Caio Blat e Herson Capri fazem pai e filho na peça ‘Memórias do Vinho’

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A imagem vem à frente dos artistas. Herson Capri, de 72 anos, faz questão de deixar um pouco à mostra a camiseta por baixo do suéter. Ele não quer aparecer tão arrumadinho em frente às lentes do fotógrafo. Já Caio Blat, de 44 anos, vai ao camarim tirar o bigode, antes de posar para os retratos. Os dois atores, de gerações distintas, serão agora pai e filho em “Memórias do Vinho (Per Bacco)”, peça em cartaz no Teatro Vivo. Em comum, eles se notabilizaram como galãs na televisão e viram a masculinidade passar a ser um tema discutido por toda a sociedade, e não mais silenciado.

Nenhum deles, porém, se sente confortável quando são escalados para esses papéis. “O galã era sempre associado ao canastrão, sempre foi pejorativo, mas isso está mudando, nem todo bonitão é um ator ruim”, diz Capri, que encantou a audiência da Globo nas novelas “Guerra dos Sexos”, nos anos 1980, e “Negócio da China”, há 16 anos. “Os últimos vencedores do Oscar são charmosos e ótimos atores, isso é só um preconceito, eu não entro nessa ‘vibe’, eu gosto de fazer personagens.”

Tendo atuado há dez anos em “Império” e em “Joia Rara”, Blat diz que a postura do homem galanteador tem mudado, um reflexo do crescente protagonismo feminino. Assim, ele afirma que todos estão se adequando à nova realidade, de personagens menos machistas e com uma atitude mais “desconstruída”, como dizem as redes sociais. Contudo, a própria internet, de tempos em tempos, põe à prova sua masculinidade. Na semana passada, a cena do ator nu, no filme “Cama de Gato” voltou a atrair o interesse dos internautas. Blat se tornou o assunto mais comentado do X, o antigo Twitter.

“Tinha 19 anos, estava querendo chocar, não quero mais fazer isso e não era de jeito nenhum um exibicionismo”, ele conta. “Estava na Globo recebendo o rótulo de galãzinho e ainda fazia o par romântico da Regina Duarte. Queria mostrar para as pessoas que eu sou além disso, então, o ‘Cama de Gato’ foi uma possibilidade radical de mostrar o meu trabalho. Isso acabou abrindo uma porta no cinema alternativo para mim.” O artista, porém, só atiçou mais os fãs ao participar do “Surubaum”.

No insólito podcast comandado por Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, o ator Marcelo Serrado, que esteve na novela “Beleza Fatal”, da Max, ao lado de Blat, disse ter achado “absurdo” o tamanho do pênis de seu colega. Blat afirma agora não ter gostado do comentário e tampouco se sente bem com a fixação das redes pelo tema. “Não foi um elogio, acho uma babaquice. Eu acho totalmente machista, jamais falariam assim do corpo de uma mulher, é bem desagradável”, afirma.

Também foi em “Beleza Fatal” que Capri e Blat se conheceram, encarnando curiosamente uma relação entre pai e filho. Eles integram a lista de atores que perderam o contrato fixo com a Globo e admiram a tentativa do streaming em produzir folhetins mais compactos. Mas dizem que as plataformas devem percorrer um longo caminho para atingir o padrão de qualidade da emissora carioca. “Falta se democratizar, falta as pessoas terem acesso ao streaming, falta muita coisa, e os executivos estão lá debatendo para responder a essa pergunta que vale US$ 1 milhão”, afirma Blat.

“Memórias do Vinho” é um dos dois textos escritos pela atriz Jandira Martini, antes de sua morte, em janeiro deste ano -o segundo, “Jandira: Em Busca do Bonde Perdido” está viajando o país, neste momento.

A trama que será encenada agora na capital paulista é centrada no reencontro de um pai, Daniel de Almeida Queiroz, personagem de Capri, com o seu filho, Daniel de Almeida Queiroz Jr., interpretado por Blat, afastados há anos por uma discordância política e por afetos mal resolvidos. A coleção de vinhos do pai, uma reunião de presentes e raridades arrematadas em leilão, pode representar a chance que faltava para o filho tirar do papel um projeto pessoal ambicioso.

Só que, pouco a pouco, o reencontro é abalado por revelações do passado, sobretudo com a leitura de um diário, onde o pai, um engenheiro civil aposentado, detalha as informações sobre os momentos em que cada garrafa é aberta. O cenário da peça reproduz uma imensa adega, e a luz dos holofotes se esmerila pelos rótulos.

“O filho, nesse tipo de relação, tem sempre essa coisa de tentar obter a aprovação do pai, mas aqui ele só quebra as expectativas da figura paterna. Ele tenta superar o pai”, diz Capri. A dramaturgia aposta na simbologia da bebida e seus diferentes significados.

“Per Bacco”, para Baco, em português. O próprio nome da peça indica que vinho e teatro têm uma ligação umbilical. Na Grécia Antiga, Baco era o deus do vinho e do teatro. Dioniso se manifesta na folia, emoção comum à arte teatral e aos efeitos da bebida.

Elias Andreato, o diretor da montagem, diz que se encantou com a simplicidade do texto, algo que o norteou no trabalho com a dupla de atores. “Já fiz muita peça que as pessoas saíam do teatro sem entender nada”, diz ele. “Mas a dramaturgia dessa obra é feita para o público. Como artista, eu estou aberto para diferentes tipos de teatro, porque essa conversa de ‘o meu teatro é assim, o resto é uma merda’ eu acho ridículo.”

Na contramão das modernidades, os atores concordam que o importante, na encenação, é estar a serviço de uma história a ser contada. Não à toa, eles ecoam um pensamento semelhante ao serem perguntados sobre o estilo de atuação a ser adotado. Os atores enfatizam a importância de expressar uma verdade, de convencer o público, numa perspectiva tradicional e naturalista. Segundo eles dizem, esse objetivo não muda com a linguagem, estando presente no audiovisual e no teatro.

Andreato afirma não se tratar do caso de Blat e Capri, ambos conhecedores da cena, mas ele tem observado um movimento de artistas de novelas simulando uma súbita paixão pela arte de Dioniso. “Agora que ninguém tem mais contrato fixo todo mundo diz ‘o teatro é minha casa, o teatro está dentro de mim, nunca saí daqui’. Eu falo assim ‘pô, vocês estavam onde que eu não encontrava vocês?”, questiona o diretor, dando risada.

Memórias do Vinho (Per Bacco)

Quando: Estreia em 2 de agosto; sex. e sáb. às 20h; dom. às 18h

Onde: Teatro Vivo – av. dr. Chucri Zaidan, 2460, em SP

Preço: R$ 40 a R$ 150

Classificação: 12 anos

Autoria: Jandira Martini

Elenco: Herson Capri e Caio Blat

Direção: Elias Andreato

GUSTAVO ZEITEL / Folhapress

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