BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A liberação de uma parcela de 5% dos recursos da poupança, hoje parada em depósitos compulsórios no Banco Central, poderia injetar cerca de R$ 20 bilhões na capacidade da Caixa de financiar a compra da casa própria, afirma a vice-presidente de Habitação do banco, Inês Magalhães, em entrevista à Folha de S.Paulo.
A medida é uma reivindicação das instituições financeiras para atender a uma demanda aquecida por crédito imobiliário, mas também iria ao encontro do desejo do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de implementar medidas de sustentação ao crescimento no curto prazo, para evitar uma desaceleração do PIB (Produto Interno Bruto).
Segundo ela, eventual decisão de liberar a parcela do compulsório teria um impacto total no setor bancário de R$ 28 bilhões. Porém, a Caixa, como principal operadora do crédito com recursos do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), seria a principal beneficiada.
“A gente tem conversado com o Banco Central, com a Fazenda, e também está se construindo convicções de que isso seria uma medida importante para a economia, sobretudo”, afirma Magalhães.
“Seria uma coisa muito razoável, que já foi feita [no passado] e que é uma decisão do Conselho Monetário [Nacional]. Seria uma medida de curto prazo bem interessante”, diz.
O CMN é o órgão superior do Sistema Financeiro Nacional e tem a responsabilidade de formular a política da moeda e do crédito no país. Ele é formado pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do Banco Central.
Segundo interlocutores ouvidos pela Folha de S.Paulo, a redução do compulsório tem simpatizantes dentro do Executivo, para quem a medida seria importante para dar um estímulo de curto prazo à atividade econômica.
No Banco Central, a discussão é vista com cautela, pois a liberação dos recursos daria um fôlego apenas de curto prazo uma vez exaurido o dinheiro extra, não haveria alternativa para continuar impulsionando essa expansão. Além disso, não resolveria o problema estrutural, que é a tendência de esgotamento da poupança como principal fonte de financiamento barato para a compra da casa própria.
Procurado, o BC diz, em nota, que acompanha de forma contínua as condições de captação e liquidez dos bancos, bem como o mercado de crédito.
“A avaliação de potenciais alterações nos recolhimentos compulsórios é contínua, tendo em conta o funcionamento e a conjuntura nesses mercados”, afirma. A autoridade monetária diz ainda que “a competência para a fixação da alíquota de compulsório da poupança é do BC, não do CMN”.
O Ministério do Planejamento não quis comentar. A Fazenda não respondeu até a publicação deste texto.
Os depósitos compulsórios são um instrumento usado pelo BC para ajudar a regular a quantidade de moeda na economia e também obrigar as instituições financeiras a formar uma reserva própria de emergência (chamada de “colchão de liquidez”) para situações de crise.
Uma parte do dinheiro depositado pelos correntistas precisa ficar, obrigatoriamente, recolhida nos bancos na forma de depósitos compulsórios. No caso dos recursos da poupança, o percentual exigido é de 20%. A reivindicação é reduzir essa alíquota para 15%.
Magalhães argumenta que a liberação dos recursos seria positiva para a economia e para o segmento da habitação. Em sua avaliação, o setor se consolidou como um componente forte de investimento no país, com repercussão sobre os níveis de emprego e renda.
Ela ressalta que a medida afeta apenas os empréstimos com recursos do SBPE, sem relação com o Minha Casa, Minha Vida, que tem como fonte de financiamento os depósitos dos trabalhadores no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
No ano passado, as contratações da Caixa com recursos do SBPE somaram R$ 75,23 bilhões um orçamento “muito suado”, nas palavras da vice-presidente da Caixa. Neste ano, a previsão do banco é contratar um valor menor, de R$ 69,3 bilhões.
“A gente fez o esforço de continuar emprestando no SBPE porque nós somos um banco público, é importante para a economia, e porque a gente, de alguma maneira, pode sacrificar um pedaço do resultado fazendo um mix de recursos com poupança e LCI [Letra de Crédito Imobiliário]”, diz.
Magalhães reconhece o desafio estrutural imposto pela mudança na relação dos brasileiros com seus investimentos.
“Não temos ilusões de que a poupança volte a ter uma captação como já teve em um momento. As taxas de juros continuam altas, não é um investimento atrativo. E, mesmo com a queda da taxa de juros, ela não terá, na composição dos fundings, o mesmo peso que teve há dez anos. O Tesouro Direto está aí, você teve uma democratização da informação para investimentos com baixo risco”, diz.
Após uma captação recorde de R$ 166,3 bilhões em 2020, ano em que a elevação das transferências de renda e a redução no consumo das famílias (decorrentes da pandemia de Covid-19) favoreceram a poupança, o BC registrou uma saída de R$ 226,6 bilhões entre 2021 e 2023 (valores nominais).
Segundo Magalhães, é preciso migrar de modelo, mas este ainda é o único consenso, já que ainda não há uma solução pacificada para o problema.
Uma opção seria a securitização, solução de mercado já empregada por outros países e em outros produtos financeiros no Brasil. A instituição concede o empréstimo e, antes de receber os pagamentos de volta, vende a carteira para um investidor, que terá o direito sobre esses créditos.
O desafio é tirar essa ideia do papel sem encarecer o crédito imobiliário e, ao mesmo tempo, oferecer uma taxa atrativa para quem for adquirir a carteira.
“Nós somos o país da jabuticaba. Essas são duas jabuticabas maravilhosas que nós temos. Poucos países no mundo têm a disponibilidade de um funding como o FGTS e como o crédito direcionado do SBPE. Ter um funding barato para atender um país com a renda que nós temos é uma coisa fundamental”, diz.
“Hoje nós ainda temos uma dependência grande dos recursos da poupança para manter os juros para a classe média de maneira adequada.”
COBIÇA DO CENTRÃO
No cargo desde março de 2023, Magalhães teve sua permanência à frente da área de Habitação ameaçada pelo centrão, que patrocinou a troca no comando da Caixa e cobiçava o controle de uma das principais vitrines sociais do governo: o Minha Casa, Minha Vida.
O novo presidente da instituição, Carlos Vieira, tomou posse no início de novembro por indicação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), após longa negociação com Lula.
Embora não tenha, no início, dado certeza da permanência, Vieira manteve a vice-presidente no cargo um arranjo atribuído nos bastidores às resistências de Lula em destituir uma aliada do posto.
Magalhães foi secretária nacional de Habitação entre 2005 e 2016 e participou da gestação do Minha Casa, Minha Vida no segundo mandato do petista.
“As coisas estão ótimas. Eu trabalhei com o Carlos [Vieira], então nós já nos conhecíamos antes dessa mudança na Caixa. Nos damos muito bem. Para mim foi uma escolha muito acertada, ele é uma pessoa muito fácil de trabalhar, não teve nenhum problema em relação a isso. [Ele] Me convidou para ficar, estou aqui”, diz.
Magalhães alterna entre risos e silêncio quando questionada sobre a cobiça do centrão ou as especulações de que foi Lula quem exigiu sua permanência na Caixa.
“É muito difícil responder a essa pergunta. Acho que eu tenho uma legitimidade, por ser uma pessoa que trabalhou no Minha Casa desde a sua gestação e tal. É por isso que eu fui convidada a vir e acho que para permanecer”, afirma.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress