Campeã em homicídios em 2022, Bahia só resolve 17% dos casos, aponta levantamento

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Bahia, estado com o maior número de assassinatos em 2022 e que vive uma crise de segurança pública, só resolveu 17,2% desses crimes no ano passado, quando era governada pelo hoje ministro Rui Costa (PT), chefe da Casa Civil de Lula.

A informação consta do levantamento sobre resolutividade de inquéritos policiais da Adepol (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil), uma entidade de classe que solicitou informações, via Lei de Acesso à Informação, para as polícias civis de cada unidade da federação.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam a Bahia como o estado com maior número absoluto de mortes violentas do Brasil desde 2019. O indicador reúne os crimes de homicídios dolosos, latrocínios, lesão corporal seguida de morte e mortes por intervenção policial (em serviço ou não). Em 2022, o estado conseguiu reduzir em 5,9% o número de ocorrências, fechando o ano com 6.659 casos. Só os homicídios foram 5.044.

Os números colocam em xeque a política de segurança pública baiana, principal gargalo dos quase 17 anos de gestões do PT na Bahia. O estado vive um contexto de acirramento da guerra entre facções, interiorização da violência urbana e escalada da letalidade policial. Em 2022, a Bahia foi campeã em número de mortes em decorrência de intervenção policial, com 1.464 ocorrências.

“A Bahia vive um recrudescimento da violência ao mesmo tempo em que tem baixa resolutividade de crimes. Sem melhorar as condições de trabalho da Polícia Civil [responsável por investigar os crimes], não se consegue identificar e responsabilizar os atores, reforçando um círculo vicioso”, avalia o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.

Para Lima, o estado é um “exemplo de uma lógica que tem imperado no Brasil: responder à violência com base no policiamento ostensivo fardado [das polícias militares]”.

Desde o final de julho, crianças e jovens foram mortos durante operações policiais em comunidades de Salvador e do interior do Estado, que vitimaram mais de 40 pessoas. Desde segunda (4), uma ação na capital deixou um saldo de oito presos, dez mortos e seis fuzis apreendidos.

Entre os mortos neste ano está Gabriel Silva da Conceição Junior, de apenas dez anos, baleado durante ação policial quando brincava na porta de casa em Lauro de Freitas, na Grande Salvador.

Foi nesse contexto que o atual governador Jerônimo Rodrigues (PT) disse ser o “governador dos direitos humanos”.

“Temos visto na Bahia casos horríveis de chacinas e execuções com certo grau de legitimação por parte de algumas autoridades públicas”, afirma a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.

“Só enfrentamos os homicídios quando há priorização, e isso passa por declarações públicas precisas que condenam a violência e a violência policial, além de investimento na investigação desses crimes, num policiamento menos violento e na integração federativa porque o crime organizado é nacional”, aponta ela.

Procurados, o governo do estado da Bahia, a secretaria da Segurança Pública baiana e a Polícia Civil do estado não quiseram se pronunciar sobre os dados.

Nesta terça (5), em entrevista coletiva, o secretário Marcelo Werner classificou a mais recente ação da polícia como uma resposta a grupos criminosos que tentam demonstrar poder bélico e desafiar as forças de segurança. “A gente tem mostrado, pelas ações que estão sendo realizadas ao longo deste ano, que estamos fazendo frente ao crime.”

Já o governador prometeu “pulso firme no combate à violência”. “O trabalho de avaliação, monitoramento e orientação das nossas forças é constante, seguindo a missão de proteger vidas, respeitando os direitos humanos e garantindo o cumprimento da lei”, declarou.

LEVANTAMENTO EVIDENCIA FALTA DE ÍNDICE NACIONAL

O levantamento da Adepol que apontou a Bahia como estado com pior resolução de inquéritos de homicídios em 2022 usou dados autodeclarados pelas próprias polícias civis de todas as unidades federativas do país.

No extremo oposto da Bahia, com desempenho acima de 90%, estão os dados enviados por Mato Grosso (90,1%), Roraima (93,5%) e Mato Grosso do Sul (94,9%). Esses estados tiveram, respectivamente, 1.072, 194 e 515 mortes violentas intencionais em 2022.

“A gente tende a dizer que elucidação de homicídios é muito ruim no Brasil, mas a verdade é que o quadro é muito heterogêneo”, afirma o sociólogo Arthur Trindade, ex-secretário de Segurança Pública do DF e diretor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília.

A falta de parâmetros nacionais para medir a qualidade das investigações policiais no Brasil, no entanto, faz com que esse cálculo seja feito de diferentes maneiras ao longo do país, o que prejudica sua comparação.

“É um estudo inaugural, e não perfeito, mas traz uma análise importante que mostra ser essencial investir nas polícias civis. Investigação é essencial numa política de segurança pública, e não secundária, como muitos governos parecem acreditar”, afirma o delegado Rodolfo Laterza, presidente da Adepol.

A maioria dos estados apresentou percentuais a partir da razão do número de inquéritos policiais concluídos em 2022 sobre aqueles instaurados no mesmo ano. O método não é consensual.

Estudiosos da segurança pública apontam que o parâmetro internacional é considerar como resolvidos os inquéritos que, enviados ao Ministério Público, foram convertidos em denúncia.

Essa métrica, por outro lado, é contestada pela entidade dos delegados, que explica que nem todo inquérito se torna uma denúncia, como nos casos de autor do homicídio já ter morrido ou da morte se revelar um suicídio, por exemplo. Por isso, argumenta Laterza, medir a eficiência do trabalho policial de investigação a partir da denúncia pela Promotoria não seria adequado.

“De um lado, o delegado tem razão: ele fez a interrogação e apontou um culpado. Se o promotor vai fazer ou não a denúncia, é problema do Ministério Público”, pondera Trindade. Para ele, “a investigação precisa instruir o processo criminal, apresentando indícios ou provas que levem o promotor a denunciar e condenar o autor”.

“É um conceito de elucidação de homicídio, internacionalmente utilizado, que obriga a polícia a se submeter ao estado democrático de direito”, diz.

Trindade também aponta para outros potenciais problemas que, na ausência de parâmetros nacionais, pode gerar distorções, como a demora na abertura de inquéritos ou a classificação de potenciais homicídios como “morte indeterminada”.

“A boa notícia é que, se contarmos direito, usando padrões internacionais, teremos estados brasileiros com desempenho comparável às melhores polícias do mundo”, afirma.

Para Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), esse campo se ressente da falta um trabalho de inteligência do governo federal. “A gente precisa de indicadores nacionais que valham para todos os estados e que permitam medir a eficiência das polícias. Trata-se de algo indispensável para qualificar o debate sobre segurança pública e para medir como está o enfrentamento do crime no Brasil.”

Procurado, o Ministério da Justiça não informou sobre o eventual estabelecimento de parâmetros de registro e métodos de aferição da efetividade do trabalho policial até a publicação deste texto.

FERNANDA MENA / Folhapress

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