Brasil lidera discussão sobre financiamento em ‘Acordo de Paris’ contra poluição plástica

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em 2023, o estado de Nova York (EUA) moveu uma ação contra a PepsiCo porque o resíduo plástico de seus produtos estaria poluindo as águas do rio Buffalo. Na França, um ano antes, a Danone foi processada por organizações ambientais por não ter reduzido suficientemente o impacto ambiental dos resíduos plásticos de seus produtos.

O contexto de litigância do qual emergiram as negociações do Tratado Global Contra a Poluição Plástica, da ONU, que pretende reduzir o impacto desses resíduos no ambiente e deve ser concluído no final de 2024, levanta outra questão.

Se territórios desenvolvidos enfrentam dificuldades em lidar com a poluição plástica gerada por produtos pós-consumo, o que dirá os países em desenvolvimento que já sofrem com a falta de infraestrutura e legislação adequadas sobre o tema?

Entre as pautas sensíveis das negociações do tratado, o Brasil tem liderado o debate sobre financiamento das medidas necessárias ao cumprimento das obrigações previstas para o documento. E propôs a criação de um grupo de trabalho (GT) interseccional sobre o tema.

Aprovado e formado durante a quarta e penúltima rodada de negociações, ocorrida em abril passado em Ottawa, no Canadá, o GT vai apresentar uma proposta no encontro que deve selar o acordo, em novembro, na Coreia do Sul.

“Existe uma grande disparidade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento no que se refere à infraestrutura disponível para tratamento de resíduos, tanto em termos de recursos financeiros como de tecnologia”, explica a ministra Maria Angélica Ikeda, diretora do departamento de meio ambiente do Ministério das Relações Exteriores e chefe da delegação brasileira nas negociações do tratado.

“O acordo precisa prever mecanismos de financiamento robustos para que os países em desenvolvimento possam implementar as obrigações”, diz.

Segundo Ikeda, o Brasil liderou conversas sobre o assunto, às quais também se juntaram as delegações dos EUA e da Suíça. “Estamos buscando engajar não apenas os países em desenvolvimento, como os países doadores, para que possamos chegar a um entendimento sobre um mecanismo financeiro.”

Para o secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Adalberto Maluf, que também participa das negociações, a adesão de norte-americanos e europeus ao debate sobre financiamento reflete esforços em contemplar demandas que favoreçam a aprovação do acordo ainda neste ano, na Coreia.

O pano de fundo é o das incertezas políticas nesses territórios, que podem ameaçar o trabalho realizado até aqui. Donald Trump, célebre opositor dos acordos climáticos, por exemplo, pode voltar ao poder.

Lista **** Segundo o secretário, o GT deve fazer “o dimensionamento dos investimentos necessários para a promoção da economia circular, da reciclagem e de novos modelos de negócios, assim como mais linhas de cooperação e capacitação, desde a avaliação de riscos e impactos da poluição, aditivos e químicos de preocupação, assim como capacitação e transferência de tecnologias para o fomento da reciclagem, do ecodesign, da reutilização e do refil”.

De acordo com o conselheiro da ONU e presidente da ISWA (International Solid Waste Association), Carlos da Silva Filho, “todas as expectativas estão nesses grupos de trabalho, para que se encontrem alternativas de financiamento aceitáveis pela plenária, e o acordo fique de pé”.

Para ele, caso essas negociações sobre financiamento não avancem, “teremos novamente uma lista de desejos no papel que não vão acontecer na prática”.

O tratado deve ser o maior pacto ambiental do planeta desde o acordo climático de Paris de 2015.

O consumo global de plástico quadruplicou nos últimos 30 anos, segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Essa produção deve dobrar até 2050, o que pode concretizar a previsão de que, se nada for feito, neste ano haverá mais plástico do que peixe no mundo. A taxa global de reciclagem de plástico é de apenas 9%.

Apesar das evidências, a discussão sobre redução da produção de plástico é o ponto mais contencioso das negociações, polarizada por dois grupos de países.

De um lado, os 66 que compõem a chamada High Ambition Coalition, liderada pela União Europeia, querem reduzir a produção global de plástico. De outro, países produtores de petróleo, do qual o plástico é um derivado, como Rússia, Irã, Índia, China e Arábia Saudita, se opõem a qualquer limite de produção.

“Este é um tratado complexo porque o tema plástico envolve muitos interesses”, avalia Lara Iwanicki, da ONG Oceana. “Há desde as petroquímicas e grandes marcas que embalam seus produtos em plástico até consumidores e a comunidade científica, preocupados com o plástico no mar ou o microplástico no corpo humano. Há ainda países pequenos que não produzem plástico, mas dependem do turismo e recebem esse lixo em suas praias por conta da dinâmica das correntes marinhas.”

Luísa Santiago, diretora da Fundação Ellen MacArthur, que liderou em 2018 um acordo voluntário com 20% das empresas que usam plástico em suas embalagens, o Compromisso Global para uma Nova Economia do Plástico, admite que há limites nesse tipo de arranjo eletivo.

“Compromissos voluntários não vão acabar com a poluição plástica, mas são importantes para determinar caminhos para a indústria. O debate cresceu tanto que se tornou global e apontou para a necessidade de mecanismos juridicamente vinculantes”, afirma.

Para Santiago, um dos resultados desse processo foi a formação de uma coalizão de empresas em prol do Tratado Global Contra a Poluição Plástica, com gigantes como Unilever, PepsiCo, Coca-cola, Carrefour, Nestlè e L’Oreal.

Um dos vetores da coalizão, avalia, é a complexidade que essas indústrias têm por serem multinacionais. “As leis e regulações são diferentes em cada país. Então, criar regras do jogo que funcionem em todo o mundo é uma coisa que a indústria vê com ótimos olhos, mesmo que isso signifique ter que investir em determinados mercados para poder se ajustar.”

Ainda assim, o professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pesquisador de poluição plástica Ítalo Braga avalia que o tratado deve resultar em algo menos ambicioso do que se pretendia.

“A produção cresce exponencialmente enquanto a capacidade de reciclagem engatinha a passos lentos. E, quando se fala em redução de produção, não se trata de banimento do plástico, mas de uma parcela daqueles de uso único de que aparentemente a gente pode prescindir”, afirma.

Para o presidente da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico), Paulo Teixeira, é preciso desenvolver uma régua para determinar o que é ou não desnecessário e o que é ou não problemático, e não só para o plástico. Ele usa como exemplo a famigerada sacola plástica descartável.

“Proibir a sacola tem impacto na varrição das cidades e no orçamento das famílias das classes C e D, que terão de comprar sacos de lixo mais caros”, argumenta.

Teixeira lembra que o banimento de sacolas plásticas muitas vezes levou a sua substituição por versões oxibiodegradáveis, que são de plástico comum com um químico a mais que acelera seu processo de degradação, formando microplásticos.

“É preciso saber o que vai ser substituído e por qual material, para não deixar brechas”, diz ele, para quem o tratado não contempla um debate que julga fundamental. “A gente está perdendo a oportunidade de discutir o nosso modelo de consumo e de produção, porque a poluição é um pouco sobre isso.”

FERNANDA MENA / Folhapress

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