Camilo Cristófaro é cassado por falas racistas e perde mandato de vereador em São Paulo

Camilo Cristófaro é o primeiro vereador cassado por racismo em SP | Foto: André Bueno/Rede Câmara

Após 503 dias, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta terça (19) a cassação do mandato do vereador Camilo Cristófaro (Avante) por quebra de decoro parlamentar devido a falas racistas. Em 2022, ele usou a expressão “é coisa de preto” e a frase foi captada pelo sistema de som da Câmara.

Dos 55 vereadores, 47 foram favoráveis à punição, e ninguém votou pela absolvição. Foram registradas 5 abstenções e uma ausente, Ely Teruel (Podemos). O próprio Cristófaro e Luana Alves (PSOL), que denunciou o vereador à Corregedoria e à polícia, não votaram.

O vereador precisava de pelo menos 19 votos, o equivalente a um terço da Casa, para salvar o mandato. Agora, ele ficará inelegível por oito anos, e o suplente Adriano Santos (PSB) assume o cargo.

Houve protestos do lado de fora da Câmara, com palavras de ordem contra atos racistas e roda de samba e de capoeira. No auditório, as galerias foram divididas entre apoiadores do vereador e aqueles que pediam sua cassação, com cartazes e faixas.

Em sua defesa, Cristófaro afirmou que os manifestantes que pediam sua saída receberam R$ 50 e uma cesta básica e disse que o grupo precisava ter “vergonha na cara”.

“Essas pessoas não sabem o que estão falando. Eu tenho 150 obras nesta cidade, 90% das pessoas beneficiadas são negras. Heliópolis tem o quê? Brasilândia tem o quê? Peruche, tem o quê?”, disse o vereador, que é do Ipiranga (zona sul).

No momento mais quente, o vereador Adilson Amadeu (União Brasil) partiu em direção ao advogado de Cristófaro, Ronaldo Alves de Andrade. Ambos se encararam e bateram boca, e Amadeu passou mal. Ele foi socorrido pela equipe médica da Câmara.

A decisão é o último capítulo de um dos piores vexames do Legislativo paulistano, ao menos na Câmara. Cristófaro já recorreu à Justiça para manter seu mandato, mas ainda não obteve decisão favorável.

Segundo a Câmara Municipal de São Paulo, a cassação de um vereador por racismo é a primeira no país.

Para o presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), a cassação deve servir de exemplo.

“Um grande exemplo para o país uma capital mostrando que o racismo não tem espaço. Temos que praticar a defesa da cidadania todos os dias”, disse.

Questionado sobre outras denúncias de teor semelhante, Leite disse que a Corregedoria tem liberdade para cuidar dos casos. “Vou cobrar para que não fique no vazio”, afirmou.

ENTENDA O CASO

No dia 3 de maio de 2022, Cristófaro usou a expressão “é coisa de preto” para se referir a sujeira nas calçadas. A frase foi captada pelo sistema de som da Câmara durante uma sessão da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Aplicativos.

Na ocasião, a vereadora Luana Alves (PSOL) repreendeu Cristófaro imediatamente e considerou o ato como “extremamente racista”. No princípio, o vereador disse que se referia à cor de um carro; depois, afirmou que havia feito uma brincadeira com um amigo.

Testemunhas de defesa de Cristóforo disseram à Corregedoria da Câmara que a expressão havia sido um gesto direcionado ao amigo Anderson Silva Medeiros.

Após longa tramitação, em agosto deste ano a maioria dos sete integrantes da Corregedoria acatou o relatório de Marlon Luz (MDB).

“O vereador reforçou a percepção socialmente abominável de que as pessoas negras são necessariamente encarregadas de executar trabalhos manuais”, escreveu o relator, em seu voto.

Cristófaro recorreu à Justiça para tentar barrar a sessão desta terça. Sua defesa alegou que teve o direito à defesa cerceado na Corregedoria da Câmara. Também afirmou que não existe crime de racismo imputado a ele e que a imagem política do parlamentar sofre irreparável prejuízo.

Em decisão tomada no início desta tarde, o desembargador do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) Souza Meirelles rejeitou o pedido de liminar, e a sessão foi mantida.

Cristófaro chegou a ser absolvido da acusação de racismo na primeira instância da Justiça. Em decisão publicada no dia 13 de julho, o juiz Fábio Aguiar Munhoz entendeu que a fala do vereador retirada de um contexto de “brincadeira, de pilhéria, mas nunca de um contexto de segregação, de discriminação ou coisa que o valha”.

O Ministério Público já recorreu da decisão. Procurado pela Folha de S.Paulo na ocasião, Cristófaro disse que “venceu a justiça e a verdade”.

Avesso a entrevistas para falar do caso, Cristófaro vinha se defendendo por meio de vídeos. Em um deles, questiona: “O que vale mais, uma frase fora de contexto de dois segundos ou as milhares de horas que eu dedico às comunidades mais carentes desta cidade?”.

Eleito pela primeira vez em 2016, Cristófaro acumulou polêmicas ao longo dos dois mandatos.

Em maio do ano passado, a Folha de S.Paulo mostrou com exclusividade que Cristófaro é acusado de injúria racial pela auxiliar de enfermagem Dilza Maria Pereira da Silva. Após denúncia do Ministério Público, o caso tramita na Justiça.

Na Câmara, Cristófaro já chamou de macaco o vereador Fernando Holiday (PL), no plenário, em 2019. Em 2018, o então vereador fez um vídeo no qual puxava os olhos para se referir ao vereador George Hato (MDB), que tem ascendência japonesa.

CARLOS PETROCILO / Folhapress

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