SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “O El Niño não bate à porta e senta para tomar um café, ele não ‘chega'”, diz a meteorologista Josélia Pegorim, 63. Para ela, 2023 coroou o aumento da demanda por informação sobre clima e tempo que ela viu nos últimos três anos.
Ela e outros profissionais da previsão do tempo se perceberam trabalhando mais vezes e com temas mais variados sobre as condições que guiam sua atividade diária.
Explicar os efeitos do El Niño, por exemplo, inclui dizer repetidas vezes que o fenômeno não vai a lugar algum. Ele é caracterizado pelo aquecimento acima da média das águas na região equatorial do oceano Pacífico. Isso causa mudanças na circulação atmosférica, em regimes de chuva e de temperatura. No Brasil, o El Niño está associado a chuvas torrenciais no Sul e a estiagens mais severas no Norte.
O didatismo de Pegorim, que trabalha na empresa privada Climatempo, é encarado como obrigação. “Se você sabe, se tem o dom da comunicação, precisa passar para a frente.” Meteorologista há 35 anos, ela sempre desempenhou a função de comunicar a previsão do tempo em entrevistas em texto, áudio e vídeo, e viu esse trabalho mudar.
“Não é só a comunicação meteorológica, é algo voltado para alertas, mais sensível. Até porque, se não acontece a catástrofe, a pessoa não acredita mais.”
E os últimos anos foram movimentados. Em 2022, o total de pessoas atingidas por desastres ligados a chuvas no país e o número dessas ocorrências bateram o recorde da década, segundo a Defesa Civil Nacional.
Já em 2023, chuvas extremas que deixaram mortos e desabrigados no Sul e em outras regiões do país e uma seca histórica na Amazônia marcaram o ano que pode ser o mais quente da história do planeta.
Os problemas na distribuição de chuvas no espaço e no tempo têm sido apontados como efeito do aquecimento global causado pela atividade do homem, com reflexos em diferentes campos, como o agronegócio.
“Vamos por partes. Tem notícias boas e outras que não são tão boas assim”, disse a meteorologista do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) Andrea Ramos, 50, no começo de sua participação em um programa transmitido pela internet para falar sobre as chuvas na virada de 2023 para 2024 e os efeitos no campo.
Com 20 anos de carreira, ela integra a equipe do órgão oficial de meteorologia do país, vinculado ao Ministério da Agricultura e Pecuária.
Diariamente, ela e outros profissionais do instituto dão entrevistas a jornalistas, publicam vídeos e textos com a previsão do tempo e outras informações, como as ações e movimentações de sistemas meteorológicos. Ramos diz que 2023 foi desafiador pela incerteza. “O ano foi atípico, considerando o que se previa para o El Niño, ficou quente muito acima do que estávamos esperando. Com isso, a emissão de avisos meteorológicos, de ondas de calor, aumentou a nossa demanda.”
Ela se refere às ondas de calor que atingiram o país, especialmente a que durou de 13 a 19 de novembro, quando foi registrado a a temperatura recorde de 44,8°C no município mineiro de Araçuaí.
Outra parte do desafio é comunicar os impactos de mudanças climáticas, analisadas em escalas de tempo muito maiores do que os avisos de temperatura e chuva para determinados dias.
“Muitas vezes as pessoas misturam, pedindo previsão climática para o dia. Os termos são diferentes, isso é previsão do tempo”, explica Ramos. As análises climáticas contam com modelos estatísticos para verificar tendências mais amplas. No caso do Inmet, são feitas para os períodos de dois, três e até seis meses.
Se viraram parte essencial da rotina dos meteorologistas, as entrevistas também fazem parte da rotina do público que as acompanha. Com a aparição cada vez mais frequente, os profissionais que trabalham na previsão do tempo ganharam rosto, canais e perfis nas redes e mais interação com as pessoas, para o bem e para o mal.
“Tem sido desafiador falar em mudança climática por causa da politização do tema. Sabemos que toda vez, parte do público vai nos criticar, acusar e ofender. É difícil, mas vamos nos acostumando”, diz Estael Sias, 46, meteorologista e sócia da MetSul.
Na área há 23 anos, ela defende a qualidade técnica da previsão contra correntes de negacionistas. “Às vezes, meus filhos leem os comentários e ficam chateados porque veem meu esforço. Quando tem tempestade, passo a noite acordada.”
A profissional acompanha a produção de ciência em áreas como a climatologia, o que funciona como um sinal de confiança para as previsões e alertas diários.
“Mudança climática, apesar de algo de longo prazo, não é mais do futuro. É do presente. A academia vai estudar isso, mas percebemos na rotina.”
A região com a qual ela trabalha, que abrange o Sul do país e as regiões de fronteira com Paraguai, Uruguai e Argentina, é onde surgem diversos fenômenos meteorológicos. Enquanto Paraná e São Paulo já recebem os eventos com algum histórico, Sias e os colegas trabalham com os primeiros dados e efeitos.
“Enquanto Centro-Sul e Sudeste têm mais chuvas na época de chuva, aqui é o ano inteiro. Gaúchos, argentinos e uruguaios são exigentes porque estão sempre expostos.”
Mas os ataques não são a única reação ao trabalho das meteorologistas. “Passados 30 anos, acho que dá para dizer que criamos uma cultura. Cansei de ouvir coisas como ‘é um horror quando você sai de férias’, ou ‘não consigo sair de casa enquanto você não fala'”, afirma Josélia Pegorim.
“Com tantos extremos em 2023, acho que a população trouxe um valor muito grande para o nosso trabalho. A gente fica até surpreso com o carinho”, comenta a sócia da MetSul.
LUCAS LACERDA / Folhapress