SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cena é rápida, mas o desconforto é gigante. Jovem que aspira à carreira de atriz, Missy conta a Karen, estrela do cinema que não consegue mais emplacar um grande sucesso, seu temor de ter um filho adotivo: “Bebês negros são fofos e tudo mais, mas eu simplesmente não confio neles, quero dizer, temo pelo que fazem quando crescem”.
Surpresa? Nem tanto quando se descobre que a cena tem a assinatura do dramaturgo e roteirista americano Neil LaBute, cujo dom para escrever diálogos cortantes e criar personagens espinhosos se traduz em uma franqueza verbal que incomoda o público. Esta faceta poderá ser vista na peça “The Money Shot”, que estreia nesta terça-feira (24) no Teatro Vivo.
A habilidade para narrar dramas sem reservas ou moralismo se revelou logo em sua estreia no cinema, em 1997, como diretor e roteirista de “Na Companhia dos Homens”, cuja virulência masculina contra mulheres frágeis cravou-lhe a fama de misógino. Exemplo? “Nunca confie em alguém que pode sangrar durante uma semana e não morrer”, diz um dos personagens.
A forma direta de sua escrita já lhe rendeu comentários pouco elogiosos além de misógino, também chauvinista e moralista, mas seus defensores garantem que LaBute traz em suas observações sobre os homens algo que outros autores contemporâneos ainda não trabalharam com autoridade: o senso de pecado.
“Drama é conflito, então, o que faço é colocar as pessoas em conflito umas com as outras de tantas maneiras interessantes quanto possível”, diz LaBute, em entrevista à Folha de S.Paulo. “Quero acreditar que não há limites para um escritor, que deve buscar apenas encontrar uma forma correta de abordar qualquer assunto que deseja.”
Missy, interpretada por Jocasta Germano, e Karen Fabiana Gugli compõem o quarteto formado ainda por Bev Lavínia Pannunzio e Steve Fernando Billi, protagonistas de “The Money Shot”. Trata-se da primeira comédia escrita por LaBute para o palco, texto que explora o humor ácido para criar uma reflexão sobre ambição, arte, status e sexo na indústria do entretenimento americana.
Steve e Karen são astros em decadência e, para reverter o declínio, aceitam participar de um filme dirigido por um famoso cineasta belga. A missão inclui um desafio: a cena de sexo que vão rodar no dia seguinte terá de ser, segundo determina o diretor, explícita. O termo “money shot” vem de filmes pornográficos e se refere à cena da ejaculação, considerada a mais importante nesse tipo de produção.
Mas, antes de consumar a relação que ganhará a eternidade digital, eles querem esclarecer isso com Bev, a namorada que mora com Karen, e Missy, a esposa muito mais jovem de Steve. E, seguindo à risca o manual dramatúrgico de LaBute, a reunião começa desagradável, torna-se ainda mais desagradável e finalmente segue para um confronto sem limites.
“É um encontro requintado, regado a muita bebida alcoólica, que faz com que a situação entre essas figuras vá se desenrolando de uma maneira cada vez mais feia. Queremos criar um contraste entre o refinamento e a feiura dessas personagens”, comenta o diretor Eric Lenate, que também assina a arquitetura cênica da peça, com a reprodução da sala da luxuosa mansão de Karen. “É um espaço com bastante luxo e opulência, mas também certa cafonice”, revela.
“Uso elementos de comédia em quase tudo que escrevo, mas esta peça em particular foi a única que tive a audácia de chamar de comédia, pois, durante todo o processo, minha mente estava decidida em torná-la engraçada, desde o título até a última página”, afirma LaBute. “É preciso muita paciência para montar uma piada, ou uma brincadeira, para fazer o público rir.”
Críticos entusiastas comparam sua obra à de Strindberg, Ibsen ou Albee em início de carreira. A maioria, no entanto, vê paralelos com David Mamet. O segredo está na carpintaria do texto.
“A prosa de LaBute é meticulosamente construída”, atestou, certa vez, Monique Gardenberg, que dirigiu “Baque” em 2005, primeira montagem brasileira de um trabalho do dramaturgo. “Cada detalhe é cuidadosamente revelado no momento certo, como em uma equação matemática, e, quando o castelo está todo construído, LaBute o destrói sem piedade.”
Em “The Money Shot”, são quatro personagens que tagarelam o tempo todo, tentando discutir um assunto que sempre se perde. “Eles começam a fazer o desfile de egos e a situação fica cada vez mais esquisita, até chegar em um desenlace que vai deixar o público atônito”, diz o diretor.
LaBute não acredita em fórmulas mágicas ou segredos do sucesso, apenas em um raciocínio que deve ser seguido à risca. “Busco uma plateia que saiba rir, que compreenda o que lhe é apresentado, que chegue a arfar, enfim, com a minha audácia e a dos personagens.”
THE MONEY SHOT
Quando Ter. e qua., às 20h. De 24/10 a 6/12
Onde Teatro Vivo – Av. Chucri Zaidan, 2.460, Morumbi, São Paulo
Preço R$ 100 (inteira)
Classificação 18 anos
Autoria Neil LaBute
Elenco Fabiana Gugli, Lavínia Pannunzio, Jocasta Germano e Fernando Billi
Direção Eric Lenate
Link: https://bileto.sympla.com.br/event/86906/d/216350/s/1457670
Tradução Jorge Minicelli
UBIRATAN BRASIL / Folhapress