SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Até 2025, o Brasil deve registrar quase 120 mil novos casos de câncer de cabeça e pescoço, conjunto de tumores que atingem a região da boca, faringe, laringe, cavidade nasal e outras mucosas da cabeça. Casos em jovens têm crescido e preocupado médicos.
Até o final do último século, os tumores de cabeça e pescoço eram mais comuns em homens, com mais de 50 anos, e tinham como causa principal o tabagismo e o consumo em excesso de álcool. Agora, têm aumentado a incidência em mulheres e jovens, principalmente na faixa de 20 a 40 anos.
Se há 30 anos a proporção de diagnósticos de tumores de cabeça e pescoço era de oito homens para cada caso diagnosticado em mulheres, hoje esta proporção está em dois casos em homens para cada caso em mulher.
“E temos observado também muitos casos em jovens, com 20, 30 anos”, afirma Luiz Paulo Kowalski, professor titular de oncologia da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP) e líder do Centro de Referência em Tumores de Cabeça e Pescoço do A.C. Camargo
Para ele, isso se deve ao aumento do consumo de cigarro entre mulheres e, no caso dos mais jovens, já existem estudos associando a infecção por HPV (vírus do papiloma humano) com novos casos.
O médico diz que o sexo oral desprotegido, além de baixa cobertura vacinal, são possíveis fatores que contribuem para esses casos, sobretudo de laringe e faringe. “Vários estudos recentes levaram à descoberta de muitos desses casos relacionados com a infecção por HPV, principalmente quando os tumores estão localizados na região da boca e base da língua.”
É o caso do policial militar Alexandre Viana, 39. Ele descobriu um carocinho em dezembro último e recebeu o diagnóstico em fevereiro deste ano. Sem ser fumante ou beber, o PM afirma que, depois de uma série de exames de sangue, os médicos suspeitam que seu tumor surgiu devido a uma infecção por HPV. “Sempre ouvi do HPV associado ao câncer de colo de útero em mulheres, mas agora está dando também em homens e pode causar esses tumores de cabeça e pescoço, foi o que os médicos me explicaram”, disse.
Viana seguiu vários caminhos até chegar ao diagnóstico definitivo, muito porque existe também uma falta de médicos especializados em tumores de cabeça e pescoço. Após um primeiro contato médico que indicou a possibilidade de ser um tumor, ele procurou um hospital de referência em câncer de cabeça e pescoço em Brasília. O exame da biópsia e imuno-histoquímica (que determina qual o tipo de tumor) confirmou carcinoma (tumor) de orofaringe.
“Quando falávamos de prevenção de câncer de cabeça e pescoço há 30 anos, era evitar cigarro e beber, alimentar-se bem. Agora, são todos esses hábitos e a vacinação contra HPV, que, infelizmente, sabemos que não está indo tão bem, apesar de estar disponível na rede pública”, afirma o médico.
No SUS, a vacina contra o HPV é ofertada para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14, mas as coberturas vacinais nos últimos anos seguem em queda. Em 2022, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde, a cobertura de primeira dose em meninas estava em 75% e a de segunda, em 57%. Já em meninos é mais preocupante: 52% e 36%, respectivamente.
De acordo com estimativas do Inca (Instituto Nacional do Câncer), no triênio 2023 a 2025 são esperados 15,1 mil novos casos de câncer de boca, 16.660 casos de tireoide e 7.790 de laringe para cada ano. Tirando os melanomas (câncer de pele) e tumores cerebrais, o câncer de cabeça e pescoço é o principal tipo de tumor na região.
Os cânceres de laringe e faringe representam cerca de 6% a 7% dos novos diagnósticos no país, e o de tireoide responde por mais 2% a 3%. “Isso faz com que a incidência de tumores de cabeça e pescoço na população seja em torno de 9%. Os outros tipos, de glândulas salivares, seios nasais e base do crânio, são mais raros”, diz Kowalski.
DIAGNÓSTICO PRECOCE
Apesar de terem um bom prognóstico de cura, com tratamento já bem conhecido, a detecção no início é fundamental para conseguir eliminar totalmente o tumor, sem que sejam necessárias cirurgias de remoção completa da faringe e laringe. A terapia convencional combina a quimioterapia com cirurgia, se for um nódulo de fácil remoção e ainda em fase inicial, ou quimio e radioterapia, para casos mais avançados.
Um problema, lembra o médico, é que cerca de 70% a 80% dos casos só são diagnosticados já em estágio avançado. “Seja por falta de conhecimento dos médicos que fazem o primeiro atendimento, que não são especializados para reconhecer a lesão, seja pelos próprios pacientes que, sem saber, acreditam ser apenas uma afta ou alguma outra coisa de menor importância”, explica.
Kowalski lembra que a pandemia da Covid causou ainda um atraso nos novos diagnósticos. “Muitas pessoas retardaram a procura por atendimento, e o que estamos vendo hoje é um grande número de pacientes com a doença já avançada e, em alguns casos, intratáveis.”
Isso porque a maioria dos tumores de boca e garganta não tem sintomas inicialmente. Em geral, as lesões que surgem no começo podem ser brancas ou vermelhas, não causam dor e não desaparecem após mais de duas semanas, no caso da boca, ou então os pacientes têm a sensação de algo preso na garganta, com um incômodo de algo arranhando ou presença de carocinhos.
No caso do policial militar, o tratamento contou com oito sessões de quimioterapia três sozinhas e cinco em conjunto com a radioterapia e 30 de radioterapia, completadas no último dia 20 de julho no A.C. Camargo. Ele voltou para casa, em Porto Velho, Rondônia, onde mora com a esposa e as duas filhas.
“Ainda preciso retornar para um último exame daqui a alguns meses, mas o PET-Scan [tipo de ressonância magnética] que fiz durante o tratamento mostrou uma remissão de praticamente 100%”, afirma.
Apesar dos efeitos colaterais da quimioterapia, ele comemora não ter realizado cirurgia, cuja recuperação é mais demorada. “Tenho um pouco de dificuldade ainda de comer e durante o tratamento não sentia gosto, mas pelo menos não tive problemas com as cordas vocais.”
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SINTOMAS DE CÂNCER
Laringe
– Roquidão
– Dificuldade para engolir alimentos ou sensação de algo preso na garganta
– Dor de garganta ou ouvido persistentes
– “Carocinho” no pescoço
– Tosse constante
– Dificuldade respiratória
– Perda de peso sem motivo
Cavidade oral
– Lesão esbranquiçada na boca, parecida com uma afta, que não melhora
– Mancha vermelha persistente na boca, que pode sangrar
– Ferida na boca que não cicatriza após 15 dias
– Perda ou amolecimento de dentes
– Nódulo no pescoço
– Massa ou nódulo na língua, nas gengivas ou no rosto
– Dificuldade para mexer a língua, mastigar ou engolir alimentos
– Mau hálito constante
– Perda de peso inesperada
ANA BOTTALLO / Folhapress