Braskem ostenta selos verdes e já foi ‘líder em desenvolvimento sustentável’ pela ONU

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Apesar do desastre ambiental urbano em Maceió, que provocou o afundamento de cinco bairros e o deslocamento de mais de 200 mil pessoas nos últimos quatro anos, provocado pela extração de sal-gema pela Braskem, a petroquímica passou a publicar neste ano relatórios sobre sua atuação na esfera ESG (boas práticas de governança ambiental, social e corporativa). Até o momento, foram três relatórios, um em cada trimestre do ano.

A contradição mostra falhas de governança e regulação em várias estâncias do mundo corporativo, inclusive na tomada de decisão por parte de investidores, segundo especialistas.

Procurada pela Folha de S.Paulo, a Braskem afirma que tomou em Maceió medidas condizentes com a sua responsabilidade socioambiental. Diz também que não possui mais atividades relacionadas à extração de sal-gema no Brasil.

“Antes de 2018, não existiam indicativos de trincas ou rachaduras sobre as quais houvesse suspeita de relação com a atividade de extração de sal. Ao tomar ciência de que a subsidência [afundamento] estava acontecendo na região, a Braskem interrompeu definitivamente a extração local de sal-gema e iniciou as ações para mitigação de riscos e reparações”, informou a empresa, por meio da sua assessoria de imprensa.

A companhia vem se esforçando nos últimos anos em adotar uma agenda de “empresa verde”, com a produção, por exemplo, de plástico de origem renovável, feito a partir da cana-de-açúcar.

Chegou a confirmar sua participação na COP-28, a Conferência Global sobre Mudanças Climáticas, realizada em Dubai no início deste mês, mas teve que cancelar às pressas, depois que o escândalo do desastre ambiental em Maceió veio à tona.

A Braskem ostenta em seu site de relações com investidores participação em índices como ICO2 (carbono eficiente), IGCT (ações de empresas com governança corporativa mais negociadas) e S&P ESG (práticas ambientais, sociais e de governança), todos concedidos pela bolsa brasileira B3, além de ter integrado o americano Dow Jones Sustaiability Index por diversas vezes nos últimos anos.

A empresa informa ainda ser associada de entidades com forte atuação em governança corporativa e sustentabilidade, como Instituto Ethos e o Pacto Global da ONU. Neste último caso, a petroquímica se apresenta como “Empresa líder em Desenvolvimento Sustentável pelo Pacto Global da ONU.”

Lançado em 2000, o Pacto funciona como uma chamada das Nações Unidas para as empresas alinharem suas estratégias e operações a 10 princípios universais em Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção. A Braskem foi reconhecida por sua atuação em direitos humanos.

Questionado sobre a classificação concedida à petroquímica, o Pacto respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que a iniciativa de reconhecer empresas líderes em desenvolvimento sustentável deixou de existir há dois anos, mas “não era uma chancela”, embora a Braskem continue como participante do Pacto Global.

“Diante do atual cenário envolvendo a empresa Braskem, o Pacto Global da ONU no Brasil encaminhou o tema a instâncias competentes para que se possam estabelecer as medidas adequadas”, informou a entidade.

Já a B3 informou que os seus índices de governança “possuem critérios de elegibilidade e exclusão que levam em conta os segmentos de listagem das companhias, a liquidez das ações e o mecanismo de Tag Along (proteção a acionistas minoritários de uma companhia)”. A instituição afirma estar “sempre atenta aos movimentos e demandas do mercado, para avaliar possíveis mudanças nas metodologias” dos indicadores.

No último dia 5, a B3 anunciou a exclusão da Braskem do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), “em função da situação de emergência decretada pela prefeitura de Maceió”. A petroquímica, no entanto, esteve em quase todas as edições do índice, criado em 2005, deixando de integrá-lo apenas em 2021.

Questionado sobre a presença da Braskem entre as suas associadas, o Instituto Ethos preferiu não se pronunciar.

‘Condenações por corrupção deveriam barrar empresas em índices ESG’

“Empresas como a Braskem e a Americanas [que este ano admitiu uma fraude contábil de R$ 25 bilhões] fomentam um mercado de selos de governança, que nada mais são do que o preenchimento de check-lists, que não garantem nada”, diz o consultor em governança corporativa Renato Chaves, mestre em Ciências Contábeis pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro do comitê de auditoria da Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil).

Para ele, uma das primeiras perguntas que deveriam ser feitas a uma empresa que pretende aderir a um índice de governança é se ela já foi condenada por corrupção.

“Isso já excluiria automaticamente a Braskem de qualquer índice”, diz Chaves, lembrando o envolvimento da empresa e seus dirigentes em esquemas denunciados pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal. Criada em 2002 a partir da união de diversas petroquímicas, a Braskem é controlada por Novonor (novo nome da Odebrecht) e pela Petrobras, alvos das investigações da Lava Jato.

“Empresas com históricos como este receberem um selo de governança é uma afronta à sociedade”, diz Alexandre Di Miceli, sócio da consultoria em alta gestão Virtuous.

Na opinião do especialista, doutor e mestre em administração de empresas e finanças pela FEA-USP, com pós-doutorado pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica), existe uma lógica em parte do mundo corporativo que determina que os passivos devam ser deixados para alguém cuidar lá na frente.

“O sociólogo Robert Jackall já indicava em seu livro ‘Moral Mazes: the world of corporate managers’ [Labirintos morais: o mundo dos gerentes corporativos] que a receita do sucesso para boa parte dos gestores é sair antes que os erros apareçam”, afirma.

“É o que nós vemos nessas empresas: os diretores fazem o que querem, sem compromisso com a sustentabilidade do negócio, embolsam a venda de suas ações e deixam a companhia.”

Para Renato Chaves, o investidor também é culpado, por não atrelar o interesse em dividendos às boas práticas das empresas. “Mas se a governança da Braskem é frágil, é porque a regulação é muito frágil também, a CVM deveria punir de maneira mais firme esse tipo de infração”‘, diz.

“Para as empresas, fica a sensação de que tudo pode, porque nada vai acontecer”, afirma o consultor, lembrando que a Comissão de Valores Mobiliários mantém acordos de cooperação com Ministério Público Federal e Polícia Federal. “A CVM poderia se aproveitar das investigações realizadas nestas instâncias e punir as infratoras com rigor.”

Em nota, a CVM respondeu à reportagem dizendo que atua nos “limites do seu mandato legal e da sua esfera de competência”, que é definida por lei. E que eventuais acusados pela autarquia “estarão sujeitos às penalidades dispostas na legislação, especificamente, no art. 11 da Lei 6385/76.”

Na opinião do consultor Einar Rivero, que esteve à frente das plataformas de informações financeiras Economática e TradeMap, os rankings e selos corporativos estão corretos, cumprem o seu papel de questionar a empresa sobre como funciona a sua gestão.

“Mas existem certos aspectos que vão muito além do que um check-list e demandam uma análise mais criteriosa do investidor”, afirma o especialista, lembrando quais são as três funções principais do lucro de uma companhia: “Pagar dividendos aos acionistas, reinvestir no negócio e servir de reserva para problemas futuros.”

DANIELE MADUREIRA / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS