O Brasil tem mais estabelecimentos religiosos do que a soma daqueles de saúde e de ensino somados. Esses espaços são 579,8 mil. Já os de ensino, 264,4 mil, e de saúde, 247,5 mil. É o que mostram as coordenadas geográficas do Censo Demográfico 2022 divulgadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta sexta-feira (2).
Ainda, os recenseadores contaram 11,7 milhões de estabelecimentos com outras finalidades, categoria, segundo o IBGE, que abrange lojas. Este tipo representa 10,5% do total de 111,1 milhões de coordenadas mapeadas no Censo. A maior parte, 90,6 milhões, são domicílios particulares.
Essas informações indicam quais são os usos de cada endereço visitado pelos recenseadores em 2022. Segundo os técnicos do IBGE, servem para responder a questionamentos sobre onde está a população brasileira, agora de forma mais precisa, e para embasar políticas públicas.
Além dos domicílios em cada município, também é possível visualizar o número de estabelecimentos religiosos, de saúde e de ensino encontrados por recenseadores nos municípios. Considerando as cidades com mais de 200 mil habitantes, por exemplo, o estado do Rio de Janeiro lidera na proporção de estabelecimentos religiosos. Já São Paulo tem nove das 10 cidades com mais estabelecimentos de saúde.
Levantamento da Folha de S.Paulo compara as informações com os dados populacionais e mostra onde a presença desses endereços é maior. A análise abrange somente os 152 municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes. A seguir, veja os resultados.
ESTABELECIMENTOS RELIGIOSOS
No quesito religião, o destaque fica com cidades da região metropolitana do Rio de Janeiro. Em Itaboraí (a 52 km da capital fluminense), os dados do Censo 2022 indicam a existência de um estabelecimento religioso para cada grupo de 158 pessoas.
É a maior presença desses endereços entre os municípios com mais de 200 mil habitantes no Brasil. O Censo contabilizou em Itaboraí um total de 1.423 estabelecimentos religiosos e uma população residente de 224,3 mil pessoas.
Outras duas cidades da região metropolitana do Rio vêm na sequência do ranking. Magé (a 65 km da capital) tinha o equivalente a um estabelecimento religioso para cada 161 pessoas. Em Nova Iguaçu (a 42 km da capital), a relação era de um endereço do tipo para cada grupo de 188 habitantes.
Conforme os critérios do Censo, estabelecimentos religiosos podem incluir igrejas, templos, sinagogas, centros espíritas, terreiros e outros.
O levantamento não detalha os possíveis motivos para determinadas cidades terem maior ou menor concentração desses endereços. O Rio de Janeiro é conhecido, por exemplo, por ser o berço de líderes evangélicos.
Dos 10 municípios brasileiros com as maiores presenças de estabelecimentos religiosos em relação à população, 8 ficam no estado do Rio.
A outra ponta da lista é preenchida pela cidade catarinense de Blumenau (a 153 km de Florianópolis). O município tinha o equivalente a um estabelecimento religioso para cada grupo de 1.069 habitantes. Trata-se da menor presença desses endereços entre as cidades com população acima de 200 mil pessoas.
Entre os estados, São Paulo lidera em números absolutos, com 84 mil estabelecimentos, seguido por Minas Gerais, com 59,2 mil, e Rio de Janeiro, com 55,2 mil.
Os dados ajudam a demonstrar, na prática, tendências observadas sobre o Brasil, considerado um país pouco secularizado em relação a outros, como na Europa ocidental. Ainda, o país possui um mercado de fieis muito competitivo, com predominância do segmento cristão, segundo Victor Araújo, professor de política comparada na Universidade de Reading, no Reino Unido.
A disputa, diz ele, está ligada ao crescimento, na virada dos anos 1990, do crescimento acelerado de grupos evangélicos.
“Esta competição está por trás desse número de templos. Não são igrejas católicas, mas, em grande medida, igrejas evangélicas”, diz ele, que também é pesquisador associado do Centro de Estudos da Metrópole da USP.
Ele sustenta o argumento com um estudo recente em que analisou a evolução do número de igrejas evangélicas no país a partir do cadastro de pessoas jurídicas, e ressalta que a lógica de abertura de templos, combinada a pouca burocracia, garante mais agilidade.
“Abre-se a igreja sem ter membro e começa a competir, evangelizar. Vai a presídio, evangeliza no bairro. Se a Arquidiocese de São Paulo quisesse abrir uma paróquia nova em Araraquara, por exemplo, precisaria mandar um documento ao Vaticano e esperar aprovação, depois votar na confederação nacional de arquidioceses, demora anos.”
A comparação numérica, no entanto, não permite análises conclusivas sobre educação ou saúde.
“Não acho que a comparação indique qualquer coisa ou que seja justa. Um país pode ter mais igreja que escola e continuar a ter boa provisão do serviço de educação. O número de faculdades no Brasil cresceu absurdamente nas últimas décadas, mas nem por isso a qualidade da educação melhorou.”
Esse crescimento no segmento evangélico, segundo Araújo, pode atingir um limite, o que indica que mais igrejas podem competir pelos mesmos fieis. Esse cenário, somado aos grupos católicos e de outras confissões, como as religiões de matrizes africanas, indica um país mais plural.
ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE
No recorte dos estabelecimentos de saúde, municípios paulistas ocupam o topo do ranking. Das 10 cidades com maior presença desses endereços ante a população, 9 ficam em São Paulo.
Em Presidente Prudente (a 558 km da capital), a relação era de um estabelecimento de saúde para cada grupo de 358 pessoas 631 endereços e 225,7 mil habitantes. É a principal proporção entre as cidades brasileiras com mais de 200 mil moradores.
Marília (a 437 km da capital) vem na sequência, com um estabelecimento de saúde para cada grupo de 374 habitantes. Rio Claro (a 177 km de São Paulo) aparece depois, com um endereço desse tipo para cada parcela de 446 pessoas.
Pelos critérios do Censo, estabelecimentos de saúde incluem hospitais, postos de saúde e outras unidades de atendimento, públicas ou privadas. Consultórios médicos, diz o IBGE, não entram nessa categoria -são registrados em outras finalidades na pesquisa.
Considerando os municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes, São José de Ribamar (a 30 km de São Luís), no Maranhão, tinha a menor presença de estabelecimentos de saúde. A proporção foi de um endereço do tipo para cada grupo de 3.176 habitantes.
Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, veio logo em seguida, com um estabelecimento de saúde para cada 3.020 pessoas.
Os dados do IBGE foram coletados presencialmente por recenseadores. Devido a questões metodológicas, podem conter diferenças de resultados na comparação com registros de outras bases de dados.
ESTABELECIMENTOS DE ENSINO
A maior proporção de estabelecimentos de ensino entre os municípios de mais de 200 mil moradores foi verificada em Santarém (a 1.233 km de Belém), no Pará, conforme os dados do Censo.
No município, a relação foi de um endereço do tipo para cada grupo de 547 habitantes. Em Santarém, o recenseamento contabilizou 607 estabelecimentos de ensino e 331,9 mil moradores.
Feira de Santana (a 116 km de Salvador), na Bahia, aparece na sequência do ranking. A proporção foi de um estabelecimento de ensino para cada grupo de 693 pessoas. Lauro de Freitas (a 30 km de Salvador), também na Bahia, vem logo em seguida, com um endereço do tipo por 731 habitantes.
De acordo com o IBGE, estabelecimentos de ensino abrangem escolas particulares e públicas, universidades e outras instituições, como creches, desde que formalizadas.
Em Mauá, na região metropolitana de São Paulo, os dados do recenseamento indicam um endereço do tipo para cada grupo de 1.826 habitantes.
Trata-se da menor presença desses estabelecimentos entre as cidades brasileiras com 200 mil habitantes ou mais. O Censo contabilizou em Mauá 229 endereços de ensino e 418,2 mil habitantes.
DIANA YUKARI, LEONARDO VIECELI, GUSTAVO QUEIROLO E LUCAS LACERDA / Folhapress