GOIÂNIA, GO (FOLHAPRESS) – O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), afirmou que, em sua visão, a eleição municipal de 2024 mostrou que o país está cansado do jeito como Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados fazem política.
“Ninguém aguenta mais, é uma conversa chata, cansativa, enjoada, as pessoas acham que de repente são professores de Deus. ‘Tem que ser assim, falar desse jeito, se não for assim, você é comunista’, essas coisas cansaram”, disse em entrevista à reportagem nesta segunda-feira (28), um dia após seu candidato derrotar o nome de Bolsonaro em Goiânia.
Caiado, 75, voltou a dizer que será candidato à Presidência em 2026, mesmo concorrendo com outros nomes à direita.
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PERGUNTA – Houve decisões da Justiça Eleitoral em que há menção de uso da máquina do estado para angariar apoio e comprar voto. O sr. usou a máquina para beneficiar o seu candidato?
RONALDO CAIADO – Quero deixar claro que isso é uma grande inverdade, uma mentira. O jantar [com políticos locais no Palácio das Esmeraldas, sede do governo, em que houve promoção da candidatura de Sandro Mabel] ocorreu exatamente no dia seguinte da eleição, sempre foi uma característica minha em todas as eleições chamar aqui as pessoas que participaram da campanha eleitoral.
O Goiás Social [em que há a suspeita de distribuição de cestas básicas em troca de apoio] é um programa consolidado do estado, não é um programa de última hora.
P – Qual balanço o sr. faz sobre o embate com o ex-presidente Jair Bolsonaro?
RC – Em primeiro lugar, ele foi extremamente desrespeitoso e deselegante. Para ganhar uma eleição é preciso que entenda a vontade da população. Não é impor o número e achar que a população não vai ver as qualificações da pessoa. Eles achavam que bastava lançar 22 e seria eleito. Nós demonstramos que não. Então isto foi uma aula, essa eleição foi a mais educativa que já existiu.
P – Qual foi essa lição?
RC – Respeitar as lideranças estaduais, municipais, e saber construir acordos. No começo do ano, procurei o Bolsonaro várias vezes e disse: ‘Bolsonaro, é hora de construímos um grande acordo, tem espaço para o PL, União Brasil, PP, Republicanos, Avante’. De repente, sou surpreendido com ele vindo aqui e lançando candidato na maioria das cidades sem sequer eu ser ouvido. Não se faz política dessa maneira.
P – O sr. quer dizer que essa foi uma lição nacional dada a ele?
RC – Acredito que sim, porque realmente ele veio para cá [no domingo (27), dia da votação do segundo turno]. Qual é o motivo de vir para Goiânia? Tem algum motivo?
É por isso que eles perderam a maioria das capitais, por querer impor uma candidatura que não tinha sintonia com os líderes estaduais. Então, isto é uma lição. Espero que realmente tanto o PL quanto ele tenham aprendido de que liderar não é impor candidatura nos estados. Não é apenas o PL que é o dono da direita, isso não existe. Ninguém é dono da vontade do povo.
P – Que lições o sr. tira dessa eleição?
RC – Temos que ter muita humildade, pisar na vaidade todo dia. Não existe ninguém que seja dono do eleitorado no Brasil. O que essa eleição demonstrou? Que nós estamos, de uma certa maneira, cansados dessas posições, do que chamo de falsos dilemas ideológicos. Ninguém aguenta mais, uma conversa chata, cansativa, enjoada, as pessoas acham que de repente são professores de Deus.
‘Tem que ser assim, falar desse jeito, se não for assim, você é comunista. Se não for assim, você vai ser condenado’. Essas coisas cansaram. O povo tá doido para ter emprego, renda, educação, saúde, lazer. Você precisa de mostrar por que você quer governar, não é criar uma situação de guerra de secessão no país.
P – A população então está cansada do bolsonarismo?
RC – Eu diria que está cansada do extremismo. E as pessoas têm que aprender, toda lição de vida a gente tem que aprender. Hoje é um momento em que eles todos vão refletir sobre isso e todos têm direito de corrigir a rota.
Ninguém nega a liderança do Bolsonaro, mas a liderança dele tinha também de admitir que ele não poderia criar circunstâncias políticas locais sem sentar com os líderes, com os governadores aliados, e construir entendimentos e candidaturas que pudessem ser as grandes vitoriosas nesse processo.
P – Por tudo o que o sr. está falando, arrepende-se então de ter ido naquele ato de fevereiro na Paulista, em apoio ao ex-presidente?
RC – Não, de maneira nenhuma. Era um momento de fragilidade do presidente. Eu sou uma pessoa que, quando uma pessoa está ali em uma situação de fragilidade, sou o primeiro a estender as mãos.
P – Bolsonaro disse que desconhece o “caiadismo”. O “caiadismo” existe? E tem força para suplantar as divisas de Goiás?
RC – Eu sou um pouco avesso a essas coisas, tanto é que sou o único governador de Goiás que nunca colocou foto [no gabinete]. A foto é da bandeira do estado de Goiás. Precisamos parar com esse personalismo. Emblema do governo não é a cara do Ronaldo. Eu nunca impus caiadismo, eu impus eficiência. A personalização da política faz a pessoa às vezes se sentir grande demais.
P – E como o sr. acredita poder ser o nome da direita mesmo com a eventual oposição de Bolsonaro?
RC – Que eu serei candidato no primeiro turno, serei. E vou trabalhar muito para chegar no segundo. Modéstia à parte, acho que mereço essa chance. Sem desmerecer os meus colegas que sairão também. Nós temos aí a melhor safra de governador, Tarcísio [SP], Zema [MG], Ratinho Jr. [PR], Eduardo Leite [RS] e tantos outros colegas que poderão se lançar.
Acho que pode ser uma eleição no primeiro turno com muitos candidatos. Irei trabalhar muito para chegar nesse segundo turno e poder levar tudo que acumulei na minha experiência de vida e nos resultados que consegui.
P – Candidata-se com ou sem Bolsonaro?
RC – A nossa candidatura não pode ter condicionante. Ele próprio pode ter a oportunidade dentro do partido dele de escolher o candidato, é normal isso, como podem ter candidatos Republicanos, PSD, PP, MDB, todos eles são partidos grandes como o meu, o União Brasil.
P – O sr. apoia a anistia a Bolsonaro?
RC – Esse assunto é da alçada do Supremo Tribunal Federal. Eu sempre fui favorável a esse processo de anistia. A democracia exige trazer um clima de paz. E no momento que você tem alguns desentendimentos, vamos pacificar o processo.
Vamos fazer como Juscelino Kubitschek, que para mim foi o maior estadista desse país, quando disse, tudo bem, vocês querem dar o golpe aí, vamos deixar isso de lado, anistia esse povo, deixa eu trabalhar, vamos construir Brasília, vamos desenvolver o Centro-Oeste brasileiro. Isso é que é governar.
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Raio-x
Ronaldo Caiado, 75, é médico e governador de Goiás pelo segundo mandato consecutivo. Antes foi deputado federal e senador. Nos anos 1980 presidiu a UDR (União Democrática Ruralista) e, em 1989, foi candidato à Presidência da República, ficando em décimo lugar na disputa.
RANIER BRAGON / Folhapress