SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Em meio a tratativas para trazer partidos do centrão para a base do governo, o presidente Lula (PT) deve acelerar a distribuição de cargos federais nos estados, contemplando novos e antigos aliados no Congresso Nacional.
O avanço das negociações, contudo, enfrenta obstáculos que passam por rivalidades locais entre os partidos que formam o cada vez mais amplo arco de apoios do presidente no Congresso Nacional.
As disputas têm contornos mais graves nos estados do Nordeste, onde deputados de legendas como União Brasil, PP, Republicanos e até mesmo do PL de Jair Bolsonaro acenam com apoio ao governo e cobram o seu quinhão na máquina federal.
“Cada dia se vence uma batalha. Estamos trabalhando com a maior transparência e buscando o melhor formato para atender demandas e ter solidez na nossa base”, afirma o deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, que diz que cerca de 80% dos pleitos estão resolvidos.
Um dos principais desafios é o estado de Alagoas, palco de uma acirrada disputa entre o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), e o senador Renan Calheiros (MDB), ambos com forte influência em Brasília.
Principal aliado de Bolsonaro em Alagoas, Lira apadrinhou indicações para a CBTU, SPU, Porto de Maceió e Codevasf no governo anterior e manteve os cargos com Lula. O MDB, por sua vez, trabalha para reequilibrar o jogo.
Coordenador da bancada de Alagoas, o deputado federal Paulão (PT) confirma as dificuldades em conciliar os interesses dos dois líderes políticos e diz que a disputa será arbitrada pelo Planalto.
“Buscamos construir consensos, mas tenho meu limite. A decisão agora é do ministro”, diz o deputado alagoano, em referência a Alexandre Padilha, que comanda a pasta de Relações Institucionais.
As primeiras nomeações no estado saíram nas últimas semanas a partir de acordos na bancada. O deputado federal Daniel Barbosa (PP), aliado de Lira, emplacou um aliado na superintendência do Ministério da Agricultura.
Do outro lado, o deputado Isnaldo Bulhões Júnior (MDB), aliado de Renan e líder do MDB na Câmara, indicou o superintendente da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Também foram acordadas indicações de partidos como o PT, PSD, PC do B e PSOL.
A Bahia é outro foco de conflito. Esta será a primeira vez que PT e União Brasil, que polarizaram todas as eleições na Bahia desde 1998, serão contemplados com cargos federais em um mesmo governo.
Opositores do governador Jerônimo Rodrigues (PT), deputados federais da União Brasil conseguiram um quinhão robusto na divisão dos cargos, decisão que irritou petistas e partidos aliados.
As duas superintendências da Codevasf seguem sob comando de aliados dos deputados Elmar Nascimento e Arthur Maia, ambos da União Brasil, indicados ainda na gestão Bolsonaro.
O PT reivindicou uma das superintendências, mas teve que recuar do pleito em meio a votações cruciais para o governo Lula no Congresso, caso do arcabouço fiscal e da Reforma Tributária.
Em maio, a União Brasil fez uma nova ofensiva e obteve o comando dos Correios no estado. A indicação foi do deputado federal Dal Barreto, que diz que não haverá dificuldade em conviver com os adversários: “Vamos ajudar o governo federal no que for possível”.
Na mesma leva de nomeações, até o PL conseguiu sua parcela na máquina federal. O deputado federal João Bacelar (PL), que apoiou Bolsonaro em 2022, indicou em maio o novo chefe do escritório regional da SPU (Superintendência do Patrimônio da União) na Bahia.
A divisão nos cargos da Bahia deve contemplar 33 dos 39 deputados federais ficarão de fora os três parlamentares do Republicanos e dois do PL mais alinhados ao bolsonarismo, além do deputado federal João Leão (PP), que rompeu com o PT no ano passado.
Coordenadora da bancada baiana, a deputada federal Lídice da Mata (PSB) lembra que a Bahia já conviveu com bases amplas que incluíam adversários locais: “Faz parte do desafio da governabilidade, sempre será um jogo de forças”.
As principais quedas de braço devem se dar em torno dos cargos estaduais na Funasa (Fundação Nacional da Saúde) e Codeba (Companhia Docas da Bahia).
Extinta por Lula e recriada após pressão do centrão, a Funasa tem uma disputa entre esquerda e centrão na Bahia: brigam pelo cargo os deputados Cláudio Cajado (PP) e Alice Portugal (PC do B). O comando da autoridade portuária é pleiteado pelo PSB, mas as principais diretorias começaram a ser divididas entre partidos como PT e PSD.
Também houve disputa pelo Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas) na Bahia. O senador Angelo Coronel (PSD) levou a melhor frente ao deputado Adolfo Viana (PSDB), que também pleiteava o cargo em meio a uma aproximação entre petistas e tucanos na Bahia.
No Ceará, deputados que apoiaram Bolsonaro em 2022 indicaram aliados para cargos na máquina federal no governo Lula, movimento que gerou insatisfações e fraturou a bancada petista.
“Não sou contra trazer novos aliados, mas não dá para contemplar os caras que tentaram nos destruir nas nossas bases. É uma desmoralização, um tapa na cara que nós levamos”, disparou o deputado federal José Airton Cirilo (PT).
Ele diz que pleiteou uma diretoria no Dnocs, mas viu o cargo ser entregue para Moses Rodrigues (União Brasil), deputado adversário em seu principal reduto eleitoral.
Também foram contemplados com cargos no governo Lula os deputados federais cearenses AJ Albuquerque (PP) e Fernanda Pessoa (União Brasil), que não estiveram no palanque de Lula.
Cirilo diz que o Dnocs se tornou “um reduto de bolsonaristas” e acusa o colega José Guimarães de trabalhar em favor dos próprios interesses e privilegiar adversários em detrimento de aliados de primeira hora. Guimarães, por sua vez, diz que as reclamações são legítimas, mas nega privilégios na distribuição dos cargos: “Isso é maluquice”.
Parte das nomeações no estado está represada, incluindo a indicação do deputado federal André Figueiredo, presidente nacional em exercício do PDT. Ele teve a promessa de indicar a superintendência local da Codevasf, mas o cargo foi entregue a um aliado do deputado Domingos Neto (PSD).
Em Pernambuco, o deputado federal Lucas Ramos (PSB) briga pelo comando do Dnocs, órgão federal estratégico para o parlamentar, adversário em Petrolina do grupo do ex-senador Fernando Bezerra Coelho (MDB). A deputada Maria Arraes (Solidariedade) disputa o mesmo cargo.
A batalha pelos cargos nos estados também tem como pano de fundo as eleições municipais. A indicação de aliados para postos estratégicos na máquina federal é vista como um trunfo para deputados que buscam ampliar o seu poder de influência nas bases.
No Nordeste, Codesvasf e o Dnocs estão entre os mais disputados por deputados e senadores. Com orçamentos anuais que chegam a R$ 2 bilhões, esses órgãos têm capilaridade e são utilizados para obras de infraestrutura e compras de equipamentos para prefeituras e associações.
JOÃO PEDRO PITOMBO / Folhapress