BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Mesmo após o Brasil ter se comprometido no debate internacional com a transição para uma economia global longe de combustíveis fósseis, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) diz que o país deve continuar a exploração de petróleo até alcançar os mesmos indicadores sociais de economias desenvolvidas.
“Na minha opinião, [o país vai explorar petróleo e gás] até quando o Brasil conseguir alcançar IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] à altura do que atingiram os países industrializados, que hoje podem contribuir muito pouco com a questão ambiental porque se industrializaram muito antes de nós”, afirma Silveira em entrevista à Folha de S.Paulo.
O afastamento dos combustíveis fósseis foi acordado no ano passado na COP28, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Dubai, entre o Brasil e mais de cem países.
Apesar de não impor prazos, o compromisso havia sido comemorado pelos participantes por sinalizar de forma inédita o fim do petróleo em escala global Silveira, no entanto, contesta conclusões da COP28 e defende debates sem o que chama de radicalismo.
Ele concorda que o país aplique sobre o petróleo o chamado Imposto Seletivo -tributo criado pela reforma tributária de 2023 para itens que prejudiquem a saúde ou a natureza e está em processo de regulamentação.
Para ele, no entanto, os países ricos também precisam pagar a conta, começando com compromissos já alcançados -como o Acordo de Paris, que prevê a destinação de US$ 100 bilhões por ano a medidas ligadas à mudança do clima em países em desenvolvimento.
Por outro lado, entende que o arrocho fiscal e a cartilha econômica ultraliberal -que ele liga ao então ministro Paulo Guedes, de Jair Bolsonaro (PL)- fazem com que os recursos do petróleo, ao invés de servirem a um plano de financiamento da transição energética e combate à desigualdade, sejam destinados ao pagamento da dívida pública.
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PERGUNTA – A secretária do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, disse à Folha que ainda não viu um plano para o petróleo financiar a transição energética. Esse plano existe?
ALEXANDRE SILVEIRA – Primeiro, me indigna muito uma brasileira ou um brasileiro, apesar do meu mais absoluto respeito às opiniões divergentes, criticar o setor energético brasileiro sem antes reconhecer que nenhum setor do Brasil é mais reconhecido nacional e internacionalmente.
Quando vi a entrevista, com o maior respeito à colega do Meio Ambiente, entendi que nós, brasileiros, temos que nos afastar do complexo de vira-lata. Nós temos primeiro que falar das nossas qualidades, reconhecê-las e nos orgulharmos delas. E uma das coisas que o Brasil deve se orgulhar muito é de ser o líder da transição energética global.
Eu só queria relembrar que boa parte do nosso petróleo, tanto dos impostos quanto da parte da partilha que foi estabelecida no pré-sal, [gera] recursos que são destinados à saúde e à educação do povo brasileiro. Por meio do Fundo Social do Pré-sal.
P – Mas esse fundo inclui outras áreas, não é exatamente para a transição.
AS – Primeiro, vamos falar um pouco sobre transição energética. Nenhum país do mundo tem mais autoridade para discutir o tema do que o Brasil.
Agora, em quanto tempo e de que forma a transição energética deve se dar, é [sobre isso] que questiono a colega. Em nenhum lugar do mundo podem afirmar em quanto tempo nós vamos poder abrir mão das fontes energéticas fósseis de forma segura, científica e economicamente.
P – Então até quando o Brasil vai explorar combustíveis fósseis?
AS – Até quando o Brasil conseguir alcançar IDH à altura dos países industrializados. O petróleo é uma fonte energética importante para combater desigualdade.
O Brasil pode, sim, falar em quanto tempo ele vai descarbonizar sua matriz interna. Na próxima década vamos ter uma matriz praticamente limpa e renovável. Até 2040. O que não é sinônimo de abrir mão das combustíveis fósseis.
Estamos trabalhando a utilização e armazenamento das energias renováveis em baterias, na próxima década já vamos tornar as energias limpas e renováveis em estáveis. A transição energética no Brasil se dará mais rápido que no resto do planeta.
P – Mas, ministro, não é importante que o país tenha também um plano nacional para aplicação destes recursos do petróleo?
AS – Vou me permitir concordar com você, apontando um grande equívoco que comete o mercado, o mercado financeiro em especial.
Todo mundo fala assim: como nós vamos aplicar o recurso do petróleo na transição energética? Eu te pergunto: o recurso do petróleo, hoje, inclusive do fundo social, vai para onde? Superávit primário.
Para fazer o quê? Pagar o juros da dívida. Nós vivemos um duro arrocho fiscal no Brasil.
Um país que tem necessidade de combater fome e miséria, um país que vive latentes desigualdades regionais não pode ser um país que se identifica com a política ultraliberal do Paulo Guedes. Porque o mercado, ele pode resolver parte do problema, mas ele não pode resolver todo o problema.
Não podemos abrir mão do Estado necessário. O Estado brasileiro, pelas suas peculiaridades naturais, desigualdades sociais muito latentes, ele tem que ser um Estado necessário. Nem um Estado exageradamente controlador nem um Estado ultraliberal.
P – E qual a sua posição no debate sobre taxar os combustíveis fósseis, como proposto no Imposto Seletivo?
AS – Mais uma vez o Brasil demonstra sua responsabilidade ambiental. Mais uma vez o governo Lula demonstra sua sensibilidade com a salvaguarda do planeta. Mais uma vez o povo brasileiro paga pela transição energética global.
Agora, fazer todo esse esforço sem cobrar contrapartida internacional não é justo. Não é cumprir com o que preconiza o grande objetivo do nosso governo, que é combater a desigualdade, cuidar das pessoas, gerar emprego, gerar renda, fazer inclusão. E diminuir o número de miseráveis que, infelizmente, ainda campeiam pelas várias regiões do país.
P – Mas tudo isso precisa de dinheiro…
AS – Eu sou a favor. Tudo isso precisa de dinheiro. Não é admissível que não nos deem direito de debater sobre como nós vamos valorar nossa matriz energética. Nós decidimos apostar na economia verde. Vamos reindustrializar o Brasil por meio da energia limpa e renovável.
Sou a favor de tudo aquilo que tiver dentro das possibilidades. E aí quem pode dizer se o Imposto Seletivo é possível, dentro das contas públicas atuais, é o ministro da economia [na verdade, da Fazenda, Fernando Haddad].
O que o ministro de Minas e Energia sempre repudia é a tentativa de criminalizar a adequada e ambientalmente correta exploração das nossas riquezas. Isso é inadmissível, é hipocrisia.
Alguém pode defender, em sã consciência, a transição energética sem nióbio? Sem lítio, sem cobalto, sem cobre? Não. Os minerais críticos são imprescindíveis para a transição energética. Agora, como que se conseguem os minerais críticos? Por meio da mineração, que muitas vezes, simplesmente ideologicamente, é criminalizada por alguns.
P – No momento em que o Brasil e o mundo acordaram, na COP28, a saída gradual dos combustíveis fósseis, como conciliar esses discursos?
AS – Eu estava na COP, e me preocupou muito o documento aprovado no final que apontou para o caminho de triplicar a produção de energia renovável. Me pareceu uma decisão politicamente correta, mas completamente desconectada da realidade do financiamento dos países industrializados comprometidos com o Acordo de Paris em 2009. Porque o número para se triplicar a produção de energia limpa e renovável até 2030, quando se deve cumprir o Acordo de Paris, é US$ 4,2 trilhões.
Os países industrializados se comprometeram a aplicar US$ 100 bilhões por meio do investimento nos fundos de clima, e não fizeram. Transição energética, como o Brasil, ninguém está fazendo no mundo, ninguém.
Agora, transição energética, para dar certo e para que o Acordo de Paris seja cumprido, só no dia em que o presidente Lula for ouvido pelos países industrializados e eles começarem a cumprir os compromissos assumidos em 2009.
Nós precisamos criar uma governança global para a transição energética.
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RAIO-X | ALEXANDRE SILVEIRA, 53
Ministro de Minas e Energia. É delegado aposentado da Polícia Civil de Minas Gerais. Foi diretor-geral do Dnit (entre 2004 e 2005), deputado federal, secretário do governo de Minas Gerais e senador.
FÁBIO PUPO E JOÃO GABRIEL / Folhapress