Brasil e EUA tomam direções contrárias na política de juros

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os juros dos Brasil e dos Estados Unidos seguiram direções opostas nesta quarta-feira (18).

Enquanto o Fed (Federal Reserve, banco central americano) realizou seu primeiro corte nas taxas desde 2020, num afrouxamento de 0,50 ponto após temores de desaceleração do mercado de trabalho americano, o Copom (Comitê de Política Monetária) decidiu elevar a Selic (taxa básica de juros) em 0,25 ponto percentual, citando resiliência da economia brasileira.

As escolhas distintas aumentam o diferencial de juros entre o Brasil e os EUA, o que pode jogar a favor do real. Nesta quarta, após a decisão do Fed e já com a expectativa de alta da Selic, o dólar fechou em queda de 0,47%, cotado a R$ 5,46 —na mínima do dia, a moeda chegou a ser cotada a R$ 5,41.

Quanto maiores os juros no Brasil e menores nos Estados Unidos, melhor para o real, que se torna mais atraente para investimentos de “carry trade” —isto é, quando investidores tomam empréstimos a taxas baixas e aplicam recursos em moedas de países de taxas altas, para rentabilizar sobre o diferencial de juros.

Por outro lado, a divergência mostra um descompasso entre as duas economias. Nos EUA, a expectativa é de novas quedas, e o Fed fala em confiança no controle da alta de preços. Já no Brasil, a tendência é que o ciclo de alta continue, com elevação das expectativas de inflação, atividade econômica aquecida e câmbio depreciado ainda no radar dos diretores de política monetária.

Ao divulgar sua decisão unânime de aumentar a Selic em 0,25 ponto, para 10,75% ao ano, o Copom afirmou que o cenário demanda uma política de juros mais contracionista, ou seja, que ajude a frear a força da atividade econômica para assegurar o controle da inflação.

Como justificativa, o colegiado citou a resiliência da economia brasileira, as pressões do mercado de trabalho, a elevação das projeções de inflação, as expectativas distantes da meta perseguida e o hiato do produto positivo (indicação de que a atividade está operando acima do seu potencial, ou seja, aquecida e sujeita a pressões inflacionárias).

O Copom deixou seus próximos passos em aberto e evitou se comprometer com a intensidade e com o tamanho do ciclo de alta de juros.

“O ritmo de ajustes futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”, disse o colegiado do BC em trecho do documento.

No cenário de referência do Copom, as projeções de inflação para este ano subiram de 4,2% para 4,3% e, para 2025, tiveram alta de 3,6% para 3,7%. A estimativa do indicador para o primeiro trimestre de 2026, horizonte de tempo na mira do BC, situa-se em 3,5% (era de 3,4% em julho).

Em agosto, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a inflação oficial do Brasil, desacelerou a 4,24%, após marcar 4,5% até julho. O forte crescimento da economia e a resiliência do mercado de trabalho, citados pelo comitê, podem gerar pressões inflacionárias.

A meta de inflação perseguida pelo BC é de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

O aumento desta quarta foi o primeiro em mais de dois anos –em agosto de 2022, a taxa subiu de 13,25% para 13,75% ao ano. A Selic ficou um ano parada naquele patamar até o início do processo de flexibilização do aperto monetário em agosto do ano passado.

Ao longo do ciclo de queda, houve recuo de 3,25 pontos percentuais no acumulado, com seis reduções de 0,5 ponto e uma de 0,25 ponto. Depois da sucessão de cortes, foram duas manutenções seguidas, nos encontros de junho e julho.

Esse foi o primeiro encontro do Copom desde que Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária, foi indicado à presidência do BC. Ele será sabatinado na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado em 8 de outubro. Se aprovado, fará a transição de comando neste cenário de elevação de juros.

Até o fim do ano, quando termina o mandato de Campos Neto, o Copom tem duas rodadas de reuniões: 5 e 6 de novembro e 10 e 11 de dezembro. No ano que vem, sete dos nove membros da cúpula do BC terão sido nomeados por Lula.

No comunicado, o Copom também disse que o ambiente externo permanece “desafiador” e que o movimento de “inflexão do ciclo econômico” nos EUA levanta dúvidas sobre os ritmos da desaceleração da economia e do processo de desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed.

“O comitê avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte de países emergentes”, disse o BC no comunicado.

A menor sincronia ficou evidente. Horas antes da divulgação do Copom, o banco central americano realizou um corte de 0,50 ponto percentual em suas taxas de juros, levando-as à faixa de 4,75% a 5,0%, e previu novos afrouxamentos ainda neste ano, afirmando que vê confiança no processo de controle da inflação. Foi a primeira redução nas taxas desde 2020.

“O comitê ganhou maior confiança de que a inflação está se movendo de forma sustentável em direção a [meta de] 2% e julga que os riscos para alcançar metas de emprego e inflação estão aproximadamente equilibrados”, disseram diretores do Fomc (comitê de política monetária dos EUA) em comunicado.

Dados de emprego mais fracos últimos meses levantaram dúvidas sobre se o banco havia demorado demais para reduzir as taxas. Após o anúncio, o presidente do Fed, Jerome Powell, negou que instituição tenha esperado muito tempo. “Não achamos que estamos atrasados. Mas essa mudança pode ser tomada como um sinal do nosso compromisso de não ficar para trás”, disse em entrevista a jornalistas.

O corte de 0,50 ponto percentual foi maior do que o ritmo mais habitual de 0,25 ponto do Fed e sugeriu que o banco está preocupado com as perspectivas de uma economia enfraquecida, após mais de um ano mantendo as taxas no nível mais alto desde 2001.

As novas estimativas econômicas desta quarta indicam que os diretores veem a taxa de referência caindo 0,50 ponto percentual até o fim deste ano, mais 1 ponto percentual em 2025 e, enfim, mais 0,50 ponto percentual em 2026, terminando o ciclo numa faixa de 2,75% a 3%.

Powell afirmou que as projeções dessa trajetória de cortes não implicam um processo urgente. “Não há nada que sugira que o Fomc esteja com pressa para fazer isso”, disse em referência à velocidade com que o banco provavelmente reduzirá os juros.

Atualmente, a inflação americana está cerca de 0,50 ponto percentual acima da meta de 2% do Fed. As novas projeções mostram, agora, a taxa anual caindo para 2,3% até o final de 2024 e para 2,1% até o final de 2025.

Os dados do mercado de trabalho nos EUA também estiveram no centro de preocupações recentes sobre a economia do país. O crescimento de empregos esfriou nos últimos meses e outras medidas de demanda, como vagas, também desaceleraram, embora o número de solicitações de benefícios de desemprego permaneça baixo.

O relatório de empregos em julho registrou o quarto aumento mensal consecutivo na taxa de desemprego —número que alarmou os mercados para uma possível recessão. Em agosto, o desemprego caiu, mas a criação de vagas continuou abaixo do esperado.

Powell afirmou que mesmo diante de pressões inflacionárias claramente reduzidas, ele ainda não está pronto para dizer que a pressão sobre preços definitivamente arrefeceu.

“Não estamos dizendo que a missão está cumprida ou algo parecido”, quando se trata de levar a inflação de volta a 2%, “mas devo dizer que estamos animados com o progresso que fizemos” para alcançar a meta, disse o presidente do banco.

Esta foi a última reunião do banco antes das eleições presidenciais, e o corte de juros será benéfico para a candidata democrata, Kamala Harris.

Com Reuters e Financial Times

NATHALIA GARCIA / Folhapress

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