FOLHAPRESS – Para alguns atores e atrizes, desempenhar determinados papéis parece ser fácil. Menos por uma essência do que por aspectos aparentes, escolher bem o elenco é fundamental para facilitar o caminho rumo a um bom filme.
O papel de sorumbático, por exemplo, cai muito bem em Cillian Murphy. Talvez até mais que o de vilão, e certamente mais do que o de inventor da bomba atômica, que me perdoem os fãs de “Oppenheimer”, o premiado longa de três horas.
Há algo em seu rosto que transmite uma melancolia profunda, que pode nem estar presente na vida pessoal do ator, mas que de alguma forma ele consegue buscar para seus personagens. Sua expressão naturalmente reflete esse sentimento.
Principalmente por essa característica, Murphy é a alma de “Pequenas Coisas como Estas”, longa do belga Tim Mielants baseado em livro de mesmo nome escrito por Claire Keegan. É o primeiro longa de Murphy após o Oscar de melhor ator vencido por “Oppenheimer”.
O ator interpreta Bill Furlong, um comerciante de carvão e madeira, que mora com suas filhas e esposa em New Ross, uma pequena cidade no sul da Irlanda. Numa das entregas em um convento da ordem das Madalenas, ele começa a perceber coisas estranhas acontecendo ali. Gritos ao longe, olhares desesperados, alguém clama por ajuda.
Aos poucos percebe que garotas vivem ali em regime de trabalhos forçados, pois as “Magdalene Institutions”, também chamadas de lavanderias, que proliferaram na Irlanda a partir do século 19 e até quase o fim do século 20, eram destinadas a punir e corrigir comportamentos erráticos de garotas, que as freiras julgavam perdidas.
Personagem bíblica, Madalena foi a prostituta que se tornou santa, segundo o entendimento popular. Barbara Hershey, atriz extraordinária, viveu a personagem em sua dubiedade no sublime e controverso “A Última Tentação de Cristo”, 1988, de Martin Scorsese.
Numa das entregas que faz no convento, minutos antes do amanhecer, Bill encontra uma das garotas, Sarah, trancada no depósito de carvão. Ele a tira de lá e a leva para o interior do convento, mas não obtém uma resposta satisfatória para o acontecido.
Sua inquietude é profunda e transparece no rosto do ator. Deve tentar fazer alguma coisa para ajudar as pobres garotas, colocando em risco seu negócio e consequentemente sua família, ou deve fingir que não é com ele o assunto, como fazem os demais moradores da cidade e sua própria esposa?
O filme começa como um derivado de Ken Loach. Entregas de carvão e madeira num clima invernal, a classe trabalhadora às voltas com injustiça, opressão e incompreensão.
Aos poucos, Mielants leva o relato para um formato de thriller, graças sobretudo ao uso da música e à opção de usar a natureza a neblina, a neve, a sujeira do carvão como manifestações da dúvida do protagonista.
Nesse mundo nebuloso, em que traumas do passado atormentam o protagonista, o que ele ganha e o que perde quando se mete onde não é chamado? E como fica sua consciência se pode lutar contra abusos de qualquer tipo e nada faz?
Para dificultar uma possível tomada de ação, ele encontra o pragmatismo da esposa vivida por Eileen Walsh e a frieza ameaçadora da madre superiora interpretada por Emily Watson, que, além de comandar o convento, comanda também o colégio da cidade onde as filhas de Bill irão estudar num futuro próximo.
Walsh e Watson, aliás, têm interpretações notáveis. A segunda foi reconhecida no Festival de Berlim do ano passado com um prêmio de atriz coadjuvante. Somadas ao brilho de Murphy, as atrizes fazem do filme um espetáculo de atuação.
Ainda bem, pois a direção de Mielants, se não compromete, também não acrescenta muito. Mostra a trama de um modo convencional, com um ou outro acerto no tom e raras imagens marcantes.
Talvez seja melhor assim. Quando se reconhece o brilho maior no elenco, melhor confiar que ele conduza a história e dirigir sem muitas firulas. Poucos diretores têm a classe de Marco Bellocchio para mexer nesses vespeiros.
PEQUENAS COISAS COMO ESTAS
– Avaliação Bom
– Quando Em cartaz nos cinemas
– Classificação 12 anos
– Elenco Cillian Murphy, Emily Watson e Eileen Walsh
– Produção Irlanda, Bélgica, 2024
– Direção Tim Mielants
SÉRGIO ALPENDRE / Folhapress