Campanha de lingerie com atletas de rúgbi reforça estereótipos sexistas, diz especialista

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Recentemente o time feminino de rúgbi da Grã-Bretanha sofreu críticas por uma campanha que envolvia as atletas vestindo lingeries de renda e sensuais.

Com o nome “Strong is Beautiful” (“Forte é Belo”), as jogadoras protagonizaram um ensaio da marca Bluebella com o objetivo de enfatizar a beleza de corpos atléticos.

A publicidade tem como base uma pesquisa da organização Women in Sport, que mostrou que 64% das meninas com mais de 13 anos abandonam os esportes devido a problemas com a imagem corporal.

O tiro, no entanto, saiu pela culatra. A campanha foi recebida com críticas nas redes sociais, dentre elas da campeã de tênis Martina Navratilova, que escreveu em sua conta pessoal no X (ex-Twitter) que a campanha “é retrógrada e sexista”. Muitos comentários ecoaram essa visão, reforçando estereótipos negativos e desrespeitando as atletas.

Carmen Rial, jornalista, antropóloga e doutora pela Universidade de Sorbonne (França), com estudos sobre antropologia do esporte, afirma que a escolha de jogadoras de rúgbi é significativa. Ela destaca que, embora o rúgbi tenha se originado na Inglaterra, ele não se disseminou globalmente como o futebol, permanecendo mais restrito a países europeus, como França, Inglaterra e Romênia.

O rúgbi foi, por muitos anos, praticado apenas por homens, sendo fortemente relacionado à construção da masculinidade, conta. Por um lado, há um acerto em mostrar que mulheres podem e jogam o esporte, assim como desmistificar que só existe um único biótipo feminino para campanhas de lingerie, explica. No entanto, para ela há falhas na execução da publicidade.

“Mostrar mulheres atletas esportivas em lingerie é uma forma, sim, de reforçar alguns estereótipos de gênero. É quase como se a publicidade estivesse dizendo: tudo bem, vocês podem ser fortes e praticar esporte, mas devem continuar usando roupas sexys que agradem ao olhar masculino.”

Ao focar nessa estética, a campanha remete a práticas antigas de hiperssexualização de esportistas, como no Brasil em 1979, quando a imprensa focava em futebolistas brancas e atraentes.

“Essa campanha retoma esse tipo de abordagem, que não favorece nenhuma mudança em relação a padrões estéticos ou na visão do que é uma mulher no esporte”, afirma a antropóloga.

Rial ressalta que uma campanha com tal objetivo seria mais bem-sucedida se “mostrasse os corpos atléticos das mulheres, mas em seus uniformes de jogos”, abordagem também citada por Rafaela Zanellato, jogadora de rúgbi brasileira.

Para Zanellato, a princípio a ideia geral da publicidade foi boa, visando valorizar um corpo atlético, musculoso. “Mas a forma como foi feita, talvez não tenha sido a melhor, já que não abrange todo mundo.”

Ela acredita que a campanha exclui muitas pessoas, pois a maioria dos clubes de rúgbi no Brasil e no mundo não segue esse padrão. Suas amigas de outros times também não se sentiram representadas pela campanha.

“Não é só sobre mostrar o corpo: empoderamento vem também por meio de uma fala, pode vir de muitas outras formas.”

A atleta diz que conversou com colegas de outros times na Austrália e na França e que elas também tiveram esse incômodo, de que há uma falta de representação do que é o esporte na campanha, além da sexualização. Por fim, acredita que a campanha teria um resultado positivo se tivesse respeitado o rúgbi, com peças com uma estética mais esportiva, que realmente valorizasse a beleza dos corpos atléticos.

Amanda Souza, consultora de imagem, palestrante e ativista pela liberdade corporal, conta que cresceu com o estigma de perder sua “identidade feminina” por ter praticado ginástica olímpica na infância.

“Não fui aceita por causa do meu peso e sempre quis ser ginasta, mas falaram que eu perderia minha feminilidade com a mudança do corpo”, lembra.

“No entanto, não vemos mulheres gordas, mães, com flacidez ou atletas fortes em campanhas de lingeries. Esses corpos definidos sempre foram considerados não femininos. Vejo a importância destas atletas de lingerie; achei o ensaio belíssimo, mas entendo as implicações, dado o contexto”, afirma Souza.

Pensando nessa abordagem, que acaba sendo excludente com outros corpos, ela vê esse tipo de publicidade como uma forma de usar a “diversidade para apagar incêndio publicitário”.

As mulheres entrevistadas concordam que a tentativa da Bluebella em celebrar a força e a beleza das atletas femininas é louvável, mas a execução acabou reforçando estereótipos que os movimentos feministas vão contra.

Para Rial, uma forma de identificar se uma publicidade reforça estereótipos de gênero é colocando o homem na situação contrária, segundo tese do antropólogo norte-americano Irving Goffman. “Se aquilo lhe chocar, você está diante de um estereótipo”.

Nas redes sociais, a marca afirmou que quer “celebrar e normalizar a beleza de corpos femininos fortes e poderosos”. “Nós temos feito essa campanha por nove anos e estamos honrados de contar com inúmeros atletas de nível mundial.”

RAÍSSA BASÍLIO / Folhapress

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