SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A região do Essequibo, objeto da renovada crise entre a Venezuela e a Guiana, já esteve no centro de outra disputa internacional por parte de sua área, protagonizada pelo Brasil e pelo Reino Unido.
Ao fim, o Brasil se deu mal, perdendo dois terços do território que almejava para si junto à região onde hoje fica a Terra Indígena Raposa Terra do Sol, em Roraima -cuja demarcação teve uma história atribulada, só solucionada pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, mas que segue causando conflitos e influenciando decisões como a da corte acerca do marco temporal.
As contendas territoriais na região remontam à colonização europeia da América do Sul, a partir do século 16. No fim dele, holandeses começaram a dominar a região costeira do Caribe no continente, as Guianas, que faziam fronteira com as possessões espanholas a oeste e as portuguesas, a sul.
Os franceses também se estabeleceram na região que deu origem à Guiana Francesa, ainda sob controle de Paris nos dias de hoje, e as idas e vindas de Napoleão Bonaparte na virada do século 19 ampliaram e depois reduziram o controle do país sobre a região.
Com Napoleão derrotado, os britânicos tomaram parte de seus territórios na região e pressionaram a agora enfraquecida Holanda a ceder. Esta é a origem da crise de Essequibo, pois o recém-criado Estado da Venezuela buscou para si a fronteira que a Espanha já tinha tido no passado, junto ao rio homônimo.
O Brasil entra na confusão já no início do século 19. Em 1810, há relatos de tropas portuguesas vetando a passagem de forças exploratórias britânicas na região. Com o estabelecimento definitivo da Guiana Inglesa, em 1831, o desejo britânico pelas terras ao sul do território, com acesso à bacia do rio Amazonas, aumenta.
Um missionário, Thomas Yond, passa a trabalhar na área e servir de arauto moral para a propaganda vitoriana. Já um cartógrafo alemão, Robert Schomburgk, explorou extensamente o território em 1841 e, a exemplo que outros faziam na África, ofereceu uma sugestão de fronteira na região onde hoje é Roraima para Londres.
Em 1843, começou um longo périplo de demandas diplomáticas lado a lado. O Brasil, já um império independente, lidava com instabilidade política grande: a Cabanagem, revolta popular onde hoje é o Pará, havia durado cinco anos e acabado em 1840.
A decisão final começou a se desenhar em 1898, quando os impérios Britânico e do Brasil aceitaram o Reino da Itália como árbitro da questão. Duas propostas foram feitas pelos brasileiros e três, por Londres, em um processo que começou de fato em 1901, quando a República já havia sido declarada no Rio.
O notório diplomata Joaquim Nabuco (1849-1910), um dos grandes nomes do abolicionismo, foi indicado para representar o Brasil. Sua pretensão era manter o território da atual estado de Roraima até o rio Rupunúni, na região do rio Pirara, um afluente do Essequibo, garantindo o acesso brasileiro à bacia daquele curso d’água, que acaba no Caribe.
O rio deu nome à chamada Questão do Pirara, como ficou conhecida a contenda. Ao fim, em 1904, o rei Vittorio Emmanuele 3º cedeu 19,6 mil km2, ou cerca de dois terços da área disputada, para o Reino Unido. Nabuco considerou a derrota um dos maiores fracassos de sua carreira.
A perda territorial foi uma das únicas da história da formação da fronteira brasileira. Na região, os franceses invadiram o Amapá em 1895, levando a uma arbitragem internacional na Suíça que deu ganho de causa ao Brasil sobre o território, então também conhecido como Guiana Brasileira, nas fronteiras determinadas por um tratado de 1713 entre Portugal e França.
A ironia da Questão do Pirara na crise atual é que ela evidencia que aquele território nunca foi reclamado pelos espanhóis, de quem os venezuelanos são herdeiros territoriais. Logo, Nicolás Maduro está assumindo para si uma demanda já vencida do Brasil no século 19, naquele canto inferior do mapa junto a Roraima, claro.
Isso ocorreu, segundo o livro “A Questão do Rio Pirara” (Funag, 2009), de José Theodoro Mascarenhas Menck, devido a um erro de um burocrata do governo britânico. Durante os procedimentos de arbitragens que levaram ao laudo de 1899 deixando Essequibo com Londres (e, depois, a Guiana independente em 1966), ele entregou um mapa que incluía tanto as fronteiras disputadas com a Venezuela quanto as com o Brasil.
A Venezuela rechaça o laudo de 1899, elaborado em Paris, como disse no acordo que tenta ressuscitar para discutir a questão fronteiriça, que foi estabelecido com os britânicos nos estertores do controle colonial sobre a Guiana. Mas o mapa segue valendo para fins de reivindicação.
IGOR GIELOW / Folhapress