SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mesmo com a chegada de novas empresas aéreas “low cost” nos últimos anos, o Brasil observou esse segmento, que promete passagens a preços mais baratos do que bilhetes oferecidos por companhias tradicionais, perder trajetos para a Europa e se concentrar ainda mais na América Latina.
De acordo com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), apenas cinco companhias aéreas operam voos considerados “low cost” no país –todas são marcas de origem internacional.
A Air Europa é a única desse segmento que oferece rotas para o continente europeu. São dois trajetos que ligam Guarulhos e Salvador ao aeroporto internacional Adolfo Suárez, em Madri.
As outras quatro empresas são Arajet, recém-chegada no mercado brasileiro, Flybondi, JetSmart e Sky Airline. Juntas, operam voos para Argentina, Chile, Uruguai, Peru e República Dominicana.
Ainda para este ano, a Anac prevê o começo da operação de quatro rotas da Sky Airline: Confins (Minas Gerais) para Santiago, Brasília para Santiago, Rio de Janeiro para Lima e Rio de Janeiro para Montevidéu.
Durante a pandemia, esse segmento sofreu algumas perdas. Uma delas foi a interrupção das operações da alemã Condor no país. De acordo com os registros da Anac, a atuação da empresa no país começou no fim de março de 2018 e durou até novembro do ano seguinte.
As rotas operadas pela Condor, também considerada como uma “low cost” pela autarquia, ligavam os terminais de Recife e de Fortaleza a aeroportos da Alemanha, em Frankfurt e em Munique.
A saída da Condor reflete o atual cenário vivido no Nordeste brasileiro. Os principais aeroportos dessa região (Fortaleza, Recife e Salvador) ainda amargam um baixo número de rotas internacionais depois do baque sofrido na pandemia, e a recuperação é mais lenta do que nos terminais do centro-sul do país.
A Norwegian foi outra aérea de baixo custo que decidiu sair do Brasil. Segundo a Anac, a empresa norueguesa deixou de fazer o trajeto entre o Galeão, no Rio de Janeiro, e o aeroporto Gatwick, em Londres, também durante a pandemia.
A movimentação nos aeroportos da capital fluminense ganharam atenção do governo federal nos últimos meses, e um plano de reequilíbrio entre os fluxos do Santos Dumont e do Galeão foi colocado em prática.
Especialistas dizem, porém, que a cidade vem perdendo turistas por causa de problemas econômicos e de segurança pública.
Para o economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, o Brasil vive hoje um cenário com diversos fatores que dificultam a chegada de companhias aéreas “low cost”.
Os obstáculos, segundo ele, vão desde problemas macroeconômicos, como juro alto, a entraves como complexidade tributária e insegurança jurídica relatada pelo setor.
“É uma tempestade perfeita. Para as empresas que não são ‘low cost’ operando aqui, já é um ambiente muito difícil, por causa dessas condições. Houve um choque pandêmico, um surto inflacionário que levou ao aumento dos juros. O custo de capital aumentou, e as empresas são muito sensíveis a isso”, afirma.
Frischtak diz que, no Brasil, o temor de interferência política nas agências regulatórias também afasta companhias do segmento e outros investimentos em infraestrutura, no geral.
O professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa) José Roberto Afonso afirma que, além do alto índice de indenização judicial cobrado às empresas, o setor vem sofrendo com o valor do querosene de aviação, o QAV. Segundo ele, isso dificulta a otimização dos custos e, por consequência, afeta a oferta de passagens a valores mais baixos.
No acumulado de 2023 até outubro, o preço do combustível de aviação estava em R$ 4,14 por litro.
Não há um consenso bem definido sobre o que pode caracterizar uma companhia aérea como “low cost”, termo em inglês usado pelo setor para as empresas que funcionam a baixo custo operacional e, por isso, ofertam passagem mais baratas.
Embora a Anac tenha sua lista desse segmento, a agência afirma que a regulamentação da aviação civil não prevê tal classificação, pois se trata de um termo criado pelo mercado.
No entendimento da autarquia, são consideradas “low cost” companhias que separam, na venda, o serviço principal –ou seja, o transporte aéreo de passageiros– dos serviços acessórios, como alimentação e despacho de bagagens, que são cobrados à parte.
Tais restrições permitem a essas empresas reduzir o preço do bilhete. Alguns representantes do setor também levam em conta fatores como o tipo da frota para a classificação de uma empresa como “low cost”.
Dany Oliveira, diretor-geral da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo) no Brasil, afirma que o mercado aéreo brasileiro tem uma deficiência se comparado a outros países, em razão de custos como os de combustível e de judicialização. Por isso, diz, companhias desse tipo vão testando o mercado brasileiro com poucos voos.
“Uma ‘low cost’ precisa ter um modelo de negócio que vai trabalhar com volume, porque a margem dela é muito pequena. A empresa tenta minimizar o seu custo ao máximo. Assim, ela consegue oferecer esse produto diferenciado, mais barato para os passageiros.”
Mais nova empresa do segmento a começar a operar no Brasil, a dominicana Arajet disse à reportagem que o Brasil foi o mercado que teve o melhor desempenho para a companhia nos últimos meses de 2023.
A empresa, que faz a rota entre Santo Domingo e São Paulo, afirmou que, até junho, os assentos disponíveis semanalmente para o trajeto vão crescer de 560 para 980 poltronas.
No entanto, questionada sobre a possibilidade de criar novos trajetos com destino a outras cidades brasileiras, a empresa disse que essa é uma opção de estratégia a longo prazo.
Novas rotas potenciais estão em processo de análise, segundo a companhia, que prefere ser chamada de “empresa aérea de preços baixos”, em vez de “low cost”, apesar de a Anac considerá-la como uma empresa de baixo custo.
PAULO RICARDO MARTINS / Folhapress