DÉLI, ÍNDIA (FOLHAPRESS) – O Brasil reforçou sua cruzada contra o que considera ser um neocolonialismo ambiental da União Europeia. O governo brasileiro incluiu no comunicado do G20 uma crítica à legislação europeia antidesmatamento, com apoio da Indonésia, outra potência florestal, e às exigências ambientais que a UE quer incluir em seu acordo comercial com o Mercosul. O documento ressalta a necessidade de evitar políticas ambientais discriminatórias, que violem regras da Organização mundial de comercio (OMC). A lei europeia, que entrou em vigor em junho, prevê sanções contra países que não comprovarem as empresas que exportações de óleo de palma, soja, café, cacau, carne e outros não estão ligadas a desmatamento ocorrido após 31 de dezembro de 2020.
O assunto também será levantado na conversa bilateral que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá com o presidente francês, Emmanuel Macron, no domingo (10) de manhã. Lula já criticou publicamente esse tipo de exigência.
“Expus à presidente Von der Leyen as preocupações do Brasil com o instrumento adicional ao acordo apresentado pela União Europeia em março deste ano, que amplia as obrigações do país e as torna objeto de sanções em caso de descumprimento. A premissa que deve existir entre parceiros estratégicos é a da confiança mútua e não de desconfiança e sanções”, disse Lula em junho, após reunião com Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.
Na semana passada, o embaixador do Brasil na UE e embaixadores de mais 12 países enviaram uma carta a representantes da UE dizendo que a legislação é discriminatória e não é consistente com as regras da OMC.
A missiva afirma que a lei europeia não leva em conta “circunstâncias e as capacidades locais, as legislações nacionais e os mecanismos de certificação dos países produtores em desenvolvimento, bem como seus esforços para combater o desmatamento e os compromissos assumidos em foros multilaterais”.
Nos temas ambientais, recentemente o Brasil tem se alinhado mais com os EUA do que com a UE. Ao lado do governo americano e indiano, Brasília também incluiu no texto do G20 mençao à Aliança Global de Biocombustíveis, uma iniciativa liderada pelos tres países, e com participação de outras 19 nações. A UE resistiu, a princípio, porque, ao lado da China, aposta mais na energia elétrica como principal vetor da transição energética.
A Aliança será lançada neste sábado (9) às margens da cúpula do G20, em Deli, com participação do presidente Lula, do presidente dos EUA, Joe Biden, e do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.
O objetivo é estimular a produção e o consumo do etanol no mundo. No total, 19 países participam da iniciativa.
Os EUA respondem por 55% da produção mundial, seguidos pelo Brasil, com 27%. A Índia é a quinta maior produtora, com 3%, atrás da UE, com 4,8%, e da China, com 3,1%.
Os EUA produzem etanol de milho, menos competitivo e eficiente que o etanol. Mas o lobby dos produtores de milho nos EUA é poderoso e o governo busca formas de escoar a produção, ainda mais diante das tensoes nas relações com a China, que eram um dos principais importadores do milho americano e cortaram significativamente suas compras. Além disso, a eletrificação avança nos EUA.
Segundo Evandro Gussi, presidente da União da Indústria da Cana-de-açúcar e Bioenergia (UNICA), a aliança deve reforçar o tipo de cooperação que o Brasil já tem com a Índia e disseminar para outros países. Segundo ele, há quatro anos, o Brasil passou a compartilhar com os indianos tecnologia de etanol, o que teria acelerado o programa indiano.
“Com a aliança, esse movimento (com essa iniciativa e outras que desenvolvermos) será acelerado e poderá ser levado a mais países com vocação para bionergia ao mesmo tempo”, diz Gussi.
A Índia tem uma matriz energética muito dependente do carvão, que responde por cerca de 70% do consumo de energía – e, apesar de ter uma emissão de CO2 per capita baixa, é o terceiro maior emissor do poluente no mundo. Nos últimos sete anos, segundo a consultoria Embers, as emissões da Índia cresceram 28,9% e o país luta para ter mais energia de fontes limpas. Ao mesmo tempo, a Índia tem grandes excedentes de açúcar, que podem ser usados para produzir etanol
PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress