BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Caixa Econômica Federal contratou como consultor da presidência do banco um advogado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que teve transações financeiras com um alvo no caso do kit de robótica.
Desde 20 de setembro, o advogado Luiz Maurício Carvalho e Silva é empregado na Caixa como consultor do presidente, Carlos Vieira.
O advogado defende Lira em um imbróglio com posseiros sobre terras não declaradas em Pernambuco e já representou a mãe do deputado em outro processo. Também já trabalhou na Codevasf, estatal sob influência de Lira e alvo de denúncias de corrupção com dinheiro de emendas parlamentares deixou o cargo em junho do ano passado.
No fim de 2023, o presidente Lula (PT) atendeu a indicação de Lira para o comando da Caixa e nomeou Carlos Vieira. Desde então, os cargos do banco têm sido divididos entre diferentes partidos, como o PP, o Republicanos e o PL.
Em nota, a Caixa afirmou que a contratação de Luiz Maurício “obedeceu aos ritos de governança e integridade” da instituição. “O banco adota mecanismos de compliance, estabelecendo diretrizes que visam identificar e mitigar conflito de interesse de seus empregados e colaboradores, assegurando a conformidade com as normas e valores que regem a organização.”
Lira foi questionado pela reportagem sobre a indicação do advogado dele para o cargo na Caixa, mas não quis se manifestar.
Em abril de 2022, a Folha de S.Paulo mostrou que o governo Jair Bolsonaro (PL) repassou R$ 26 milhões para sete municípios alagoanos adquirirem kits de robótica. As cidades tinham contratos com uma empresa, a Megalic, cujos donos são aliados do presidente da Câmara.
O jornal revelou à época indícios de fraudes nas licitações dos municípios para a compra dos kits, adquiridos com dinheiro de emendas de relator parte do orçamento comandado por Lira. Também mostrou que a Megalic pagou R$ 2.700 pelos equipamentos e os vendeu por R$ 14 mil a empresa nega irregularidades.
Foi com base nessas reportagens que a Polícia Federal iniciou uma investigação anulada, posteriormente, pelo ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Os investigadores chegaram a supostos operadores e ao assessor de Lira por meio de rastreio de valores e suspeitos.
Um dos alvos foi o policial e empresário Murilo Sergio Juca Nogueira Junior. A PF identificou uma série de transações dele com a Megalic e, no escritório dele, foi encontrado um cofre com cerca de R$ 4 milhões.
Relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) obtidos pela reportagem, e que integram outra investigação (Operação Face Oculta), indicam que o advogado Luiz Maurício fez transações com Nogueira Junior.
O advogado de Lira repassou R$ 50 mil ao empresário e policial. As movimentações ocorreram de dezembro de 2021 a novembro 2022, parte do período investigado pela PF no caso dos kits de robótica.
Questionado sobre a transação, Luiz Maurício disse que é amigo pessoal de Nogueira Junior e que a transferência se refere ao pagamento de um empréstimo pessoal. Ele disse não se lembrar de quando tomou esse empréstimo.
O advogado disse que ainda defende Lira em dois processos de questões cíveis. Afirmou que a consultoria da presidência “é um órgão consultivo e multifacetado” e que atua em “diversos temas inerentes à atividade do banco”.
O escritório de advocacia do agora funcionário da Caixa está registrado no mesmo endereço de uma consultoria em nome de Luciano Cavalcante, ex-assessor de Lira também investigado no caso dos kits. O sócio de Luciano nesta empresa, por sua vez, é o presidente interino da Caixa Asset: Heitor Souza Cunha a coincidência de endereços foi revelada em reportagem da Agência Pública.
À Agência Pública o advogado disse que Luciano é seu amigo de muitos anos e que as duas empresas apenas dividem o mesmo imóvel, em Brasília, sem nenhuma relação.
A reportagem também procurou a defesa de Luciano Cavalcante e não teve resposta.
Gilmar Mendes suspendeu o inquérito policial sobre a compra de kits de robótica ao concordar com argumento de Lira de que a PF teria desrespeitado seu foro especial no andamento do caso.
O ministro disse que a polícia instaurou investigação a partir de notícia jornalística “que expressamente sugeria o envolvimento de parlamentar federal em suposto esquema de malversação de recursos públicos”.
Em agosto de 2023, Gilmar anulou todas as provas colhidas e determinou a devolução de bens apreendidos, como automóveis e computadores.
As investigações da PF haviam seguido por mais de oito meses antes de chegar a uma pessoa relacionada ao presidente da Câmara. O nome de Lira só apareceu na investigação com a deflagração da operação policial em junho de 2023, ocasião em que os policiais encontraram uma lista com pagamentos atribuídos a ele.
No mesmo mês, a polícia remeteu o caso ao STF por causa do foro.
No mês passado, a Segunda Turma do STF se manifestou contra pedidos feitos por investigados, como Murilo Nogueira Junior e Luciano Cavalcante, para resgatar parte dos valores encontrados pela PF no cofre e em malas durante as investigações.
De acordo com os ministros, há dúvidas sobre a origem lícita do dinheiro, apesar de a investigação ter sido anulada por Gilmar.
Segundo funcionários da Caixa, consultores da presidência, como é o caso do advogado de Lira, recebem cerca de R$ 40 mil por mês. A reportagem perguntou à empresa o valor do salário, mas não houve resposta.
A Caixa informou que o cargo ocupado por Luiz Maurício “tem como principais atribuições a avaliação de aspectos estratégicos, técnicos e legais relacionados aos processos, produtos e serviços do banco, e o acompanhamento do cenário político, econômico, social, tecnológico e cultural para auxiliar a alta gestão na tomada de decisões”.
THAÍSA OLIVEIRA E PAULO SALDAÑA / Folhapress