SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A delegação do Brasil na Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) tenta desmobilizar uma proposta da União Europeia para taxar todas as emissões de gases de efeito estufa de navios, inclusive aqueles voltados para rotas nacionais. Na visão dos brasileiros, a medida encareceria os principais produtos de exportação do país, o que contribuiria para a queda do PIB (Produto Interno Bruto).
A IMO estipulou no ano passado a meta de zerar de forma gradual as emissões da indústria marítima até 2050. Até 2030, os navios precisarão reduzir em 40% suas emissões em relação às de 2008.
Para viabilizar essa redução, a IMO deve taxar as emissões de cada navio. O Brasil inicialmente se mostrou contrário à taxação, mas foi voto vencido. Agora, o país tenta mobilizar um grupo de países em desenvolvimento para enfraquecer uma proposta que, na visão dos brasileiros, tende a aumentar o frete de suas mercadorias.
Uma decisão final deve ser definida em abril. Antes disso, em fevereiro e março, as delegações dos países da IMO se reunirão em Londres para tratar sobre o tema.
A União Europeia quer que a IMO taxe todas as emissões dos navios, independentemente da meta estipulada pela organização. Nesse modelo, cada tonelada de CO2 custaria entre US$ 100 (R$ 581) e US$ 350 (R$ 2.034), e o valor arrecadado iria para um fundo destinado ao desenvolvimento de tecnologias de descarbonização do setor. A proposta é apoiada também pelos pequenos estados insulares em desenvolvimento, um grupo de 39 ilhas bastante afetadas pelo aquecimento global.
Já o Brasil apresentou uma proposta para que a taxação ocorra apenas sobre as emissões excedentes à meta. Nesse cenário, em números fictícios, caso a meta da IMO fosse 100 toneladas por navio e a embarcação emitisse 110, a empresa deveria pagar apenas pelas 10 toneladas emitidas a mais. Essa proposta é hoje apoiada por cerca de dez países, entre eles China, Egito, Bangladesh e Togo. Entre os países desenvolvidos, a Noruega também apoiou a proposta brasileira.
Como a União Europeia reúne 27 países e ainda conta com o apoio de outros países desenvolvidos e das 39 ilhas, é improvável que a proposta brasileira tenha mais adeptos. O Brasil acredita, porém, que quanto mais conseguir mobilizar países contrários ao modelo europeu, mais o bloco ficará suscetível a negociações. Isso porque uma divisão em torno do tema seria prejudicial à credibilidade da IMO, que também trata sobre assuntos de segurança marítima.
Para isso, a delegação brasileira tem apresentado a países em desenvolvimento estudos sobre como a taxação integral das emissões afetaria suas economias. Um levantamento feito pela USP, por exemplo, apontou que as economias emergentes exportadoras de commodities seriam as mais prejudicadas, enquanto alguns países desenvolvidos se beneficiaram da medida.
Segundo o estudo, a taxação de US$ 50 por tonelada de CO2 diminuiria o PIB real global em 0,04%, em relação aos valores de 2014. Quando analisados os números por região, porém, há diferenças consideráveis.
Os países da África seriam os mais prejudicados, com uma redução de 0,087% no PIB das nações da porção oriental do continente, de 0,067% na porção ocidental, de 0,049% na porção sul e de 0,010% na porção norte.
Já os países das Américas Central e do Sul teriam redução de 0,016%, semelhante a das nações do sul e do sudeste da Ásia. Os países europeus seriam os únicos a serem favorecidos, segundo o estudo, com um aumento de 0,004% do PIB.
Essas diferenças se dão devido aos impactos que as taxações teriam nas principais vendas dos países. No caso do Brasil, como as principais exportações do país (soja, petróleo e minério de ferro) têm a China como maior destino, os navios que transportam esses produtos precisam navegar distâncias mais longas e, por isso, emitem mais CO2. Assim, esses produtos seriam bastante afetados pela taxação proposta pelos europeus, cujos valores seriam repassados para o frete.
O encarecimento do frete, aliás, poderia alterar algumas cadeias globais, como a do minério de ferro. Hoje, o principal concorrente da Vale no mercado chinês são as mineradoras australianas e, à medida que o transporte da commodity do Brasil para a Ásia fica mais caro, os chineses podem optar por ampliar a compra do minério australiano. Essa é uma das preocupações da delegação brasileira.
Além disso, a taxação deve penalizar o transporte de mercadorias de baixo valor agregado, como é a maioria das exportações de países em desenvolvimento. Isso porque, como a taxação se dá por distância e não por preço do produto, o valor cobrado será mais significativo para as mercadorias mais baratas, como é o caso de soja e minério de ferro.
Na forma como as discussões na IMO têm se encaminhado, até mesmo as rotas marítimas nacionais (cabotagem) devem ser afetadas, o que o Brasil também tem refutado.
“Na viagem curta, o navio está toda hora entrando e saindo do porto, o que exige tempos de espera no porto, e o combustível queimado nesse período conta como emissões”, diz Luís Resano, diretor-executivo da ABCA (Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem). “Temos brigado na IMO para que não haja essa taxação na navegação doméstica, uma vez que essas emissões fazem parte do inventário do país e não do transporte marítimo.”
O receio do setor é que o encarecimento da cabotagem faça com que as empresas brasileiras optem por transportar suas mercadorias via caminhões, que hoje não têm limite legais de emissões.
Agora, a delegação brasileira se prepara para buscar um acordo com os europeus e os países insulares. No caso dos últimos, o Brasil tenta encontrar uma forma de taxação que não seja onerosa para os países em desenvolvimento, mas que ao mesmo tempo gere um fundo grande. Isso porque parte desse recurso deve ir para as 39 ilhas, o que também tem contribuído para que essas nações apoiem a proposta da UE.
“Nós somos contrários a qualquer medida cuja finalidade seja gerar recursos; queremos uma medida que provoque a transição energética”, afirma Flávio Mathuiy, assessor da Comissão Coordenadora do Brasil para os Assuntos da IMO. “Mas já identificamos que a questão central é o valor desse fundo, então, a saída seria, dentro do nosso modelo, criar mecanismos que aumentem a geração de recursos suficientes para resolver os problemas das ilhas e gerar uma garantia para os investidores de que a transição realmente vai acontecer.”
No ano que vem, porém, um novo ator vai entrar na disputa: os EUA de Donald Trump, forte crítico de medidas ambientais que penalizam a economia global. Até agora, segundo quem acompanha as discussões, os americanos têm sido tímidos nesta disputa diplomática.
PEDRO LOVISI / Folhapress