SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando as chuvas atingiram Santa Cruz do Sul (RS), o professor de jornalismo Willian Araujo se viu obrigado a usar o rádio de pilhas para buscar mais informações sobre o que estava acontecendo. Com problemas de conexão com a internet e falhar na energia elétrica, o aparelho virou a melhor maneira de receber informações seguras.
Ele havia comprado o rádio no ano passado, quando foi assistir, no estádio da cidade, o jogo do time do qual é torcedor, o Internacional, contra o time local, o Avenida.
“Soube que a babá dos meus filhos não conseguiria chegar aqui [em casa] por causa das informações sobre as enchentes”, exemplifica.
A proposta de criar uma campanha para arrecadar rádios de pilha para os atingidos pelas enchentes que estão em áreas isoladas e na zona rural ganhou impulso graças à experiência da professora de direito Grace Kellen de Freitas Pellegrini. Ela conta que o rádio é fundamental na comunicação com os moradores de áreas rurais mesmo em tempos normais. “Existem muitos trabalhadores rurais que fazem suas tarefas ouvindo rádio”, diz.
Ela é coordenadora do curso de direito e do escritório de prática da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), da qual Araujo também é professor, e diz que já usa boletins de rádio para se comunicar com as populações de áreas mais afastadas de Verâncio Aires e Sobradinho, onde ficam os campi da instituição em que atua.
Os informativos servem normalmente para oferecer informações sobre direitos dos trabalhadores e oferecem os serviços dos estagiários da Unisc. “As pessoas comentam nas ruas dessas cidades que nos ouviram ou que alguém falou que nos ouviu”, conta.
Agora, com o agravamento da situação, ela diz que o meio de comunicação se tornou ainda mais necessário. “As pessoas precisam saber dos direitos delas e de como fazer para exercer cada um deles”, diz. Por isso, ela defendeu a ideia de doar rádios.
A vantagem é que o equipamento não depende de energia elétrica e as ondas de transmissão chegam onde nem sempre a internet está disponível. “Existem muitas pessoas ilhadas, cujo acesso depende de barcos e helicópteros. A ideia é mantê-las bem informadas”, fala.
Para que os rádios cheguem a quem precisa deles, a ideia de Araujo e Grace é que eles sejam distribuídos pela Defesa Civil. Entre as prioridades na região está o município de Sinimbú, um dos mais devastados pelas enchentes.
Santa Cruz do Sul é um município com um parque industrial relacionado à produção de tabaco e agricultura familiar em suas áreas rurais. Araujo diz que as comunidades mais atingidas foram Rio Pardinho, na zona rural, e Várzea, na periferia da área urbana. “Além das pessoas que estão sem luz, muitos perderam seus eletrodomésticos”, comenta o professor.
Segundo ele, a rádio tem um papel importante também por transmitir informações confiáveis e tentar conter a onda de notícias falsas que estão circulando na região das enchentes. “A gente sabe que as pessoas estão precisando prioritariamente de água, comida e roupas, mas elas precisam também saber o que está acontecendo”, opina.
A iniciativa da Unisc recebeu o apoio de diversas entidades ligadas à radiofusão, como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert), Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), Museu Brasileiro de Rádio e Televisão. A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) também aderiu.
A Unisc está transmitindo boletins informativos diários em sua rádio, no ar desde 2022. Ironicamente, Araujo foi na época um dos professores contrários à instalação da antena de transmissão, por considerar que o custo era muito elevado. “Na época, eu achei que o custo era muito alto e seria melhor investirmos aquele dinheiro na produção de conteúdo digital”, diz. A realidade atual o fez ver que estava enganado naquela época.
LEONARDO FUHRMANN / Folhapress