Brasil tem 321 mil endereços em vias públicas sem nome, segundo Censo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dados do Censo divulgados pelo IBGE nesta sexta (14) mostram que ainda existem 321 mil endereços em ruas e outras vias públicas em todo o Brasil sem nome.

Isso significa que os ocupantes de domicílios, estabelecimentos comerciais, escolas, hospitais e outros tipos de edificações e terrenos podem ter dificuldade para localizar os imóveis.

Mais de um terço desses endereços sem nome (124.891) está no Nordeste do país, sendo a Bahia, o estado na região que lidera o problema, com 41.512. Dentre as regiões, a segunda posição é do Sudeste, que tem 85.550 registros nessa situação.

É o que mostra um levantamento da reportagem com dados do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos coletados durante o Censo e divulgados nesta sexta-feira (14) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O cadastro, de acordo com o instituto, é um repositório com dados de todos os endereços no território nacional, regularizados ou não. No levantamento, foram considerados logradouros em vias públicas, sendo eles: travessa, estrada, travessia, rodovia, via, alameda, passarela, trecho, ruela, estrada municipal, viaduto, estrada estadual, estrada nova e perimetral.

Já os registros sob termos como rampa, beirada, rancho, fazenda, comunidade, aglomerado e igarapé, entre outros, foram desconsiderados.

Além de Nordeste e Sudeste, que têm, respectivamente, 38,9% e 26,7% dos endereços sem nome nestes logradouros, as parcelas restantes ficam com Norte (13,7%), Sul (13,6%) e Centro-Oeste (7,1%).

Endereços, segundo o IBGE, são domicílios particulares ou coletivos, estabelecimentos religiosos, de saúde, de educação, agropecuários, entre outros, e edificações em construção ou reforma.

Para cada endereço, que é georreferenciado, são informados o nome e o número do logradouro, o CEP (Código de Endereçamento Postal), o tipo de imóvel e se ele está, por exemplo, em construção ou reforma —estes eram 3,5 milhões em 2022, ano do recenseamento. O cadastro conta, após o recenseamento, com 931.499 CEPs.

Já os nomes mais comuns de logradouros em vias públicas são Brasil (1.009), São José (979), Santo Antônio (951), Principal (824) e Boa Vista (712).

As aplicações para o cadastro são, por exemplo, pesquisas acadêmicas e os levantamentos do próprio IBGE, como a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que registra indicadores de trabalho, acesso a comida e educação.

Ainda, embora pareça trivial, um endereço é uma das ferramentas mais básicas para o exercício de cidadania. Além de problemas para receber correspondência, cidadãos também ficam de fora do planejamento de serviços e políticas públicas e têm dificuldades na compra de produtos e serviços, dos bancários aos telefônicos, segundo Vitor de Pieri, professor do Instituto de Geografia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Mas dar nome e número aos domicílios é uma tarefa atribuída aos poderes locais. As denominações precisam ser aprovadas pelas câmaras municipais, e as prefeituras devem atribuir os números. Em São Paulo, a numeração de uma via sempre deve começar na extremidade mais próxima do marco zero da cidade, a praça da Sé.

Para a chefe da seção estadual do cadastro do IBGE no Tocantins, Josimara Nonato, o cadastro atualizado com o Censo 2022 “é de uma riqueza enorme”, porque foram mapeados todos os endereços existentes no Brasil, urbanos e rurais. Uma rua sem esses nomes, diz ela, é uma rua invisível.

Só na cidade de São Paulo existem mais de 6.000 logradouros sem nome. São ruas, travessas, trechos, ruelas e até estradas.

A maior parte dos endereços fica em bairros fora do centro expandido, principalmente em áreas menos consolidadas, na zona sul. Brasilândia é o bairro com maior número desses casos.

Mas se engana quem pensa que a situação não se repete, ainda que em proporção muito menor, em bairros mais centrais, de urbanização antiga ou em áreas com o valor do metro quadrado mais elevado. Foram encontrados endereços na Santa Cecília (no centro), Vila Mariana (zona sul) e em Perdizes e Itaim Bibi (ambos na zona oeste).

Os problemas também não os mesmos. Jaci Santos Mangabeira, 35, mora há oito anos na viela 2 da rua Francisco Barriga de Souza, no Campo Limpo. Apesar de gostar do sossego de uma rua sem carros, onde seu filho Benjamin, 4, pode brincar, diz que não recebe entregas na porta de casa.

“Os entregadores, seja de lojas, do correio ou mesmo de aplicativos de comida não descem aqui. A gente pede no endereço da rua e eles avisam quando chegaram para irmos buscar na rua”, diz.

Viviane, que preferiu não falar o sobrenome, mora faz menos de um ano na viela 2 da rua Tomás Mazzoni, também no Campo Limpo. Ela conta que evita pedir entregas em casa para não ter problemas.

A situação é diferente na vila que fica localizada no número 332 da rua Senador Felício dos Santos, na Liberdade. O número foi pintado na entrada e as entregas são feitas lá dentro, de acordo com a numeração feita pelos próprios moradores.

Marli Monsores Valverde, 55, mora há 20 anos no local. “A gente queria uma casa próxima do centro e compramos aqui porque o meu marido conhecia a região, quando trabalhava no hospital que fica aqui ao lado”, explica.

Ela conta que uma escadaria de acesso à rua Tamandaré que passava pela área do hospital foi fechada pela empresa. Mas os moradores da vila receberam chaves dos portões e podem passar por aquela escadaria a qualquer hora do dia ou da noite.

O professor de muay thai Marcos Tragante, 43, mantém há dez anos sua academia na casa de número 8 da altura do número 1400 da rua Califórnia, no Brooklin. Segundo ele, a rua, que terminava na avenida Roberto Marinho, está fechada por causa das obras do monotrilho. “Quando inaugurarem, acho que vão reabrir a rua e dar um nome a ela”, diz.

Tragante diz acreditar que a rua não tem nome por ter sido uma ocupação muitos anos atrás. Uma placa na entrada da via, indica o seu endereço aos visitantes. E as entregas chegam com base no número da academia feito pelos moradores. A falta de nome na rua também não atrapalha na hora de atrair alunos, que chegam a pagar R$ 600 por mês para treinar artes marciais lá.

Segundo os Correios, as vias precisam ter identificação e numeração para que os domicílios recebam as entregas. Quando essas condições não são atendidas, de acordo com a empresa, são oferecidas outras formas de serviço.

“A atual gestão, por meio do Correios Comunidade, já instalou unidades nas favelas de Paraisópolis [São Paulo] e Mangueira [Rio de Janeiro]”, diz a nota.

NATÁLIA SANTOS, LUCAS LACERDA E LEONARDO FUHRMANN / Folhapress

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