SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O alto escalão da Braskem, formado por seis membros da diretoria estatutária e por 11 membros do conselho de administração, recebeu mais do que o comando da Petrobras, do Banco do Brasil, da Itaúsa (holding que controla o Itaú) e da Gerdau em 2022. Essas empresas tiveram lucros bilionários no ano passado: R$ 188,3 bilhões (Petrobras), R$ 31 bilhões (BB), R$ 13,7 bilhões (Itaúsa) e R$ 11,4 bilhões (Gerdau). Já a petroquímica amargou prejuízo de R$ 336 milhões no último exercício mas, ainda assim, pagou R$ 60 milhões (incluindo remuneração fixa e variável) aos principais executivos e conselheiros.
Para este ano, a previsão é desembolsar um valor 44% maior, R$ 85,5 milhões (sendo R$ 84,4 milhões só para os diretores), conforme ata da assembleia de acionistas realizada em abril. No acumulado de janeiro a setembro de 2023, porém, a Braskem acumulou prejuízo de R$ 3 bilhões.
As informações pertencem a um levantamento feito com exclusividade para a Folha pelo consultor de dados financeiros de mercado Einar Rivero, com base em dados da plataforma de informações financeiras Comdinheiro. De acordo com a pesquisa, entre as 83 empresas que compõem o Ibovespa, índice formado pelas ações mais negociadas da B3, a Braskem ocupa a 21ª posição entre as que melhor remuneram o alto escalão.
Procurada, a Braskem disse que a remuneração dos administradores “segue padrões de mercado, sendo aprovada pela assembleia geral ordinária”.
O pagamento aos altos executivos vem crescendo pelo menos desde 2018, quando houve o primeiro tremor de terra em Maceió, evento que só um ano depois foi oficialmente associado à exploração de sal- gema pela Braskem na capital alagoana, conforme investigação do Serviço Geológico do Brasil, órgão ligado ao Ministério das Minas e Energia. Até agora, o auge dos desembolsos foi em 2021, quando a petroquímica teve lucro de R$ 14 bilhões e pagou R$ 74 milhões à alta cúpula.
Também em 2021, foi lançado o documentário “A Braskem passou por aqui: a catástrofe de Maceió”, do cineasta Carlos Pronzato, que relata o drama das famílias forçadas a deixarem suas casas que começaram a rachar por conta do afundamento do solo, causado pelo “descontrole” no processo de extração de sal-gema em 35 minas da Braskem na região, como apontou o relatório do Serviço Geológico do Brasil.
No último dia 29, a Defesa Civil de Maceió alertou para o risco iminente de colapso da região, após cinco abalos sísmicos em novembro. Até o Hospital Sanatório, no bairro Pinheiro, precisou ser esvaziado e os pacientes transferidos.
Para especialistas em governança corporativa ouvidos pela Folha, a remuneração ascendente do comando da Braskem é incompatível com a postura da companhia diante do desastre ambiental urbano ainda em curso em Maceió, já considerado o maior do país. Nos últimos quatro anos, cerca de 60 mil famílias, ou mais de 200 mil pessoas, o equivalente a um quinto da população da capital alagoana, foram obrigadas a deixarem suas casas e comércios na região.
“Até hoje, a Braskem não assumiu a responsabilidade pelo desastre. Nenhum dirigente da companhia foi responsabilizado, pelo contrário, a diretoria é contemplada com altos ganhos”, diz Alexandre di Miceli, sócio da consultoria em alta gestão Virtuous.
“É uma empresa amoral, que não reflete sobre as consequências dos seus atos sobre a sociedade e o meio ambiente”, diz ele, referindo-se também à destruição do ecossistema da lagoa Mundaú, uma área de manguezal e restinga.
O consultor em governança corporativa Renato Chaves concorda. “A Braskem tem um conselho de administração galático, uma diretoria muito bem remunerada, mas uma governança extremamente frágil, capaz de tratar o desastre de Maceió como ‘evento geológico’, como se fosse algo independente da sua vontade”, diz Chaves, mestre em Ciências Contábeis pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro do comitê de auditoria da Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil).
Questionada pela Folha, a petroquímica respondeu, por meio da sua assessoria de imprensa, que adota “todas as medidas necessárias para mitigar, compensar ou reparar impactos decorrentes da desocupação de imóveis nos bairros de Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol.”
Entre essas iniciativas, segundo a Braskem, estão “o apoio à desocupação preventiva das áreas de risco e realocação das famílias, comerciantes e empresários e pagamento de compensação financeira aos realocados, além de recursos para compensação por danos coletivos e para medidas de reparação sociourbanística e ambiental”. A empresa ressalta que “todas as ações são fiscalizadas pelos órgãos competentes.”.
AGÊNCIA QUE FISCALIZA MINERADORAS TEM 70% DOS CARGOS VAZIOS
O geólogo e engenheiro civil Fábio Reis, diretor da Febrageo (Federação Brasileira de Geólogos), lembra que a ANM (Agência Nacional de Mineração), responsável pela fiscalização e regulação das mineradoras, foi criada recentemente, no final do governo de Michel Temer (2017), e está esvaziada.
“A agência tem cerca de 70% dos seus quadros não preenchidos”, afirma Reis. A reportagem entrou em contato com a ANM, que confirmou operar com 664 servidores, número que “representa menos de um terço previsto em lei”, informou. De acordo com a agência, o seu orçamento em 2023 é de R$ 1,06 bilhão.
Segundo Reis, diferentemente da exploração de petróleo e energia, a atividade de mineração não tem a obrigação de investir parte dos ganhos em pesquisa, desenvolvimento e inovação. “Empresas do setor de óleo e gás e do setor elétrico são obrigadas a destinar parte da receita a programas de P&D, regulamentados pelas respectivas agências setoriais”, diz.
“Mas a mineração não precisa estar atrelada à pesquisa no Brasil. O que é um contrassenso, já que se trata de uma atividade extremamente complexa e que não deveria ser executada em área urbana, como em Maceió, uma vez que isso maximiza os riscos”, diz Reis, doutor em Geociências e Meio Ambiente pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), onde também é professor do Departamento de Geologia do campus de Rio Claro (SP).
Para Reis, os casos da Samarco em Mariana (2015) e da Vale em Brumadinho (2019), ambos em Minas Gerais, não foram fortuitos. “O que se vê no Brasil são mineradoras colocando os lucros acima dos riscos, o que gera um histórico de eventos dramáticos”, diz o especialista.
A partir de 2019, a Braskem passou a indicar nos seus balanços os custos com o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação dos moradores dos bairros atingidos pelo “evento geológico em Maceió”, que estabeleceu um auxílio de R$ 5.000 por família e R$ 1.000 ao mês para aluguel. Foram gastos até agora R$ 3,8 bilhões com essas ações.
“A Braskem não pagou indenizações aos moradores porque ainda questiona os resultados da investigação apresentada em 2019 pelo Serviço Geológico do Brasil”, diz Fábio Reis. A reportagem perguntou à Braskem se a empresa reconhece a sua responsabilidade no desastre de Maceió, mas petroquímica não respondeu. Disse apenas que “antes mesmo de qualquer responsabilização, a Braskem assumiu seu compromisso com a segurança das pessoas, essa é a prioridade da empresa”.
DANIELE MADUREIRA / Folhapress