Calor, invasões e ameaças viram rotina na vida dos motoristas de ônibus do Rio

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Motoristas de ônibus de diferentes linhas municipais do Rio afirmam sofrer com a jornada profissional, considerada exaustiva principalmente com a chegada do verão. Calor, engarrafamento, invasão, ameaça e até sequestro de veículos para usar de barricada são as dificuldades apontadas pela categoria.

Entre outubro de 2023 e outubro de 2024, 147 ônibus foram utilizados como barricada por criminosos. Pelo menos 500 motoristas da região metropolitana do Rio estão em tratamento psicológico permanente por efeitos da violência, segundo dados do Sintronac (Sindicato dos Rodoviários de Niterói a Arraial do Cabo).

O resultado, dizem os profissionais, é uma debandada. Muitos pedem demissão para trabalhar como motorista de aplicativo. Parte dos ônibus circula com cartazes de oferta de vagas, com ou sem experiência, com salários considerados baixos. Das 28 empresas de ônibus do Rio, 10 estão em recuperação judicial.

O movimento de passageiros também despencou. A queda, iniciada em 2017, foi acentuada na pandemia, de acordo com dados da prefeitura. Em 2019, ônibus municipais carregaram aproximadamente 1 milhão de passageiros. Em 2020 foram 553 mil. Em 2023, 641 mil.

A tarifa sofreu reajuste de R$ 4,30 para R$ 4,70 na virada do ano e a partir de julho um novo modo de pagamento vai substituir o atual. O sistema Jaé, criado pela prefeitura, será o único aceito nos transportes municipais. Além do cartão físico, passageiros poderão pagar passagem usando o celular, por meio de QR Code gerado em aplicativo.

Vanderson de Oliveira, 41, trabalhou durante oito anos na linha 474. Em 2013, foi ferido por uma pedra arremessada por um homem do lado de fora do ônibus. Ele sofria com as invasões ao veículo.

“Pulam a roleta, nos ameaçam e se você abaixar a cabeça podem até te bater, como aconteceu com muitos amigos”, diz o motorista.

O Rio Ônibus, sindicato das empresas de ônibus da cidade, diz que colabora com as autoridades de segurança compartilhando dados sobre as ocorrências, também encaminhadas à Secretaria Municipal de Transportes.

Em outra cena desse cotidiano, um passageiro embarcou no ônibus da linha 474 aos gritos. Ele havia sinalizado fora do ponto e queria que o motorista parasse em uma via movimentada de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro.

O passageiro disse que o motorista era muito abusado. O motorista respondeu que se fosse abusado mesmo estaria com um fuzil na mão. Mas que estava segurando um volante, trabalhando.

Era a segunda briga de uma viagem que tinha começado havia poucos minutos antes em Copacabana com destino ao bairro do Jacaré, na zona norte.

“É manhã de terça-feira. Se o clima está assim, imagina o fim de semana de verão”, disse Renato Medeiros, motorista que acompanhava a discussão no coletivo ao lado.

A linha 474, operada pela empresa Braso Lisboa, começou a circular pela cidade na década de 1950. Ganhou fama a partir da década de 1990, quando a ida de adolescentes da zona norte às praias da zona sul em ônibus passou a incomodar os moradores dos bairros à beira-mar.

Furtos na areia e supostos arrastões foram associados à presença dos adolescentes da zona norte. Disputas sobre tolher ou garantir o direito de acesso à praia ganharam páginas de jornais, artigos de opinião, programas de televisão e debates eleitorais. Grupos de justiceiros formados por lutadores amadores de jiu-jítsu se espalharam pela orla.

Em 2018, o então presidente Michel Temer (MDB) decretou intervenção federal no Rio de Janeiro logo após o Carnaval, em nome do “comprometimento à ordem pública”, quando cenas de roubos em bairros da zona sul foram divulgadas pela imprensa.

Prefeitura e polícias, ao longo de diferentes gestões, criaram bloqueios para a chegada dos ônibus. O 474 chegou a ter o ponto final deslocado para a Candelária, no centro, a 9 km da praia de Copacabana.

Para este verão, as regras de abordagens mudaram. Uma instrução normativa prevê que os policiais militares só podem realizar busca pessoal em crianças e adolescentes na presença dos responsáveis ou com a presença de algum representante do conselho tutelar.

As abordagens devem ser realizadas somente com base em fundada suspeita e “de forma empática e respeitosa, evitando qualquer tipo de abuso ou constrangimento”.

Atualmente, viaturas policiais ficam paradas nos principais pontos de acesso aos bairros da zona sul, com constantes abordagens aos passageiros. Há viaturas, por exemplo, em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo estadual, e ao túnel do Pasmado, entre Botafogo e Copacabana.

O 474 transporta aproximadamente 200 mil passageiros por mês, sendo cerca de 160 mil deles pagantes, de acordo com dados da prefeitura. A linha gerou em 2024 uma receita de mais de R$ 5 milhões. A Braso Lisboa não respondeu aos contatos da reportagem.

Apenas 10% das viagens do 474 são climatizadas. Em grupos de WhatsApp, rodoviários de diferentes linhas trocam mensagens sobre a sensação térmica ao volante.

“Motoristas cariocas têm hipertensão, síndrome do pânico, problemas cardíacos e psicológicos”, afirma o rodoviário Augusto Vasco.

Dados abertos da Secretaria Municipal de Transportes mostram que 26% das viagens de ônibus não são climatizadas. Linhas como a 833, entre Santa Cruz e Campo Grande, rodam 100% sem climatização.

A secretaria corta os subsídios das empresas de ônibus flagradas sem climatização —foram descontados R$ 40 milhões em 2024 por causa de viagens sem ar-condicionado, segundo a pasta.

Em dezembro, a prefeitura começou a instalar sensores de medição de temperatura do ar-condicionado em 150 ônibus. Viações que circularem sem a temperatura adequada não poderão receber subsídios municipais, segundo o prefeito Eduardo Paes (PSD).

Sobre o calor, o Rio Ônibus diz que 2.150 novos veículos com ar-condicionado foram comprados e que os consórcios trabalham em força-tarefa para “viabilizar melhorias, inclusive a climatização total dos veículos, no menor prazo possível”.

YURI EIRAS / Folhapress

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