Brasil quer dar ‘empurrão que faltava’ para integrar bancos multilaterais

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A principal contribuição do Brasil para a proposta de reforma das instituições financeiras multilaterais, como o Banco Mundial, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco dos Brics, é a integração das organizações para que atuem de forma sistêmica e coordenada em resposta aos atuais desafios globais.

Segundo o representante do Brasil no Banco Mundial, Marcos Chiliatto, a ideia é que as instituições compitam menos entre si e harmonizem seus processos, como salvaguardas ambientais e sociais, até a mensuração de resultados.

Ponte do Ministério da Fazenda com as reuniões de primavera dos bancos, que acontecem nesta semana em Washington (EUA) –em paralelo a um novo encontro de ministros da economia e presidentes de bancos centrais do G20 — , o economista diz que o maior problema dessa agenda é o aumento de capital.

Em entrevista à Folha, Chiliatto antecipa ainda um dos anúncios previstos para essa semana: uma plataforma com o objetivo de mobilizar até US$ 40 bilhões em financiamento de projetos para responder aos chamados oito desafios globais, como acesso a energia, segurança alimentar e prevenção de pandemias.

*Reforma da arquitetura financeira internacional*

*Marcos Chiliatto -* Essa é uma agenda que não começa agora, ela já vem das das últimas duas ou três presidências do G20. Os bancos foram empurrados a ter maior apetite ao risco, ser mais inovadores na forma de mobilizar recursos, a fazer mais sobretudo pelo clima -o que era uma novidade, porque os países, principalmente os desenvolvidos, tinham um approach mais conservador. Era uma aversão muito grande ao risco para evitar a necessidade de aportar mais recursos.

O que é novo na presidência brasileira é o empurrão que ela está dando para os bancos funcionarem de forma sistêmica e mais coordenada. O Banco Mundial é o primeiro banco da arquitetura de Bretton Woods, quando se criou também o FMI, e depois disso houve uma proliferação de instituições. O Brasil está bem posicionado nessa arquitetura toda, participa de todos esses espaços. Isso é uma coisa muito rara. Por isso, está em uma condição excelente de fazer esse empurrão que faltava.

Menos competição entre eles, que os processos sejam harmonizados também, porque cada banco tem as suas políticas de fazer salvaguardas ambientais e sociais, de medir resultados. Uma grande contribuição do Brasil é montar um roteiro de trabalho para que os bancos consigam fazer uma harmonização e trabalhar de forma sistêmica.

*Resistências às reformas*

*Marcos Chiliatto -* Não acho que existam resistências, de forma geral. Não são exatamente divergências, mas cada instituição tem a sua governança. Isso explica algumas diferenças. Os europeus, por exemplo, têm uma tradição muito forte no tema das salvaguardas ambientais e sociais, então nos bancos em que eles têm maior peso esses temas avançaram muito mais. Os bancos da Ásia são novos, essa é uma agenda que está crescendo agora.

Onde vai ter mais divergência é no tema de aumento de capital. A ideia não é só ser sistêmico, a ideia é ser maior, melhor e mais efetivo -esse é o slogan. Aí obviamente os EUA, por exemplo, colocam mais resistência [ao aumento de capital] por questões fiscais, eu imagino. Como eles são grandes acionistas em vários desses bancos, no Banco Mundial eles têm 16%, no BID têm 30%, então cabe a eles colocarem mais recursos.

Então primeiro tem um custo fiscal, e segundo, o aumento de capital é uma oportunidade também para eles serem diluídos. A agenda principal dos chineses no Banco Mundial, por exemplo, é aumentar sua participação, porque eles estão sub-representados.

*Aumento da contribuição brasileira*

*Marcos Chiliatto -* Esse é o trabalho, reformar as instituições, e aí, sempre que houver o espaço fiscal, também fazer essa contribuição. Esse é um tema de atenção no Brasil, entregar resultados fiscais. Agora, isso também seria para o futuro. O Banco Mundial não está discutindo nesse ano o aumento de capital. No ano que vem, haveria uma discussão, chamada Shareholding Review, que o banco faz a cada cinco anos, em que há uma fórmula de recálculo e isso vem empurrando essa agenda para melhorar a distribuição do poder de voto.

*Atração de investimentos para o Brasil*

*Marcos Chiliatto -* Claro que é uma prioridade do ministro Haddad, inclusive uma parte do setor privado está reclamando disso, eles queriam mais interações com o ministro [nesta semana]. O [secretário de Política Econômica] Guilherme Mello vem para cá muito para isso, para fazer encontros com investidores, porque o ministro é o presidente da rodada do G20, esse é o foco principal dele. Há um evento também na Câmara de Comércio dos EUA para falar da agenda comercial e do sucesso da reforma tributária. Esse é um momento para esse trabalho de promoção do Brasil. Mas tem essa pressão ‘queríamos mais ministro’. Então o Guilherme Mello vem muito por isso também, ele tem uma agenda frenética.

*Comunicado do G20*

*Marcos Chiliatto -* Eu entendo que não há ideia de um comunicado final. Estamos trabalhando para ter um comunicado nas reuniões do FMI e do Banco Mundial, então não faz muito sentido ter um comunicado também do G20.

A coisa dos comunicados tem sido muito complexa por conta de temas que não têm nada a ver com a agenda em discussão. Em São Paulo chegaram a acordos superinteressantes em temas de desigualdade, tributação, a busca de um enquadramento comum para a dívida. Mas por conta de tensões geopolíticas, não se chega a um acordo para um comunicado. Claro que isso é frustrante, mas isso não representa as dificuldades, nem no track do sherpa, nem no track de finanças. São temas que estão além dos acordos que a presidência brasileira ou qualquer outra presidência pode construir.

*US$ 40 bi em financiamento contra desafios globais*

*Marcos Chiliatto -* Antecipando algo que o Banco Mundial vai anunciar, a gente conseguiu chegar a um acordo para a construção de uma plataforma para mobilizar até US$ 40 bilhões nos próximos dez anos para enfrentar o que chamamos de oito desafios globais. Falo isso porque, apesar dessas tensões geopolíticas, o multilateralismo pode entregar resultados. Isso foi muito resultado da nossa participação nas discussões do banco.

A plataforma envolve um componente de capital híbrido, no qual países desenvolvidos vão aportar recursos. Ele é híbrido porque é uma contribuição voluntária e não muda a distribuição de poder de voto. E ele também tem garantias. Por exemplo, o Japão colocaria US$ 1 bilhão de garantias.

O Brasil teve um papel importante nessa negociação, porque no formato inicial, quando começou a ideia, eles falavam de ‘preference’: o país coloca recursos e diz para onde vai seu uso. Eu coloco aqui 350 milhões de euros, por exemplo, mas a minha preferência é saúde, independente da estratégia nacional de desenvolvimento [de quem recebe], ou como o país quer usar o banco. O nosso trabalho foi de construir um acordo em que, em vez de você criar múltiplas janelas de contribuição, todo mundo entra em uma plataforma.

Se confirmados, esses US$ 40 bilhões são mais do que o último aumento de capital do Banco Mundial, em 2018, para se ter uma ideia.

Tributação de super-ricos

Esse tema não vai estar em discussão agora no encontro de ministros do G20, deve ficar para junho e julho. Mas acho que o Brasil conseguiu colocar isso em pauta. Pode ser uma forma de financiar o combate aos problemas que a humanidade enfrenta de forma justa.

Há algumas resistências técnicas, aquela coisa ‘ah, mas se você tributa a riqueza, ele escapa para outro espaço’, então tem essa discussão. Mas nas interações que temos tido com vários países, a gente percebe uma boa recepção. Até mesmo nos EUA, claro que parte do Tesouro é mais resistente, mas o Biden tem essa agenda de tributação dos super-ricos. É uma agenda muito forte na França, obviamente, mas também na Austrália, no Canadá, na África do Sul, a próxima presidência do G20. Agora é algo que, naturalmente, toma tempo para construir os consensos, implementar.

*Raio-X | Marcos Chiliatto, 39*

Diretor-executivo do Banco Mundial pelo Brasil. Tem bacharelado e doutorado em economia pela Unicamp e mestrado pela UFRJ. Antes, trabalhou no BID e na Cepal.

FERNANDA PERRIN / Folhapress

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