduzir a futura exposição à China, ao menos não investir mais do que o necessário na China. Colocando tudo isso junto, cria-se uma mudança significativa do capital, de novos capitais fora da China, e o Brasil será um dos maiores beneficiários, assim como os EUA e o México.

RAFAEL BALAGO / Folhapress

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