Brinquedos Gulliver, dona do Forte Apache, luta para afastar crise, enquanto galpão vai a leilão

SÃO CAETANO DO SUL, SP (FOLHAPRESS) – Atingida por sucessivas mudanças no mercado de brinquedos e pelas dificuldades que a indústria como um todo vem enfrentando nas últimas décadas no Brasil, a tradicional fábrica de brinquedos Gulliver vê o galpão onde ainda opera ir a leilão, por causa de dívidas tributárias. .

A empresa, que já teve 1.500 funcionários, hoje opera com apenas 50 pessoas, mas não tem planos de fechar. Pelo contrário: “temos um planejamento de cinco anos para nos recuperamos e crescermos”, afirma Andres Luis Lavin, 83, um dos fundadores da Gulliver.

Com sede em São Caetano do Sul (SP), a empresa é fruto do sonho dos irmãos Mariano Lavin Filho (morto em 2007) e Andres Luis Lavin, filhos do fazendeiro e empresário espanhol Mariano Lavin Ortiz, que já tinha uma fábrica de brinquedos na Espanha.

A família —Ortiz, a mulher e quatro filhos— imigrou para o Brasil em 1958, saindo de uma Espanha que estava sob a ditadura do general Franco. O pai queria que Andres fosse artista, mas, aos 18 anos, ele já sabia que queria seguir outro caminho. “Quero fazer um Forte Apache, porque esse brinquedo foi você que criou na Espanha”, disse para o pai.

Em 1960, Ortiz e os dois filhos fundaram uma pequena fábrica e dali saiu o primeiro Forte Apache do país, produto que se tornaria um ícone da Gulliver. Alguns anos depois essa sociedade com o pai se desfez e, em 1970, nasceu a Gulliver, fruto de uma sociedade entre os dois irmãos.

Foi Andres que desenhou a logomarca da empresa, o menininho loiro que até hoje estampa as caixas dos brinquedos. O negócio cresceu e outros produtos foram incorporados ao portfólio, incluindo personagens da DC Comics e da Marvel e um bonequinho de pelúcia que se prendia nas roupas ou na ponta de lápis e canetas, o Agarradinho. O brinquedo caiu nas graças das crianças e a Gulliver vendeu oito milhões de unidades dele em quatro anos.

A história da empresa se mistura com a de muitos moradores de São Caetano do Sul. Andres Lavin relata que os brinquedos da fábrica eram pintados por famílias, em esquema de cooperativa. “Chegamos a ter 2.800 famílias pintando bonecos”, explica.

No Facebook, existe um grupo com 108 ex-funcionárias da Gulliver, intitulado “Meninas da Gulliver”, que se encontra anualmente até hoje. Cristina Araujo Melo, 55, que faz parte do grupo, começou a trabalhar na fábrica com 14 anos, em 1984, e ficou sete anos lá. No seu setor só trabalhavam mulheres. “A Gulliver contratava muita mulher em uma época em que isso não era comum. Todo mundo queria trabalhar lá porque o salário era alto e a gente aprendia muito. Sempre digo que a gente entrava ali menina e saía mulher”, afirma.

Havia, também, uma relação com o entorno. “No dia do pagamento, a gente ia super arrumada e saía para almoçar fora, na [padaria] Ziza, não comia marmita. Era um desfile de moda e a gente disputava para ver quem estava mais bonita”, lembra Melo. A Ziza continua em funcionamento, na av. Senador Roberto Simonsen, perto da antiga sede da Gulliver.

AS DIFICULDADES

Por volta de 1990, o cenário começou a mudar tanto para a empresa quanto para o mercado de brinquedos no Brasil. Primeiro, veio a decisão do governo do então presidente Fernando Collor de Mello de facilitar as importações. A Gulliver conseguiu contornar a situação, parando de fabricar os produtos e passando a importá-los ela mesma. Com isso, a produção da fábrica diminuiu, mas o faturamento não.

Por volta de 2009, as grandes fabricantes multinacionais de brinquedo, das quais a Gulliver era representante no Brasil, vieram para cá e começaram a vender os produtos diretamente, cortando o intermediário. “Isso representou uma queda de cerca de 70% de nosso faturamento na época”, afirma o empresário.

De lá para cá, outros fatores afetaram o desempenho da empresa: a pandemia, a importação direta de brinquedos da China, as fábricas de brinquedos baratos e de baixa qualidade no Brasil e a disseminação dos jogos eletrônicos, que tomaram o espaço dos brinquedos físicos na preferência das crianças.

Andres não conta qual é o faturamento da empresa hoje, mas disse que chegou a faturar R$ 70 milhões em 2007, em valores nominais, sem levar em conta o efeito da inflação. Ao ser perguntado se o número de hoje seria em torno de 90% a menos do que isso, assentiu com a cabeça.

Ricardo Pastore, professor e coordenador do núcleo de varejo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), diz que o setor de brinquedos não foi o único a se deparar com esses reveses. “O mercado de brinquedos no Brasil é grande, mas ele ficou desorganizado, sem dono. Quando isso acontece, é comum que a marca perceba uma oportunidade e passe a ter presença local. Aconteceu isso com a marca de motocicletas Harley Davidson, que durante muitos anos teve uma representação brasileira. Quando eles viram que o mercado estava muito grande, vieram para cá e cortaram os representantes”, explica.

Além disso, Pastore aponta que muitas vezes os varejistas, especialmente os grandes, não querem depender de um único fornecedor e passam a importar diretamente. “Lotam contêineres vindos da China ou do Panamá, que passou a ser um centro importante de distribuição também”, completa.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL E LEILÃO

A Gulliver está em recuperação judicial desde 2007, e as dificuldades dos últimos anos levaram ao não pagamento dos impostos, gerando grandes dívidas tributárias —a empresa não revela o valor. Com isso, a Justiça determinou que o galpão onde se encontra a fábrica fosse levado a leilão.

Este já é o segundo leilão do imóvel. No primeiro, que ocorreu no início deste ano, ele chegou a ser arrematado, mas o pagamento não foi feito no prazo estipulado pela Justiça, que então determinou que a empresa leiloeira fosse substituída por outra, a Taba Leilões.

Esta edição começou em 9 de outubro, com dois certames, segundo o site da Taba Leilões. Na primeira praça, o imóvel, composto por dois galpões industriais com área total de 7.277,97 m² e área total edificada de 11.551,00 m² teve lance mínimo estipulado em R$ 74.767.511. Como não houve ofertas, abriu-se a segunda praça com 30% de desconto sobre esse valor (R$ 52.337.257,70). Até o fechamento desta matéria, em 10 de outubro, nenhum lance havia sido registrado, mas o leilão só se encerra em 23 de outubro.

O imóvel está localizado em uma região estratégica de São Caetano do Sul, em frente a uma unidade do Hospital e Maternidade São Luiz e a 400 metros do Park Shopping São Caetano.

Kathia Lavin, filha do fundador e gerente geral da Gulliver afirma que os advogados da empresa negociam o valor da dívida com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e que há possibilidade de um grande abatimento nessa dívida. Dessa forma, ela acredita que será possível cancelar o leilão ou que pelo menos não seja necessário leiloar os dois imóveis, apenas um deles.

Por ora, não há sinais visíveis de cancelamento do leilão. Quando a reportagem esteve na sede da empresa, em 1º de outubro, havia grandes banners da Taba Leilões pendurados na fachada do prédio e, no site da empresa leiloeira, a sala de disputa segue aberta.

ALESSANDRA MILANEZ / Folhapress

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