Brasil e Azerbaijão vão propor fundo para transição energética com recursos do petróleo, diz Silveira

FOZ DO IGUAÇU, PR (FOLHAPRESS) – Brasil e Azerbaijão, país que sedia a COP29, a conferência sobre clima da ONU (Organização das Nações Unidas), em novembro deste ano, vão apresentar no evento a proposta de criação de um fundo global de financiamento para transição energética com recursos do petróleo. A parceria em torno da medida foi acertada em reunião bilateral durante a reunião do G20 da área de energia, em Foz do Iguaçu (PR), que ocorreu ao longo desta semana.

O Azerbaijão já havia sugerido oficialmente a criação de outro fundo com dinheiro do petróleo, mas dedicado à prevenção a desastres e projetos de adaptação à mudança climática.

“O fundo do petróleo para promover uma transição energética justa e inclusiva é quase uma unanimidade internacional”, afirmou à Folha Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, que ainda não detalhou como o fundo será constituído e operado internacionalmente.

Silveira também defende o uso desses recursos para sustentar o auxílio gás no Brasil, e não vê problema que o programa funcione por meio de repasse direto da estatal do petróleo PPSA para Caixa. Especialistas em contas públicas defendem que esse tipo de benefício precisa ficar dentro do Orçamento, e o Ministério da Fazenda já estuda alterações.

“Nós apontamos fonte juridicamente adequada de financiamento para o programa, na minha compreensão. Agora, naturalmente, a liderança do ministro Haddad, respeitada por todos nós como o condutor da área econômica, saberá o que é melhor”, diz o Silveira. Leia a seguir trechos da entrevista concedida durante as reuniões do G20.

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Pergunta – A Agência Internacional de Energia apresentou dois relatórios no G20 de Foz do Iguaçu apontando o papel de biocombustíveis na redução das emissões, com destaque para o etanol de primeira geração, que sofre oposição na União Europeia. O bloco alega que a sua expansão é risco para a produção de alimentos e pode ampliar desmatamento. Na prática, qual será o impacto dessa nova visão para o Brasil?

Alexandre Silveira – Essa são duas questões que os europeus alegam para fazer proteção de mercado. Isso é fato. No caso da alegação sobre concorrência com alimentos, depende das particularidades de cada região e de cada país. No Brasil, o avanço ocorre sob áreas degradadas, e no caso do desmatamento, todos sabemos que, sob a liderança do presidente Lula, há uma vigorosa política para proteger os nossos biomas.

União Europeia também debate a emissão de carbono na produção desses biocombustíveis. Com a sanção da lei do combustível do futuro, vamos regulamentar a captura de estocagem de carbono. Com mais essa prática no Brasil, etanol de primeira geração, biodiesel e os outros biocombustíveis vão alcançar emissão líquida de carbono zero ou negativa.

Tudo isso vai fortalecer o diálogo em torno do uso dos biocombustíveis pela União Europeia.

Agora, é muito importante estreitar contato com aliados nessa política de descarbonização [com biocombustíveis]. Estados Unidos e Índia são países que, como o Brasil, são muito prósperos em pluralidade energética e, portanto, tendem a avançar no uso de tecnologias múltiplas para a descarbonização.

O caminho que nós temos para isso é o diálogo internacional. As pessoas às vezes compreendem mal quando o presidente Lula luta pelo fortalecimento das instituições bilaterais. Ele registrou isso agora na ONU. A transição energética pede pluralidade de rotas tecnológicas. É uma demagogia, uma hipocrisia, querer avançar na transição energética construindo barreiras econômicas para os outros países e sem criar mecanismos que valorizem diferentes matrizes energéticas.

P. – Como fica o petróleo nisso? A mesma Agência Internacional de Energia já recomendou que o mundo pare de perfurar novos poços porque a situação climática está se deteriorando rapidamente. Mas o governo do Brasil e o sr. dizem que petróleo é componente da transição energética. Isso não é contraditório? Sendo o Brasil tão rico em energia verdes, não seria o caso de ele estar entre o países que lideram essa redução na exploração de petróleo?

A. S – Sem dúvida, isso seria um crime lesa-pátria contra o Brasil. Não é algo que cabe a um país em desenvolvimento, com tudo por fazer, com a necessidade de promover inclusão social, combater fome, gerar emprego e renda, de arrecadar recursos. A própria palavra já responde essa questão. Estamos numa transição. Qualquer coisa que aponte para a palavra fim numa transição não me parece de bom-tom. Num prazo que ainda não sabemos, petróleo e combustíveis fósseis serão tão nocivos às novas gerações quanto o cigarro se tornou. A indústria mundial de cigarro é menor hoje diante do que já foi. Com o petróleo vai acontecer a mesma coisa.

Eu defendo que a pluralidade energética é fundamental e deve ser discutida com serenidade, com equilíbrio, dentro de uma política de desenvolvimento econômico com frutos sociais. Produção de petróleo não é uma questão de oferta, é uma questão de demanda. Enquanto o mundo demandar, nós, como produtores, temos que defender também a nossa produção.

Por isso, trouxe nas reuniões bilaterais [do G20, em Foz do Iguaçu], e na reunião ministerial, a proposta do Azerbaijão, que vai sediar a COP neste ano. Fechamos apoia à criação do fundo global com recursos do petróleo, como alternativa para acelerar os investimentos em transição energética. O fundo do petróleo para promover uma transição energética justa e inclusiva é quase uma unanimidade internacional.

Eu acabei de fazer um leilão na PPSA [Pré-Sal Petróleo SA]. Arrecadei R$ 15 bilhões na partilha do pré-sal, que cabe à União para poder financiar saúde, educação e, agora, o presidente Lula apontou como fonte para financiar o gasto para todos as 20 milhões de famílias que deixarão de cozinhar no carvão, na lenha ou no álcool, numa situação em que as crianças inalam fumaça desnecessariamente, e as mulheres se acidentam.

P. – O Auxílio Gás foi modelado fora do Orçamento, com o recurso indo direto para a Caixa, mas isso foi questionado. A Fazenda, inclusive, busca uma alternativa para isso. Vai ficar mesmo fora do Orçamento?

A. S. – O fundo tem o nome, fundo social, e deixo aqui uma interrogação: o fundo social deve ser aplicado, considerando o seu objetivo e o espírito da lei, ou ele deve fazer parte do Orçamento, da conta de arrecadação nacional? Vamos lembrar que parte do Orçamento, conforme a definição do arcabouço, serve para as políticas públicas e para os investimentos, mas nós sabemos que são sempre muito aquém das necessidades nacionais.

Ninguém defende o Estado de gastança, mas ninguém pode, em sã consciência, não reconhecer as necessidades do país. Defendo o Estado necessário. Nós apontamos fonte juridicamente adequada de financiamento para o programa, na minha compreensão.

Alguém em sã consciência pode defender que 25 milhões de pessoas, que vivem em estado de miséria e fome, não têm direitos? Não tem direito a gás para cozinhar, não têm direito ao clean cook [acesso à energia de baixa emissão para cozinhar], que é um compromisso internacional da ODS-7 [7° Objetivo de Desenvolvimento Sustentável], ou não têm direito a energia? Essas três coisas são básicas da cidadania. Isso não é discurso, isso é uma realidade.

Se alguém me mostrar que é possível colocar esses três direitos no Orçamento, sem afetar investimentos obrigatórios de saúde e educação —que estão vinculados em lei— e outros investimentos, como estradas, ferrovias, hidrovias e portos, não afetando a pujança, o vigor ou a dimensão do programa, tudo bem.

Agora, naturalmente, a liderança do ministro Haddad, respeitada por todos nós como o condutor da área econômica, saberá o que é melhor.

P. – O sr. mencionou a pobreza energética e a restrição das pessoas a ter acesso à energia, e a nossa conta de luz é extremamente cara por excesso de subsídios. Vamos ver a queda dos subsídios no governo Lula e a redução da CDE [Conta de Desenvolvimento Energético, que agrupa vários benefícios]?

A. S. – Houve nos últimos anos um completo desgoverno, que usurpou o planejamento das políticas públicas, em especial as do setor elétrico. Estamos tentando retomá-la, mas o setor elétrico é um queijo todo dividido, especialmente na geração. Qualquer política pública que você tente implementar mexe no pedacinho do queijo de alguém. O que está acontecendo no Brasil é uma rearrumação, e toda rearrumação tem ranger de dentes.

Não sou crítico generalizado dos subsídios. Alguns subsídios sociais e destinado a algumas fontes podem até serem justos. Mas defendo que eles não devem ser pagos pelo consumidor de energia. Vamos buscar outras fontes de financiamento, porque a conta de energia, além atingir todas as famílias brasileiras, atinge de forma muito frontal a economia, porque é um insumo muito relevante da produção nacional.

P. – O sr. defende a transferência deles para o Tesouro Nacional?

A. S. – Defendo a discussão do financiamento da CDE, de onde nós vamos tirar recursos para subsídios. Mas não posso afirmar que será do Tesouro.

ALEXA SALOMÃO E FÁBIO PUPO / Folhapress

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